segunda-feira, 29 de setembro de 2014

T E R C E I R I Z A Ç Ã O: TEM, SIM, UM LADO POSITIVO – II –

Continuação 
                                                              Raymundo Pinto
É desembargador aposentado do TRT, é também escritor e membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.


Em artigo publicado na edição de 26 de setembro próximo passado, levamos ao leitor algumas informações sobre a terceirização e prometemos retornar ao tema (Clique aqui para visualizar o artigo anterior). Apesar de reconhecer que muitos atos condenáveis têm sido cometidos na aplicação prática dessa forma de descentralizar atividades, procuramos demonstrar que não se trata de algo que deve ser combatido com argumentos radicais e fora da realidade, pois existem aspectos positivos a analisar. Algumas leis a autorizam e a jurisprudência dos tribunais – trabalhistas, em especial – vem interpretando que é legal sua utilização, desde que obedecidas certas restrições. A discussão em torno do assunto se intensificou a partir do momento em que passou a tramitar no Congresso Nacional um projeto de lei que procura regulamentar a polêmica medida.

Os que se opõem aos termos do projeto sustentam, entre outras discordâncias, que seria prejudicial aos trabalhadores a permissão de terceirizar no caso das chamadas atividades-fim em empresas ou órgãos púbicos. De logo, deve ficar claro que, em determinadas circunstâncias, nem sempre é fácil distinguir entre atividade-fim e atividade-meio. Num empreendimento que usa máquinas, equipamentos e computares de modo intensivo, como deveriam ser enquadrados os serviços de reparo e manutenção deles? Há quem insista em afirmar que são tarefas essenciais à produção (atividade-fim,  portanto). Imagine-se uma pequena fábrica de confecções que transfere a pessoas físicas os trabalhos de pregar botões, abrir as “casas” e costurar bainhas, a serem realizados no âmbito de suas residências. Que mal existe em terceirizar essas atividades-fim? Destaque-se que o maior exemplo, na atualidade, desse tipo de terceirização está na indústria automobilística. Aliás, elas são até chamadas de “montadoras”, justamente porque reúnem – no próprio espaço fabril – diversas outras empresas que produzem e montam inúmeras peças e complementos que integram os produtos finais, que são os veículos.
                Durante as intermináveis discussões sobre o Projeto de Lei n. 4.330, apresentado há nove anos, a Câmara Federal, a fim de melhor esclarecer as divergências, nomeou, em 2011, uma comissão presidida pelo deputado Roberto Santiago. O trabalho foi desenvolvido com seriedade, tendo sido convocados a prestar depoimentos empresários, sindicalistas e várias outras pessoas interessadas. Ao final, a referida comissão elaborou um extenso relatório, tirando uma média das opiniões e recomendando a inclusão no futuro texto legal de normas que seriam mais próximas de um consenso. Em vista do número elevado dos detalhes, não seria possível alinhá-los no exíguo espaço de um artigo jornalístico. Procurando resumir ao máximo, assinalamos que o relatório admite a terceirização de atividades-fim, porém indica a necessidade de estabelecer rígidas restrições, destacando, entre outras: a) a prestadora de serviço, que terá capital social compatível, deve ser sempre uma empresa especializada e com um único objeto social (mais de um, se foram correlatos); b) a prestadora dirigirá os trabalhos de seus empregados e, ocorrendo fraude, o vínculo laboral se forma com a tomadora; c) a empresa contratante deve fiscalizar a realização dos serviços, suspendendo-os ou retendo faturas se verificar a inadimplência da prestadora com obrigações trabalhistas; d) a tomadora será, a princípio, responsável subsidiária em havendo inadimplemento de tais obrigações e se provar que fiscalizou, mas passará a responsável solidária caso não tenha fiscalizado; e) serão disponibilizadas para os empregados da terceirizada todas as condições de trabalho dos colegas da contratante, incluindo regras de higiene, saúde e prevenção de acidentes. Asseguradas essas garantas mínimas em lei, a terceirização deixa de ser tão criticada.
Façamos breves referências à possibilidade de terceirização no setor público. Para se ter uma ligeira ideia da grandiosidade que assumiu esse fenômeno econômico no nosso país basta dizer que a estatal Petrobrás desenvolve suas atividades utilizando mais de 200.000 (isto mesmo: duzentos mil) trabalhadores terceirizados. Do mesmo modo, União, Estados e Municípios igualmente contratam um contingente enorme de empresas que prestam serviços terceirizados. Houve uma grande preocupação quanto às consequências da regra incluída no art. 71 da Lei 8.666, que isenta a Administração Pública de obrigações trabalhistas caso promova licitação regular. Uma Ação Declaratória de Constitucionalidade foi proposta em 2010 e o STF julgou-a procedente, entendendo ser constitucional o referido art. 71. Contudo, esclareceu, com base em normas da própria Lei 8.666, que o ente público tem o dever de fiscalizar o cumprimento dos contratos e, se não o faz, incorre em culpa (in vigilando, termo latino usado no caso), assumindo a responsabilidade das obrigações inadimplidas pela contratada. Em virtude da decisão da nossa mais Alta Corte, o TST teve de alterar a redação do item V da Súmula 331, porém, no essencial, manteve a antiga interpretação, fazendo apenas poucas adaptações para observar a posição da STF. Portanto, a terceirização dos serviços públicos – desde que obedecidas determinadas limitações e restrições legais, ressalte-se – além de se constituir uma realidade flagrante, é plenamente autorizada.
Levando em conta que se findou o espaço que dispomos, prometemos, em futuro próximo, voltar ao mesmo assunto, no tocante a outros aspectos, inclusive a terceirização efetuada com cooperativas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário