Literatura: crônica
“Minha filha ganhou um gatinho e
contei a Tim que ela ia dar o seu nome ao bicho. Ele adorou: “Já sei, porque é
preto, gordo e cafajeste”!” O gato era cinzento, magrinho e carinhoso, e só nos
deu amor e alegria”. – Nelson Motta
Tim batia os pés, embirrava e apelava para a mãe dar testemunho que foi
ele a descobrir a dupla Roberto e Erasmo. Vociferava, batia boca, inclusive,
afirmando que os ensinou a cantar e tocar violão.
Se o leitor é aquele
personagem mal humorado, que está sempre preocupado com o futuro da família; a
cada dez frases, nove é sobre dinheiro; reclamando da desobediência de netos e
bisnetos; praguejando os valores monetários recebidos na aposentadoria;
espojando o corpo numa cadeira de balanço, perde uma enormidade de preciosos
segundos de vida ruminando e comparando o presente e o passado; faz palestras
em praça pública sobre o descobrimento de água na lua pelos astronautas
enquanto que no Brasil usa-se o líquido sem o menor sentimento de
sustentabilidade; importuna-se com a corrupção que assola o país; preocupa-se
com o desrespeito de adolescentes que pulam muros e portões, invadem escolas,
quebram tudo, montam acampamento, traficam deslavadamente e roubam os
equipamentos para montar uma central de games e RPG em casa; por favor,
encarecidamente, não leia este artigo.
Se teimar em ler, correrá sério risco de ter
um AVC; um ataque cardíaco fulminante; um mal súbito colérico; pois ler os
pormenores e as minúcias do doidão, Tim Maia, é um atentado contra os bons costumes,
contra as boas crenças, que na realidade nada resolve; porque Brasil é Brasil e
como disse Tom Jobim, não dá confiar em coisas inventadas por brasileiro,
referindo-se ao avião.
Em contrapartida, se és
do tipo lunático que deleita-se em discutir coisas inócuas; (futebol por
exemplo) perde-se, arraiga-se ao que não possui o mínimo valor e custa os olhos
da cara; (bunda de mulher) não se preocupa com a melhor decisão a ser tomada
amanhã; (compra do imóvel pelo famigerado plano “Meu barraco, meu problema; ou
em vez de meu problema, minha favela”, como queira chamar) e ainda por cima,
quer que tudo saia como o som esculhambado do Tim Maia, parabéns, essa é a
leitura para desopilar o fígado, escarnecer a vida, desapoderar-se das
responsabilidades, contrair câimbras na barriga de tanto rir e mandar tudo para
o outro lado da ciclovia que ruiu na cidade maravilhosa.
O diplomata, o
empresário, o executivo é visto inicialmente pelo retilíneo friso do engomado
de ‘cim`abaixo nos ternos, pela gravata que denota respeito e conhecimento,
pelos sapatos lustrados; e pelo manso e ao mesmo tempo, firme pronunciamento da
fala nas mesas de negociações, que se mantém inalterado conforme a ocasião e o
assunto em pauta. Quase o mesmo se aplica a um livro, que ao ser comprado
apenas pelo prefácio da capa, o leitor fica a mercê da decepção de não ter
escolhido àquele que lhe agrada; e por mais que seja chamativo e aguce as
sinapses neuronais, iniciada a leitura, logo nas primeiras páginas o escritor
será elogiado às palavras soltas, indo tanto ele quanto a sua obra parar no
fundo, bem no fundo da lixeira para nunca mais serem lembrados pelo leitor.
Portanto,
invariavelmente todo leitor tem os seus autores e temas prediletos, mantendo
total e irrestrita fidelidade e destes velhos conhecidos de outrora, não abre
mão. Assim, não é todo dia que as editoras conseguem lançar no mercado o livro
ideal para esses ou aqueles grupos de leitores, motivo de haver um hiato, uma
lacuna entre o leitor e o disponível nas prateleiras das livrarias para ser
lido. Nessas épocas de muitos livros de títulos instigantes, mas com pouco
néctar linguístico para ser extraído, como reage o maníaco e inveterado leitor?
