terça-feira, 20 de novembro de 2012

BREVE ENSAIO SOBRE A BUNDA

Jayme Barbosa*


Nos dias de hoje, a mídia tem mostrado que o cultivo dos glúteos femininos, apontados por Gilberto Freyre como objeto de paixão nacional, deixou de ser exclusividade brasileira.
                Falei só em cultivo porque bundas americanas, européias e asiáticas, mesmo depois de lipo-esculturadas, enxertadas e exercitadas, jamais se comparam às deste lado do Atlântico. As de lá, à semelhança, dos produtos dietéticos da atualidade, “não contém glúteo”.
                Aqui, elas são favorecidas pela mistura de raças e pela prática do samba, que fez até japonesa empinar traseiros, como os exibidos por sambistas nipônicas no último carnaval.
                É verdade que os bumbuns de cá já nasceram prontos; enaltecidos pelas popozudas, como se diz agora. Se forem de terra enladeirada, como a Bahia, o arremate da globosa parte é garantido. Além do mais, como já disse, dançar também enaltece as ancas. Compadre Guilherme Radel conta, em um dos seus livros, que viu uma dançarina cubana ostentando tão virtuoso traseiro que ele achou ate desrespeitoso ela sentar naquele monumento.
                Quanto ao termo, é bom de logo esclarecer que é nosso; não de origem, mas de adoção e veneração. Os portugueses a denominam nádegas ou rabo, pronto. O francês, mais sofisticado, a chama derrière.
                Mas a palavra bunda, acomodada com todo respeito ao nosso léxico, tem origem na língua kimbunda, falada na Angola de antigamente.  Em kibundo traseiro é “mbunda”. O “m” é apenas para acentuar o “b” na vocalização do termo, que aqui se consagrou como bunda, simplesmente.

Já os gregos chamavam uma bela bunda, coisa rara por lá, de calipígia. “Cali”, que significa belo, é encontrado em nosso vocabulário em caligrafia, calidoscópio, calistenia, e outros “calis” por aí a fora. Já o “pyge” é apenas bunda.
                O museu nacional de Nápoles ostenta a famosa estátua de Vênus em mármore, mostrando o traseiro ao levantar a curta saia, que mal o cobre, e que a ela valeu o apelido de “Vênus Calipígia”. Acho, contudo, sem ofender a deusa, que o “cali” naquela bunda, em relação às daqui, é descabido.
Vênus Calipígia

Alguns pensam que calipígia é também sinônimo de bunda grande. Nada disso. Bunda grande, gordurosa, é esteatopígia, já que “esteato” em grego quer dizer gordura, embora bundaças possam também ser belas.
                Por fim, para fugir à rigidez histórica e linguística de tão radiosa formação anatômica, destacada nas mulheres-melancia, como então se chama, convém considerar alguns aspectos literários e poéticos relevantes.
                Em junho de 1992, o nosso Jorge Amado, em Paris, escreveu textículo sobre seus gostos e vícios.  Entre outros aspectos focados, encontram-se: qualidade masculina – bondade; qualidade feminina – a bunda.
                No seu primeiro livro, Dias na Birmânia, George Orwell relata a proeza de dançarina nativa que remexia individualmente os lados do traseiro. Não sei se agora, que o país trocou o nome para Mianmar, ainda existe por lá dançarinas capazes de executar os alternados movimentos.
                Vale também lembrar o deslumbramento do poeta Manuel Bandeira, no poema Evocação do Recife com as bundas das pernambucanas se banhando no Capibaribe.
                Depois, o eterno Drummond de Andrade que, além de dizer: “é o milagre de ser duas em uma” termina a poesia A bunda, que engraçada com o verso:
                Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
                na carícia de ser e balançar.
                Esferas harmoniosas sobre o caos.
                A bunda é a bunda,
                redunda.
                Por último, fecha o trio de inspirados poetas nossos, Ferreira Gullar com Tanga, que, após descrever a graça da carioca de biquíni dirigindo-se à praia, conclui assim a poesia:
                E nessa translação nos descobria
                Suas faces solares:
                                                     o ombro
                                                   o dorso
                                                     a bunda
                lunar?
                estelar?
                                       a bunda
                                        que ( sob uma pétala
                                       de azul)
                                                     celeste me sorria.

                Que terra abençoada a nossa, ó Deus! Onde até as bundas nos sorriem.
NR/*Crônica extraída do livro Crônicas Recolhidas.

LEIAM SEMPRE: “É O QUE VOCÊ LÊ QUANDO NÃO TEM O QUE FAZÊ-LO QUE DETERMINARÁ O QUE VOCÊ SERÁ QUANDO NÃO PUDER EVITAR.” (OSCAR WILDE)

Um comentário:

  1. Parabéns, maravilha, a bunda é tudo isto e muito mais,... Abraços, Borba

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