Continuação
Raymundo
Pinto
É desembargador aposentado do TRT, é também escritor e membro
da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.
Em artigo publicado na edição de 26 de setembro próximo passado,
levamos ao leitor algumas informações sobre a terceirização e prometemos
retornar ao tema (Clique aqui para visualizar o artigo anterior). Apesar de reconhecer que muitos atos
condenáveis têm sido cometidos na aplicação prática dessa forma de
descentralizar atividades, procuramos demonstrar que não se trata de algo que
deve ser combatido com argumentos radicais e fora da realidade, pois existem
aspectos positivos a analisar. Algumas leis a autorizam e a jurisprudência dos
tribunais – trabalhistas, em especial – vem interpretando que é legal sua
utilização, desde que obedecidas certas restrições. A discussão em torno do
assunto se intensificou a partir do momento em que passou a tramitar no
Congresso Nacional um projeto de lei que procura regulamentar a polêmica
medida.
Os que se opõem aos termos
do projeto sustentam, entre outras discordâncias, que seria prejudicial aos
trabalhadores a permissão de terceirizar no caso das chamadas atividades-fim em
empresas ou órgãos púbicos. De logo, deve ficar claro que, em determinadas
circunstâncias, nem sempre é fácil distinguir entre atividade-fim e
atividade-meio. Num empreendimento que usa máquinas, equipamentos e computares
de modo intensivo, como deveriam ser enquadrados os serviços de reparo e
manutenção deles? Há quem insista em afirmar que são tarefas essenciais à produção (atividade-fim,
portanto). Imagine-se uma pequena fábrica de confecções que transfere a pessoas
físicas os trabalhos de pregar botões, abrir as “casas” e costurar bainhas, a
serem realizados no âmbito de suas residências. Que mal existe em terceirizar
essas atividades-fim? Destaque-se que o maior exemplo, na atualidade, desse tipo
de terceirização está na indústria automobilística. Aliás, elas são até
chamadas de “montadoras”, justamente porque reúnem – no próprio espaço fabril –
diversas outras empresas que produzem e montam inúmeras peças e complementos que
integram os produtos finais, que são os veículos.
Durante as
intermináveis discussões sobre o Projeto de Lei n. 4.330, apresentado há nove
anos, a Câmara Federal, a fim de melhor esclarecer as divergências, nomeou, em 2011,
uma comissão presidida pelo deputado Roberto Santiago. O trabalho foi
desenvolvido com seriedade, tendo sido convocados a prestar depoimentos
empresários, sindicalistas e várias outras pessoas interessadas. Ao final, a
referida comissão elaborou um extenso relatório, tirando uma média das opiniões
e recomendando a inclusão no futuro texto legal de normas que seriam mais
próximas de um consenso. Em vista do número elevado dos detalhes, não seria
possível alinhá-los no exíguo espaço de um artigo jornalístico. Procurando
resumir ao máximo, assinalamos que o relatório admite a terceirização de
atividades-fim, porém indica a necessidade de estabelecer rígidas restrições,
destacando, entre outras: a) a prestadora de serviço, que terá capital social
compatível, deve ser sempre uma empresa especializada e com um único objeto social (mais de
um, se foram correlatos); b) a prestadora dirigirá os trabalhos de seus
empregados e, ocorrendo fraude, o vínculo laboral se forma com a tomadora; c) a
empresa contratante deve fiscalizar a realização dos serviços, suspendendo-os
ou retendo faturas se verificar a inadimplência da prestadora com obrigações
trabalhistas; d) a tomadora será, a princípio, responsável subsidiária em havendo inadimplemento de tais
obrigações e se provar que fiscalizou, mas passará a responsável solidária caso não tenha fiscalizado; e) serão
disponibilizadas para os empregados da terceirizada todas as condições de
trabalho dos colegas da contratante, incluindo regras de higiene, saúde e
prevenção de acidentes. Asseguradas essas garantas mínimas em lei, a
terceirização deixa de ser tão criticada.
Façamos breves referências
à possibilidade de terceirização no setor público. Para se ter uma ligeira
ideia da grandiosidade que assumiu esse fenômeno econômico no nosso país basta
dizer que a estatal Petrobrás desenvolve suas atividades utilizando mais de
200.000 (isto mesmo: duzentos mil) trabalhadores terceirizados. Do mesmo modo,
União, Estados e Municípios igualmente contratam um contingente enorme de
empresas que prestam serviços terceirizados. Houve uma grande preocupação
quanto às consequências da regra incluída no art. 71 da Lei 8.666, que isenta a
Administração Pública de obrigações trabalhistas caso promova licitação
regular. Uma Ação Declaratória de Constitucionalidade foi proposta em 2010 e o
STF julgou-a procedente, entendendo ser constitucional o referido art. 71.
Contudo, esclareceu, com base em normas da própria Lei 8.666, que o ente
público tem o dever de fiscalizar o cumprimento dos contratos e, se não o faz,
incorre em culpa (in vigilando, termo latino usado no caso), assumindo a
responsabilidade das obrigações inadimplidas pela contratada. Em virtude da
decisão da nossa mais Alta Corte, o TST teve de alterar a redação do item V da
Súmula 331, porém, no essencial, manteve a antiga interpretação, fazendo apenas
poucas adaptações para observar a posição da STF. Portanto, a terceirização dos
serviços públicos – desde que obedecidas determinadas limitações e restrições
legais, ressalte-se – além de se constituir uma realidade flagrante, é
plenamente autorizada.
Levando em conta que se
findou o espaço que dispomos, prometemos, em futuro próximo, voltar ao mesmo
assunto, no tocante a outros aspectos, inclusive a terceirização efetuada com
cooperativas.
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