Vasculha bibliotecas, cheira o mofo e o embolorado das prateleiras, bisbilhota
as conversas e quem sabe, numa dessas descobre onde a aranha tece a teia à
espera da distraída presa.
Foi mais ou menos essa a
ideia entre dois amigos intelectuais, tal qual foi a amizade entre o cantor Tim
Maia e o escritor Nelson Motta, que um deles conhecera a biografia de Sebastião
Rodrigues Maia; pois o outro sem ter o que ler, vagava pela noite com um
embornal de pano pendurado no ombro, entupido com dois litros de vinho, sacos
de pipoca, rolos se algodão doce, livros de Karl Max, Conde Leon Tolstói, Che
Guevara, Hitler, Lampião entre outros. Fitas cassete dos Mutantes, O Terço,
Raul Seixas, Tom Jobim e mais alguns opositores ao regime vigente à época.
Musicalmente, os artistas ululavam este estilo de arte por várias direções; era
bossa nova engrossada com jazz, rock com baião, xote com MPB e mais, espocavam
nas gravadoras e garagens, como uísque nas mesas de bacanas nas boates e fogos
de artifício em festa de gala.
Lamentando a neurose
momentânea devido a escassez de expressivas frases, textos elucidativos e a imperdoável
falta de algo pensante para ler, o fulano do embornal dizia que as editoras
estavam em falta com a cultura do país e do mundo; ao que o ouvinte rebateu
dizendo que embora pouco, havia bons lançamentos de livros no mercado. Porém, o
que puxou o assunto, descontente com o que ouvia e via, com os olhos em tempo
de soltar as lágrimas aos atropelos, defendia a tese que embora tenha
procurado, estava reticente aos lançamentos; e permaneceria resignado à espera
que algum escritor que tivesse a lucidez o suficiente e escrevesse sobre os
temas que ele gostava de ler.
“Penso, logo leio; pois
mentes pensantes exigem boas obras e pensadores ainda melhores”. - rosnava lamentoso o sujeito do
embornal.
O segundo, que também
não desgrudava de uma capanga, arrulhou em resmungos que tinha a solução, mas
que antes de apresentá-la, iriam torrar unzinho para saciar o apetite dos
neurônios. Estranhando a linguagem, foi interpelado pelo fulano do embornal,
que queria saber onde seu amigo aprendeu a tal expressão: “torrar unzinho”,
porque até então, para ele o significado dela era enrolar um puro; tocar fogo
no baseado; acender uma vela para o capeta e outros disfarces linguísticos
mais. Naquela época fumar maconha era motivo de intelectualismo e subversão.
Enquanto enrolava
cuidadosamente a puríssima erva que custava caro e fumar estrume de vaca é
para, além de pobre, tolos; o outro com um sonoro e seco estouro de rolha abriu
uma garrafa de vinho tinto. Prevenidos, serviram os copos de plástico. A festa
prometia. O cicrano incumbido de enrolar o baseado sacou o gravador que
trouxera na esfarrapada capanga, meteu a fita do “The dark of side de moon” do
Pink Floyd, apertou a tecla play, a qual estava posicionada na música Money e
por serem aversivos ao capitalismo e ao dinheiro, passaram para a próxima
faixa. O outro, exímio músico de ouvido, empunhou o violão, afinou-o como pode
e acompanhou as notas da música vocalizada por Roger Waters com um solo
transcendente.
Visto que palavras
possuem força motriz, acenderam o ‘bregueço’ e pitaram numa boa; numa nice com
diziam. Na escuridão do ambiente, a única coisa que se via era a luzinha do
baseado quando tragado e o brilho do vermelho escarlate que reluzia, tanto
quanto mais fundo fosse o puxado. Fizeram a cabeça e sossegados de espírito,
voltaram ao assunto, o qual definitivamente precisava de um realce. Mesmo
estando sob uma escuridão imensurável, tremendas trevas abissais, no ambiente e
ao redor de onde estavam tudo era luz e de quando em quando, parecendo
vagalume, deixavam transparecer um ponto luminoso, que visto de longe, mais
parecia a descida de um Objeto Voador Não Identificado. E dependia
exclusivamente da viagem dos tripulantes no reino dos cogumelos. Quanto mais
forte, mais flutuante. Pirandelo!
