sexta-feira, 27 de maio de 2016

IN(TIM)IDADES DE SEBASTIÃO MAIA, O ÚNICO SÍNDICO QUE O BRASIL CONHECEU - PARTE I



Literatura: crônica




“Minha filha ganhou um gatinho e contei a Tim que ela ia dar o seu nome ao bicho. Ele adorou: “Já sei, porque é preto, gordo e cafajeste”!” O gato era cinzento, magrinho e carinhoso, e só nos deu amor e alegria”. – Nelson Motta






 Tim batia os pés, embirrava e apelava para a mãe dar testemunho que foi ele a descobrir a dupla Roberto e Erasmo. Vociferava, batia boca, inclusive, afirmando que os ensinou a cantar e tocar violão.

Se o leitor é aquele personagem mal humorado, que está sempre preocupado com o futuro da família; a cada dez frases, nove é sobre dinheiro; reclamando da desobediência de netos e bisnetos; praguejando os valores monetários recebidos na aposentadoria; espojando o corpo numa cadeira de balanço, perde uma enormidade de preciosos segundos de vida ruminando e comparando o presente e o passado; faz palestras em praça pública sobre o descobrimento de água na lua pelos astronautas enquanto que no Brasil usa-se o líquido sem o menor sentimento de sustentabilidade; importuna-se com a corrupção que assola o país; preocupa-se com o desrespeito de adolescentes que pulam muros e portões, invadem escolas, quebram tudo, montam acampamento, traficam deslavadamente e roubam os equipamentos para montar uma central de games e RPG em casa; por favor, encarecidamente, não leia este artigo.

Se teimar em ler, correrá sério risco de ter um AVC; um ataque cardíaco fulminante; um mal súbito colérico; pois ler os pormenores e as minúcias do doidão, Tim Maia, é um atentado contra os bons costumes, contra as boas crenças, que na realidade nada resolve; porque Brasil é Brasil e como disse Tom Jobim, não dá confiar em coisas inventadas por brasileiro, referindo-se ao avião.

Em contrapartida, se és do tipo lunático que deleita-se em discutir coisas inócuas; (futebol por exemplo) perde-se, arraiga-se ao que não possui o mínimo valor e custa os olhos da cara; (bunda de mulher) não se preocupa com a melhor decisão a ser tomada amanhã; (compra do imóvel pelo famigerado plano “Meu barraco, meu problema; ou em vez de meu problema, minha favela”, como queira chamar) e ainda por cima, quer que tudo saia como o som esculhambado do Tim Maia, parabéns, essa é a leitura para desopilar o fígado, escarnecer a vida, desapoderar-se das responsabilidades, contrair câimbras na barriga de tanto rir e mandar tudo para o outro lado da ciclovia que ruiu na cidade maravilhosa.

O diplomata, o empresário, o executivo é visto inicialmente pelo retilíneo friso do engomado de ‘cim`abaixo nos ternos, pela gravata que denota respeito e conhecimento, pelos sapatos lustrados; e pelo manso e ao mesmo tempo, firme pronunciamento da fala nas mesas de negociações, que se mantém inalterado conforme a ocasião e o assunto em pauta. Quase o mesmo se aplica a um livro, que ao ser comprado apenas pelo prefácio da capa, o leitor fica a mercê da decepção de não ter escolhido àquele que lhe agrada; e por mais que seja chamativo e aguce as sinapses neuronais, iniciada a leitura, logo nas primeiras páginas o escritor será elogiado às palavras soltas, indo tanto ele quanto a sua obra parar no fundo, bem no fundo da lixeira para nunca mais serem lembrados pelo leitor.

Portanto, invariavelmente todo leitor tem os seus autores e temas prediletos, mantendo total e irrestrita fidelidade e destes velhos conhecidos de outrora, não abre mão. Assim, não é todo dia que as editoras conseguem lançar no mercado o livro ideal para esses ou aqueles grupos de leitores, motivo de haver um hiato, uma lacuna entre o leitor e o disponível nas prateleiras das livrarias para ser lido. Nessas épocas de muitos livros de títulos instigantes, mas com pouco néctar linguístico para ser extraído, como reage o maníaco e inveterado leitor? Vasculha bibliotecas, cheira o mofo e o embolorado das prateleiras, bisbilhota as conversas e quem sabe, numa dessas descobre onde a aranha tece a teia à espera da distraída presa.

