segunda-feira, 3 de junho de 2013

MÊS DE JUNHO NA BAHIA


SANTO ANTÔNIO, SÃO JOÃO E SÃO PEDRO

Desde quando me conheço como gente sempre foi assim, o mês de junho mal pintava no calendário e os moradores de Salvador já se agitavam. Uns, arrumando suas casas e aprontando os quitutes, os licores, contratando o sanfoneiro, a zabumba e o triângulo para a animação dos arrasta-pés que se seguiam à reza da trezena de Santo Antônio. Outros iam à busca de passagens de ônibus para se dirigirem aos seus municípios de origem, onde desfrutariam, com parentes e amigos, das festas mundanas da época, assim como das de caráter religioso. Faltar a quaisquer dessas celebrações é que não se devia nem se podia. Constituía-se em pecado. Senão mortal ao menos venial.  - Deus me livre, me resguarde ou me esconjure dessa falta. Repetia ou arengava o povo como mantra, quase em uníssono.

Tal evento aditado aos de São João e São Pedro, comuns em todo nordeste, faziam do mês de junho. Mês atípico, ímpar, sedutor. Congraçando vizinhos, conhecidos, desconhecidos, velhos, jovens – as férias escolares coincidiam com tais manifestações religiosas e pagãs –, levando-os a participar desse incomum conúbio, que dava panos às mangas. Ora, um casamento aqui outro ali, uma donzela prenhe (pejada) acolá, tudo acontecido na santa paz do Senhor. Sem a necessidade da presença de um delegado de polícia para realizar a união dos atrevidos.
O bom mesmo dessas festas eram o colorido tropical que delas desabrochava, os fogos que luziam os céus através de gotas mágicas luminosas, as quadrilhas que exercitavam seus movimentos coreográficos ao percorrerem os salões, a fogueira no sítio, com fogo bem alto, espantando o frio do inverno, os licores de maracujá, jenipapo, leite, cajá, servidos em doses generosas, indo à boca de cada circunstante até perder o prumo, a régua e o compasso, enfim, as comidas que sobejavam sobre as mesas. O acaçá de milho e de leite, o bolo de aipim, a amoda, o mungunzá, a canjica de cortar, que tremelicava tanto quanto a bunda da mulher baiana subindo ladeiras, os mingaus, o milho verde (manauê) assado e cozido, a pamonha bem quentinha. Sem falar dos amendoins, servidos a mancheias. Tudo isso acontecendo com hora para começar e sem hora para terminar. E o que dizer das frutas que se encontravam por todos os cantos e recantos num festival de cores alucinantes, inebriando-nos com seus aromas: cajus, mangas, pitangas, pinhas, sapotis, mangabas, mexericas, goiabas?  Nada, era vê-las e comê-las. Assim como as sobremesas: doce de leite, marmelo, abacaxi, mamão e o pudim da dona da casa, uma receita de família, guardada a sete chaves.
Abundavam também as cantorias:
Capelinha de melão
É de São João
É de cravo, é de rosa,
É de manjericão.
Costumavam as moças donzelas, cortar as pontas dos cabelos e atiçá-las na fogueira – num ritual cabalístico, então muito em voga, para ganhar marido – ao tempo em que cantavam:
Cravo branco na janela
É sinal de casamento,
Menina tira esse cravo,
Que não chegou o seu tempo.

Benzinho, boca de cravo
Capela de São João,
Cadeado do meu peito,
Chave do meu coração.

Os olhos dessa menina
São bombas de São João
Arrebentam no meu peito,
Retumbam no coração.
Ao badalar da meia-noite, iam todas juntas rezar uma ladainha, quiçá, curiosa, cantando antes os seguintes versos:
Já os linhos reflorescem,
Estão os trigos em pendão,
Ajuntem as moças todas
No dia de São João.

Umas com cravos e rosas
Outras com manjericão
Aquelas que não tiverem
Tragam um verde limão.
A essa cantoria seguia-se a ladainha. Uma das moças dizia o nome do santo ou da santa e as demais, em coro, respondiam o que aspiravam ou desejavam acontecesse:
São Bartolomeu                                  Casar-me quero eu
São Ludovico                                    Com um moço muito rico
São Nicolau                                       Que ele não seja mau
São Benedito                                    Que seja bonito
São Vicente                                       Que não seja impertinente
Santa Felicidade                               Que me faça vontade
São Benjamim                                   Que tenha paixão por mim
São Miguel                                        Que dure a lua de mel
São Bento                                         Que não seja ciumento
Santa Margarida                              Que me traga bem vestida
Santíssima Trindade                         Que me dê felicidade

Dessas festas do meu tempo de rapaz, pouco restou. Ficaram as bandeirolas coloridas que enfeitavam as ruas e as casas, o hábito de espalhar folhas de pitangueiras nos pisos das residências, e o gosto pelos arrasta-pés, o licor farto e a comida abundante.
A pureza daquelas festas, a religiosidade, o fazer comadres e compadres pulando as fogueiras de mãos dadas, o fantasiarem-se de tabaréu ou tabaroa escafedeu-se como por encanto, tudo arrastado pela implacável voracidade do tempo moderno e pragmático.
Boas festas juninas, o que de bom delas resta, para todos vocês amigos deste Blog.
LCFACÓ      




 


        

                                  
       



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