Feliz da vida, o que fez
a presença (pessoa que oferece algo) do torradinho, tateou a capanga, puxando
de lá um livro e o colocou em cima da barriga do amigo, que levantou assustado
e quis saber quem era o autor e do que se tratava; abominava os livros de
autoajuda, estilo que rondava a trupe de pensadores alternativos. Ouviu como
resposta que contrário ao que ele pensava, aquela obra escrita numa linguagem
rasgada e insolente de princípios, versava sobre os ideais de liberdade; sobre
as viagens lisérgicas permeadas pelo LSD e a devassidão do estilo de vida do
protagonista, cujo título era: “O som e a fúria de Tim Maia” escrito pelo
jornalista Nelson Motta.
Considerando a questão e
em seguida, rebatendo ao pé-da-letra, o ouvinte retrucou dizendo que não lia
livros bregas e biografia de alguém que dizia abertamente fazer música para o
povão rebolar e esquentar o sovaco, apenas. Como forma de desfazer a aversão do
amigo sobre Tim, o entusiasta das aventuras do ex-marmiteiro propôs ler um
parágrafo e depois o fulano que tomasse a decisão que mais lhe agradasse;
porém, o advertiu que com a cabeça faiscando anarquia como estavam, fechá-la
seria tolice. Ao que o sujeito da capanga mantinha-se irredutível; e bem ou
mal, ouviu o sujeito da capanga ler um breve trecho do livro:
“Ô ‘Nelsomotta’, eu ‘tô’
aqui sentado numa cadeira e tomando café numa mesa tão antiga que estou me
sentindo um Dom João VI, porque tudo é muito ‘antigaço’ nesse hotel, mas o
fogão está funcionando e você está convidado a tomar um breakfast e a torrar
unzinho comigo. Now!”
E assim que o convidado
chegou, cuspiu a frase de boas vindas: “Tá vendo? Agora só me falta escrever
com pena de ganso”.
- Caralho, que entrada
triunfal! Enquanto a brisa não termina, manda mais uns capítulos aí mermão,
porque tá porreta demais! Vou até botar outra fita.
E meteu “Songs of the
Sea, do Renaissance, para fritar no velho e capenga gravador Philips. A tecla
play rangeu: sinal de som do bom e velho rock-and-roll chegando.
Pediu mais um trago de
vinho, enrolou outro torpedo em forma de charuto, pois pensavam ser dois
revolucionários cubanos e viajando pelas ilhas do caribe, o cicrano da capanga
continuou contando-lhe as peripécias do doidão Tim:
Tião Maia herdou a honestidade da malandragem
dos morros do Rio, o soul dos negros das periferias americanas, as drogas que
rolavam solta à época, a cafajestice do cáften sem lar e a fraqueza ao ser
chamado à responsabilidade pela mãe. E quando isto acontecia, o bebê gigante de
mais de 100 quilos dobrava aos pés da mamãe, pedia chupeta, beijava a mão e
pedia mil perdões, logicamente que de boca pra fora, porque passado algum
tempo, o céu vinha abaixo. Botava pra foder.
Numa época em que nas
brincadeiras de crianças se lembravam das mães e não existiam as palavras ‘bulling’,
discriminação racial, processo judicial, interferindo nas relações amistosas,
mandava um sonoro “É a puta que te pariu”, quando em vez de Sebastião, era
chamado de Tião Marmiteiro. E arrastando os seus sapatos dois números maiores
que os pés, cuja ideia era para durar mais, Tim foi convidado para jogar um
futebolzinho de rua, o que se achou merecedor e logo estacou, desceu do ombro o
pesado fardo de marmitas e preparou-se para fazer parte do esquadrão da bola
liderado pelo amigo Erasmo. Nesse ínterim, imaginando que usar as mãos é melhor
que usar os pés, abriu as marmitas e um pedaço de frango de uma, um bifinho da
outra, mais qualquer coisa de outra e ao dar fé do que estava fazendo, lotou o ‘pandu’
roliço e lânguido de comida roubada, lambeu os dedos e a mão e voltou à
estrada; colérico é claro, porque os gritos de gol e Tião Marmiteiro ecoavam na
pelada comandada pelo desengonçado ‘tremendão’.
Obstinado e de vidência
sobrenatural: esses foram os descobrimentos de Tim no decorrer de sua vida. E
aos 17 anos, com uma voz de trovão de dar inveja a qualquer astro de Hollywood,
a qual se enquadrava muitíssimo bem nos moldes do blues e demais gêneros musicais
afins, via com bons e aguçados olhos que ir para os EUA seria a sua
consagração. Sem falar inglês e sem ‘money’? Sim, sem falar inglês fluente,
apenas com o ‘embrometion’ que aprendera cantando; mas com cara e coragem iria
para as terras do Tio Sam, nem que para realizar a façanha tivesse que roubar
canos de cobre das construções dia e noite. A oportunidade batia à sua porta e
ganhar muito dinheiro, ser cantor famoso, fumar quantos fininhos quisesse por
dia e comer, foder incansavelmente as mocinhas virgens ou não, o que pouco lhe
importava, já passava-lhe pela cabeça.
Um padre da igreja que
sua família religiosamente frequentava de domingo a domingo, contou-lhe que
fariam um tour pelos states e no que dependesse dele, o levaria junto;
inclusive de saída arrumaria uns trocados para a compra da passagem, mas que
agisse rápido porque o avião estava prestes a decolar com os capuchinhos. Tim
ficou tão ouriçado com a possibilidade, que vendeu até o violão que havia
ganhado do pai antes desse ser fulminado por um câncer.
Encorajado por Erasmo,
que fazia uma carinha, roubando canos de cobre nas construções inacabadas para
levantar uns trocados e comprar roupas e sapatos nas lojas Ducal e medalhões em
qualquer banca de badulaques, Tim embarcou no movimento do “Trabalho somente
por que preciso” e martelou as grossas paredes, esgaravatou os pisos à procura
do chumbo que valeria a ida aos EUA. Feito cão vira-lata atrás de cadela no cio,
ao final de uma semana de sumiço de casa, consumido pelo trabalho intenso,
emagrecimento forçado, vendeu a produção pelo valor que os compradores
impunham, que era uma ninharia de dinheiro, trocou em dólares americanos e
juntou-os às três notas de dólares que ganhara da família, que ao todo não
passava de quinze dólares; quantia que não equivalia ao valor de um Big Mac. E
com uns 14 anos apenas, bye-bye Brasil: se mandou para as terras de Tio Sam.
Além de pesado, Tião Marmiteiro era um cara da pesada e ia para cima do que
queria mesmo.
Aventuras, cobras,
embaraços, moscas varejeiras e música ao som de muitas drogas é o que não
faltaram nos ‘states’; e se no Brasil, falando a língua pátria, comendo
gulosamente e mamando muitas latas de leite condensado pagas pela família,
mimado pelos padres e tentando carreira na música que já havia revelado Roberto
e Erasmo, não estava a contento e suficiente, em terras desconhecidas
certamente não seria melhor, jamais. Mas para Tim, valia o que viesse; só não
valia dançar homem com homem e nem mulher com mulher, o resto estava valendo; e
se ainda assim piorasse, apelaria para o síndico, desde que o síndico fosse
ele, óbvio.
Embrenhado nos monturos
dos EUA, conheceu uma gangue da pesada, embarcou com ela num automóvel roubado
e roubando aqui e vendendo ali, cruzaram vários estados. Nesta viagem que
incluía drogas, garrafas e mais garrafas de bebidas e muitas prisões por
motivos óbvios. Até que o mais grave aconteceu e julgado pelas fraudes que
cometera, pegou uma cana brava. O bebezão de mamãe esperneava, gritava,
chorava, mas sem acordo; a justiça americana não aliviou a pena e o pior:
quando enfurecia, sem choro e sem vela, mandava o ordinário para a cadeira
elétrica. Tim borrava as calças só de pensar. Porém protegido pelos deuses das
trapalhadas, certa tarde ele ouviu seu sobrenome aos berros. Apresentou-se ao
carcereiro e foi levado à sala em que o delegado despachava e por seus méritos
e feitos em terras americanas, recebera o ultimado de sair do país
imediatamente. Seria deportado sem direito a retorno e o que era sufoco, passou
a ser alívio.