Foi mais ou menos essa a ideia entre dois amigos intelectuais, tal qual foi a amizade entre o cantor Tim Maia e o escritor Nelson Motta, que um deles conhecera a biografia de Sebastião Rodrigues Maia; pois o outro sem ter o que ler, vagava pela noite com um embornal de pano pendurado no ombro, entupido com dois litros de vinho, sacos de pipoca, rolos se algodão doce, livros de Karl Max, Conde Leon Tolstói, Che Guevara, Hitler, Lampião entre outros. Fitas cassete dos Mutantes, O Terço, Raul Seixas, Tom Jobim e mais alguns opositores ao regime vigente à época. Musicalmente, os artistas ululavam este estilo de arte por várias direções; era bossa nova engrossada com jazz, rock com baião, xote com MPB e mais, espocavam nas gravadoras e garagens, como uísque nas mesas de bacanas nas boates e fogos de artifício em festa de gala.

Lamentando a neurose momentânea devido a escassez de expressivas frases, textos elucidativos e a imperdoável falta de algo pensante para ler, o fulano do embornal dizia que as editoras estavam em falta com a cultura do país e do mundo; ao que o ouvinte rebateu dizendo que embora pouco, havia bons lançamentos de livros no mercado. Porém, o que puxou o assunto, descontente com o que ouvia e via, com os olhos em tempo de soltar as lágrimas aos atropelos, defendia a tese que embora tenha procurado, estava reticente aos lançamentos; e permaneceria resignado à espera que algum escritor que tivesse a lucidez o suficiente e escrevesse sobre os temas que ele gostava de ler.

“Penso, logo leio; pois mentes pensantes exigem boas obras e pensadores ainda melhores”. - rosnava lamentoso o sujeito do embornal.

O segundo, que também não desgrudava de uma capanga, arrulhou em resmungos que tinha a solução, mas que antes de apresentá-la, iriam torrar unzinho para saciar o apetite dos neurônios. Estranhando a linguagem, foi interpelado pelo fulano do embornal, que queria saber onde seu amigo aprendeu a tal expressão: “torrar unzinho”, porque até então, para ele o significado dela era enrolar um puro; tocar fogo no baseado; acender uma vela para o capeta e outros disfarces linguísticos mais. Naquela época fumar maconha era motivo de intelectualismo e subversão.

Enquanto enrolava cuidadosamente a puríssima erva que custava caro e fumar estrume de vaca é para, além de pobre, tolos; o outro com um sonoro e seco estouro de rolha abriu uma garrafa de vinho tinto. Prevenidos, serviram os copos de plástico. A festa prometia. O cicrano incumbido de enrolar o baseado sacou o gravador que trouxera na esfarrapada capanga, meteu a fita do “The dark of side de moon” do Pink Floyd, apertou a tecla play, a qual estava posicionada na música Money e por serem aversivos ao capitalismo e ao dinheiro, passaram para a próxima faixa. O outro, exímio músico de ouvido, empunhou o violão, afinou-o como pode e acompanhou as notas da música vocalizada por Roger Waters com um solo transcendente.

Visto que palavras possuem força motriz, acenderam o ‘bregueço’ e pitaram numa boa; numa nice com diziam. Na escuridão do ambiente, a única coisa que se via era a luzinha do baseado quando tragado e o brilho do vermelho escarlate que reluzia, tanto quanto mais fundo fosse o puxado. Fizeram a cabeça e sossegados de espírito, voltaram ao assunto, o qual definitivamente precisava de um realce. Mesmo estando sob uma escuridão imensurável, tremendas trevas abissais, no ambiente e ao redor de onde estavam tudo era luz e de quando em quando, parecendo vagalume, deixavam transparecer um ponto luminoso, que visto de longe, mais parecia a descida de um Objeto Voador Não Identificado. E dependia exclusivamente da viagem dos tripulantes no reino dos cogumelos. Quanto mais forte, mais flutuante. Pirandelo!

Feliz da vida, o que fez a presença (pessoa que oferece algo) do torradinho, tateou a capanga, puxando de lá um livro e o colocou em cima da barriga do amigo, que levantou assustado e quis saber quem era o autor e do que se tratava; abominava os livros de autoajuda, estilo que rondava a trupe de pensadores alternativos. Ouviu como resposta que contrário ao que ele pensava, aquela obra escrita numa linguagem rasgada e insolente de princípios, versava sobre os ideais de liberdade; sobre as viagens lisérgicas permeadas pelo LSD e a devassidão do estilo de vida do protagonista, cujo título era: “O som e a fúria de Tim Maia” escrito pelo jornalista Nelson Motta.

