Por CONSUELO PONDÉ
Herdei alguns livros antigos de familiares falecidos,
que teimo em preservar porque significaram muito para os seus donos e me dói
descartá-los. Isto porque para quem gosta de ter livros e contar com objetos
insubstituíveis, ainda que escritos em linguagem anacrônica.
Um deles é de Menotti Del Picchia, intelectual
esquecido como muitos outros, um dos mais ativos organizadores da Semana de
Arte Moderna de 1922.
Menotti era filho de imigrantes italianos e nasceu em
São Paulo a 20 de março de 1892, ali falecendo a 23 de agosto de 1988. Poeta,
jornalista, advogado, político, foi membro da Academia Brasileira de Letras, na
qual ocupou a cadeira 28, em 1943.
Recordo-me de minhas tias maternas, que eram alunas da
Escola Normal da Bahia, e declamavam, entre outros poemas, Juca Mulato e
Máscaras. Encantava-me a maneira entusiasmada como diziam esses versos, muito
conhecidos nos dias do passado, sendo provável que uma delas, a única
sobrevivente da família Zenaide Montanha de Araújo Góes, ainda saiba
recitá-las, pois era dona de excelente capacidade de memorização.
O exemplar que se encontra em minhas mãos não tem
identificação de data nem editora, mas o nome da proprietária e a data - 1929.
Trata-se de um livro pequeno, de capa dura, na cor azul, e contém ilustrações
relacionadas com a folia do Carnaval. A abertura da obra é feita em quatro
versos e esta contém os seguintes poemas: As Máscaras; Arlequim: um Desejo;
Pierrot: um Sonho; Colombina: a Mulher. De uma dessas partes, permito-me
extrair alguns versos ousados para a época.
Vamos a eles: “O beijo da mulher! O Sinfonia louca/da
sonata que o amor improvisa na boca.../No contato do lábio, onde a emoção
acorda/sentir outro vibrar, como vibra uma corda.../À vaga orquestração da
frase que sussurra/ver um corpo fremir tal qual uma bandurra.../ Desfalecer
ouvindo a música que canta / no gemido de amor que morre na garganta.../ Colar
o lábio ardente à flor de um seio lindo,/ ir aos poucos subindo ...ir aos
poucos subindo.../ até alcançar a boca e escutar , num arquejo , o
universo parar na síncope de um beijo!
Do Arlequim, um verso que nunca esqueci: “Ingênuo uma
mulher bela/ adora quem lhe diz o que é lindo nela / Ousa tudo porque todo o
homem namorado,/ se arrepende, afinal, de não ter tudo ousado”.
Fechando o longo poema, na voz da Colombina, hesitante
entre o amor do Arlequim e do Pierrot, diz ao segundo: “O teu sonho é tão
manso... Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma dando a Arlequim meu
corpo... e a Pierrot minh`alma!/Quando tenho Arlequim, quero Pierrot
tristonho,/ pois um dá-me o prazer, o outro dá-me o sonho! / Nessa duplicidade
o amor todo se encerra: /Um me fala do céu ....outro fala da terra! Eu amo
porque amar é variar, e em verdade / toda a razão do amor está na variedade.../
Penso que morreria o desejo da gente / se Arlequim e Pierrot fossem um
ser somente,/ porque a história do amor pode escrever-se assim. Um sonho de
Pierrot/ E um beijo de Arlequim.”
E, no desejo de descrever a dubiedade de sentimentos
da mulher, Colombina diz, hesitante a Pierrot: Eu amo-te , Pierrot e ao
Arlequim declara... e adoro-te, Arlequim. A vida é singular! Bem ridícula, em
suma. Uma só ama dois... e dois amam uma só!... Essa mesma indefinição amorosa
está no que a Colombina diz ao Pierrot: O teu sonho é tão manso
...Pudesse eu repartir-me e encontrar minha calma
dando ao Arlequim meu corpo.....e a Pierrot minh´alma! Quando tenho Arlequim,
quero Pierrot tristonho, pois um dá prazer, o outro dá-me o sonho!
Nessa duplicidade o amor tudo se encerra: Eu amo,
porque amar é variar, e em verdade toda razão do amor está na variedade.
...Penso que morreria o desejo da gente se Arlequim e Pierrot fossem um ser, porque a história do amor pode escrever-se assim. Pierrot - Um sonho de Pierrot..., Arlequim. E um beijo de Arlequim!
Como soam antigas as declarações de amor e o
comportamento dos amantes da década de 1920 ...
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