Tim prosseguia na sua
missão de viver perigosamente e juntamente com o AI-1 (Ato Institucional)
aportou-se no Brasil. Fumar, cheirar, beber e foder estavam liberados, menos
falar abertamente do sistema regimental imposto; e se caso ouvido, o falador
dançava nas garras dos militares. O Brasil é ‘bão’ Sebastião, mas bico fechado.
Sim senhor: lacrado!
Chegando ao Galeão,
imediatamente ligou para a família e às gargalhadas, dizia que a boa andorinha,
mais cedo ou mais tarde, ao ninho volta. Emendou dizendo que trouxera presentes
para todos e que viessem rápido, porque a saudade era maior do que a montoeira
de bagagens que trouxera. A família veio em peso vê-lo e logicamente, levar os presentes;
ao que Tim desculpou-se, justificando que segundo as informações do pessoal da
empresa aérea, as malas haviam sido extraviadas, mas que sem falta, ele as
teria de volta; assim como o ressarcimento em dólares pelo erro cometido. Tanto
o labioso Tim, quanto a ingênua família esperaram pelas malas e os presentes
até sua morte; e para quem não faz parte da trama e só sabe dos rumores, devem
ter sido sepultados juntamente com ele.
Ambientado ao país que
mais tarde se proclamara síndico, Tim corria desesperadamente atrás de Roberto
e Erasmo, que estouravam nas rádios e era sucesso de vendas. O motivo da
correria? Antes do auge, Tim dera uma força para o Roberto pondo-o nos vocais
do conjunto Sputniks em que tocava e às escondidas o rei armou com o empresário
e começou a cantar sozinho um repertório de Elvis. Furioso, fulo de raiva,
cuspindo peçonha, o ex-marmiteiro foi ter com o rei Roberto. Não prestou: “Seu
filho-da-puta! Eu boto você no conjunto e você vai cantar sozinho, seu porra!”
Esquecida essa passagem embriagada pela desavença e bate-boca, como Tim
precisava como nunca de um empurrão de Roberto, fez de conta que nada
acontecera entre eles e foi bater na porta de sua casa em São Paulo.
Abelardo Barbosa, o
Chacrinha para os ín(Tim)os, contrário dos apresentadores de hoje que é uma ‘babação’
de ovo, tremenda puxa-saquice, explícita troca de gentilezas insípidas, o
“Velho Palhaço” era anarquista, gozador e esculhambava com os galãs metidos a
cantores que apareciam do além e para alegrar o auditório, buzinava sem receio
e metia a mão na ‘buzanfa’ (também conhecida como padaria) de quem não fosse da
arte de cantar. Como havia um quadro para cantores consagrados, convidou Tim
para dar uma canja em seu programa, o que foi aceito de bom grado. Naquela tarde
o rei do soul foi ao banheiro e limpou o que tinha para limpar, evitou comer
sólidos e mamar líquidos, não bebeu, não fumou e não cheirou, (sexo? continuava
virgem; em jejum, donzelo como sempre) foi inteiro para o estúdio do “Velho
Guerreiro”, pois queria fazer bonito. Quando estava terminando de se
apresentar, o velho atirador de bacalhau para o público ordenou que uma de suas
‘chacretes’ metesse a mão no rabo ( por sina enorme) do cantor, o que foi
seguido à risca: a moça encheu a mão na bunda de Tim, que mandou o microfone no
chão e cuspindo ácido, saiu dizendo que nunca mais voltaria naquele programa
megera, apresentado por um canalha de merda.
Balela pura! Passado
certo tempo, pressionado pela mãe que havia recebido uma ligação da direção
programa para perdoar o velho tarado do Chacrinha, caiu nos trejeitos obscenos
das mulatas; coisa que além de adorar fazer, pagava para elas rebolarem
escandalosamente na sua frente. Uma vez que não conseguia molhar a salsicha,
com catchup ou sem no hot dog da mulherada, pelo menos saciava o apetite dos
olhos.
