SANTO ANTÔNIO, SÃO JOÃO E SÃO PEDRO
Desde
quando me conheço como gente sempre foi assim, o mês de junho mal pintava no
calendário e os moradores de Salvador já se agitavam. Uns, arrumando suas casas
e aprontando os quitutes, os licores, contratando o sanfoneiro, a zabumba e o
triângulo para a animação dos arrasta-pés que se seguiam à reza da trezena de
Santo Antônio. Outros iam à busca de passagens de ônibus para se dirigirem aos
seus municípios de origem, onde desfrutariam, com parentes e amigos, das festas
mundanas da época, assim como das de caráter religioso. Faltar a quaisquer
dessas celebrações é que não se devia nem se podia. Constituía-se em pecado. Senão
mortal ao menos venial. - Deus me livre,
me resguarde ou me esconjure dessa falta. Repetia ou arengava o povo como
mantra, quase em uníssono.
Tal
evento aditado aos de São João e São Pedro, comuns em todo nordeste, faziam do
mês de junho. Mês atípico, ímpar, sedutor. Congraçando vizinhos, conhecidos,
desconhecidos, velhos, jovens – as férias escolares coincidiam com tais
manifestações religiosas e pagãs –, levando-os a participar desse incomum
conúbio, que dava panos às mangas. Ora, um casamento aqui outro ali, uma donzela
prenhe (pejada) acolá, tudo acontecido na santa paz do Senhor. Sem a
necessidade da presença de um delegado de polícia para realizar a união dos
atrevidos.
O
bom mesmo dessas festas eram o colorido tropical que delas desabrochava, os
fogos que luziam os céus através de gotas mágicas luminosas, as quadrilhas que
exercitavam seus movimentos coreográficos ao percorrerem os salões, a fogueira
no sítio, com fogo bem alto, espantando o frio do inverno, os licores de
maracujá, jenipapo, leite, cajá, servidos em doses generosas, indo à boca de
cada circunstante até perder o prumo, a régua e o compasso, enfim, as comidas
que sobejavam sobre as mesas. O acaçá de milho e de leite, o bolo de aipim, a
amoda, o mungunzá, a canjica de cortar, que tremelicava tanto quanto a bunda da
mulher baiana subindo ladeiras, os mingaus, o milho verde (manauê) assado e
cozido, a pamonha bem quentinha. Sem falar dos amendoins, servidos a mancheias.
Tudo isso acontecendo com hora para começar e sem hora para terminar. E o que
dizer das frutas que se encontravam por todos os cantos e recantos num festival
de cores alucinantes, inebriando-nos com seus aromas: cajus, mangas, pitangas,
pinhas, sapotis, mangabas, mexericas, goiabas? Nada, era vê-las e comê-las. Assim como as
sobremesas: doce de leite, marmelo, abacaxi, mamão e o pudim da dona da casa,
uma receita de família, guardada a sete chaves.
Abundavam
também as cantorias:
Capelinha
de melão
É
de São João
É
de cravo, é de rosa,
É
de manjericão.
Costumavam
as moças donzelas, cortar as pontas dos cabelos e atiçá-las na fogueira – num
ritual cabalístico, então muito em voga, para ganhar marido – ao tempo em que
cantavam:
Cravo
branco na janela
É
sinal de casamento,
Menina
tira esse cravo,
Que
não chegou o seu tempo.
Benzinho,
boca de cravo
Capela
de São João,
Cadeado
do meu peito,
Chave
do meu coração.
Os
olhos dessa menina
São
bombas de São João
Arrebentam
no meu peito,
Retumbam
no coração.
Ao
badalar da meia-noite, iam todas juntas rezar uma ladainha, quiçá, curiosa,
cantando antes os seguintes versos:
Já
os linhos reflorescem,
Estão
os trigos em pendão,
Ajuntem
as moças todas
No
dia de São João.
Umas
com cravos e rosas
Outras
com manjericão
Aquelas
que não tiverem
Tragam
um verde limão.
A
essa cantoria seguia-se a ladainha. Uma das moças dizia o nome do santo ou da
santa e as demais, em coro, respondiam o que aspiravam ou desejavam
acontecesse:
São Bartolomeu Casar-me quero
eu
São Ludovico Com um moço
muito rico
São Nicolau Que ele não
seja mau
São Benedito Que seja bonito
São Vicente Que não seja
impertinente
Santa Felicidade Que me faça
vontade
São Benjamim Que tenha
paixão por mim
São Miguel Que dure a lua
de mel
São Bento Que não seja
ciumento
Santa Margarida Que me traga
bem vestida
Santíssima Trindade Que me dê felicidade
Dessas
festas do meu tempo de rapaz, pouco restou. Ficaram as bandeirolas coloridas
que enfeitavam as ruas e as casas, o hábito de espalhar folhas de pitangueiras
nos pisos das residências, e o gosto pelos arrasta-pés, o licor farto e a
comida abundante.
A
pureza daquelas festas, a religiosidade, o fazer comadres e compadres pulando
as fogueiras de mãos dadas, o fantasiarem-se de tabaréu ou tabaroa escafedeu-se
como por encanto, tudo arrastado pela implacável voracidade do tempo moderno e
pragmático.
Boas
festas juninas, o que de bom delas resta, para todos vocês amigos deste Blog.
LCFACÓ
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