Tempo que voava. Idas e
vindas. Correria insana e quase vinte anos sem gozar. Assim Tim ia levando e
sendo levado; mas nada de comer as mocinhas virgens, semi-virgens e veteranas
no sexo da cidade maravilhosa. Bastava farejar algo por perto que enviava o
lembrete para o Sistema Nervoso Central que a resposta era imediata, porém
ficava apenas nisto. No entanto, como jogador de futebol encostado pelo técnico
que treina, mas não joga, ele mantinha a forma e a esperança e quando pintasse,
cortejaria a fêmea e posteriormente, faria o papel de macho.
Já passava das tantas da
madrugada e o fulano da capanga com a boca seca, devido as fortes pitadas nos
enroladinhos e os muitos tragos de vinho, pigarreava e precisava limpar a
garganta para melhorar a voz e prosseguir contando ao amigo as peripécias que Tim
deixara como herança e relatada no livro, que beirava as 400 páginas.
Aproveitando a parada, sacaram a fita do Renaissance e pegaram pesado com o
Deep Purple. Tomaram água, pigarrearam à vontade, brindaram mais uma garrafa de
vinho, terminaram de torrar e envelopar mais um charuto para o capeta e quando
estavam com outra disposição, o palestrante “senhor sabe tudo sobre Tim, voltou
à ‘contação’ de história:
Feito cão sem dono, Tim
fazia uma boquinha gratuita na casa dos amigos e músicos. Como alguém que não
quer nada, chegava, educadamente pedia licença, encostava o corpanzil no sofá,
- se tivesse, porque em casa de hippie os tapetes e as almofadas serviam de
colchões e travesseiros - e por ali ficava até ser convidado para se retirar.
Dessa vez foi visitar dois camaradas que também eram músicos e já debutavam com
outros mais renomados. Tião chegou como visita inesperada, porém prevenido com
seu inseparável violão e o saco de mudança. Foi bem recebido, como sempre.
Os dias foram passando e
ele, manso, manso foi ficando. Integrado à casa, sabia os dias de limpeza,
ofício que uma mulatinha jeitosa fazia com maior apreço. Ao vê-la, Tim se
arrepia todo e pensava consigo que custasse o que custasse, aquela fulana
espigada de corpo e seios à lá ponteiros de relógio marcando 9 horas em ponto,
bem seu estilo, cairia no seu papo, na sua lábia de romântico indecente. Rola
papo daqui, risadas dali e num estalo de trovão que anuncia chuva passageira de
verão, mandou na lata: “agente podia dar uma bimbadinha, hein”. Ao que ouviu da
mulatinha: “com você, nem pensar”.
Tim não se sentia
diminuído e acreditava que quando fosse famoso, com uma maçaroca de dinheiro no
bolso, mesmo não sendo vistoso e não tendo pinta de galã, todas as senhoritas
que passaram a perna nele, iriam se oferecer e ele não daria bola, porque teria
outras muito melhores. Se por um lado a vida sexual estava aos frangalhos,
fracasso total; por outro, o voz de trovão abria as fendas do incerto universo
da música fazendo um dueto com Elis Regina que era o máximo e o grande nome
feminino da ocasião. A oportunidade lhe rendeu uns bons levados no bolso e a
esperança de que as coisas poderiam, como mudaram radicalmente. Tim sorria do
sucesso; mas a loucura e as paranoias não davam sossego.
As coisas iam se
encaixando, a locomotiva do sucesso se ajustava aos estreitos trilhos vigentes;
às vezes ou sempre, trovoadas expunham a fragilidade da vela soprada pelo rei
da soul-music brasileira ao perigo, ao que ele tirava de letra, retornando-a à
originalidade. Nos quesitos determinação e perseverança, Tim era um monstro que
rugia a todo instante e não desistia nunca. Por outro lado, acostumado às
encrencas, quando elas não lhe ocorriam naturalmente, o gigante do Rio ia ao
seu encontro.
Apresentação concluída.
Sucesso absoluto e casa cheia, então nada mais justo que comemorar comendo e
mamando algo. Já passava das tantas da noite, quando ele e banda foram se
refugiar num dos points específicos para jornalistas, intelectuais e artistas.
Mas antes de puxar as cadeiras, uma confraternização maior pede uma
confraternização menor, motivo de Tim ordenar para todos que entupiam o ‘chevete’
de cuecas, pois iriam fazer uma limpeza corpórea através da sauna de um grosso ‘baurete’.
Feita a entrada inicial, com os sorrisos representando a cabeça feita, partiram
para os comes e bebes. Cumprimentaram uns acenaram para outros, como manda o
mundo dos famosos e foram entrando. Descontraídos sentaram. O garçom veio
atendê-los; quando Tim viu e notou que lhe faltava um turbilhão de cabelos na
cabeça, aterrissou em cima do aeroporto de mosquito: “não, não, não! Sai pra
lá, cai fora mermão, zarpa já daqui”!
A turma do deixa disso
tentou abafar o caso, ao que o homem ficou ainda mais enfurecido. Se já era
impossível contestá-lo antes, pior agora que marcava o compasso da música do
Brasil com os novos estilos musicais do soul da Broadway e o funk dos blacks
americanos? Para contornar a situação, chamaram o garçom de lado, explicou-lhe
o que se passava e molharam-lhe a mão com uma ‘boladinha’; que saiu feliz e
pensando que seria a única vez na vida que ganharia uma gorda gorjeta para não
fazer nada. Dessa, toda trupe gargalhou.
- ‘Porra mermão’, o cara
era bom mesmo! Mas o ‘brother’ sabe que horas são? O dia já pintou faz tempo, a
reserva de baseado já se mandou, os vinhos disseram adeus, o Tim morreu levando
consigo o Cauby, e agora só falta a trupe do faz tudo igual e a turba dos
comuns de costumes, que não toleram papos inócuos e sem nenhum valor, chegar
para assumir o posto do dia. Feito cão puxado pelo dono, marcam o plantão de
trabalho de oito a dez horas amarrados pela gravata. Zarpemos o mais breve
possível, rápido, agora, já, ‘now’, porque estão vindo por aí furiosos. Corre
que já vêm os homens! Mas, cara, curti o Tim. Puro veneno! Quando vai ser a
próxima sessão. Fiquei numa fissura, danada!
- Assim que escurecer e
os velhos viventes tombarem mortos para àqueles que respiram e sabem viver
neste perdido universo citadino. Morte de uns, vida de outros. Porém, apenas um
detalhe: venha para a sessão vestido com trajes de pai de santo, vestido como
um verdadeiro babalorixá fiel aos seus preceitos e conhecimentos. Imensas naves
de prata com formato de discos voadores descerão do céu e abduzirão parte da
humanidade para lugares longínquos, chamados Luz Divina. É chegado o momento de
conhecermos em in(Tim)idades os nossos anseios e virtudes, mas acima destes, se
quisermos ganhar o aprisco dos justos, conhecermos as nossas deficiências, as
nossas misérias ecoicas, as nossas insanidades. Portanto meu caro amigo e
irmão, venha mais tarde vestindo branco, a cor da paz, a cor da renovação, a
cor dos sóbrios, pois nesses tempos conturbados, nesses tempos bêbados pelos
sábios, renovar é preciso; o que só pode ser obtido lendo o livro “Universo em Desencanto”,
que está fundamento na Cultura Racional do indizível mestre e guru dos
filósofos alternativos: Manuel Jacinto. A paz do mestre maior esteja sempre com
você, meu amigo; que a partir desse exato segundo, irmão de crença. E ambos
disseram: "Amém".
Caminhando abraçados
pelas ruas desertas da cidade que ainda ressonava a noite bem dormida, os dois
amigos-doidões cantarolavam o quentíssimo hit lançado por Tim em homenagem a
doutrina, a qual entrou de corpo sujo, espírito vacante e alma em busca de autodepuração:
“Já senti saudade,
Já fiz muita coisa
errada,
Já dormi na rua, já pedi
ajuda...”
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