Considerando a questão e em seguida, rebatendo ao pé-da-letra, o ouvinte retrucou dizendo que não lia livros bregas e biografia de alguém que dizia abertamente fazer música para o povão rebolar e esquentar o sovaco, apenas. Como forma de desfazer a aversão do amigo sobre Tim, o entusiasta das aventuras do ex-marmiteiro propôs ler um parágrafo e depois o fulano que tomasse a decisão que mais lhe agradasse; porém, o advertiu que com a cabeça faiscando anarquia como estavam, fechá-la seria tolice. Ao que o sujeito da capanga mantinha-se irredutível; e bem ou mal, ouviu o sujeito da capanga ler um breve trecho do livro:

“Ô ‘Nelsomotta’, eu ‘tô’ aqui sentado numa cadeira e tomando café numa mesa tão antiga que estou me sentindo um Dom João VI, porque tudo é muito ‘antigaço’ nesse hotel, mas o fogão está funcionando e você está convidado a tomar um breakfast e a torrar unzinho comigo. Now!”

E assim que o convidado chegou, cuspiu a frase de boas vindas: “Tá vendo? Agora só me falta escrever com pena de ganso”.

- Caralho, que entrada triunfal! Enquanto a brisa não termina, manda mais uns capítulos aí mermão, porque tá porreta demais! Vou até botar outra fita.

E meteu “Songs of the Sea, do Renaissance, para fritar no velho e capenga gravador Philips. A tecla play rangeu: sinal de som do bom e velho rock-and-roll chegando.

Pediu mais um trago de vinho, enrolou outro torpedo em forma de charuto, pois pensavam ser dois revolucionários cubanos e viajando pelas ilhas do caribe, o cicrano da capanga continuou contando-lhe as peripécias do doidão Tim:

Tião Maia herdou a honestidade da malandragem dos morros do Rio, o soul dos negros das periferias americanas, as drogas que rolavam solta à época, a cafajestice do cáften sem lar e a fraqueza ao ser chamado à responsabilidade pela mãe. E quando isto acontecia, o bebê gigante de mais de 100 quilos dobrava aos pés da mamãe, pedia chupeta, beijava a mão e pedia mil perdões, logicamente que de boca pra fora, porque passado algum tempo, o céu vinha abaixo. Botava pra foder.

Numa época em que nas brincadeiras de crianças se lembravam das mães e não existiam as palavras ‘bulling’, discriminação racial, processo judicial, interferindo nas relações amistosas, mandava um sonoro “É a puta que te pariu”, quando em vez de Sebastião, era chamado de Tião Marmiteiro. E arrastando os seus sapatos dois números maiores que os pés, cuja ideia era para durar mais, Tim foi convidado para jogar um futebolzinho de rua, o que se achou merecedor e logo estacou, desceu do ombro o pesado fardo de marmitas e preparou-se para fazer parte do esquadrão da bola liderado pelo amigo Erasmo. Nesse ínterim, imaginando que usar as mãos é melhor que usar os pés, abriu as marmitas e um pedaço de frango de uma, um bifinho da outra, mais qualquer coisa de outra e ao dar fé do que estava fazendo, lotou o ‘pandu’ roliço e lânguido de comida roubada, lambeu os dedos e a mão e voltou à estrada; colérico é claro, porque os gritos de gol e Tião Marmiteiro ecoavam na pelada comandada pelo desengonçado ‘tremendão’.

Obstinado e de vidência sobrenatural: esses foram os descobrimentos de Tim no decorrer de sua vida. E aos 17 anos, com uma voz de trovão de dar inveja a qualquer astro de Hollywood, a qual se enquadrava muitíssimo bem nos moldes do blues e demais gêneros musicais afins, via com bons e aguçados olhos que ir para os EUA seria a sua consagração. Sem falar inglês e sem ‘money’? Sim, sem falar inglês fluente, apenas com o ‘embrometion’ que aprendera cantando; mas com cara e coragem iria para as terras do Tio Sam, nem que para realizar a façanha tivesse que roubar canos de cobre das construções dia e noite. A oportunidade batia à sua porta e ganhar muito dinheiro, ser cantor famoso, fumar quantos fininhos quisesse por dia e comer, foder incansavelmente as mocinhas virgens ou não, o que pouco lhe importava, já passava-lhe pela cabeça.

Um padre da igreja que sua família religiosamente frequentava de domingo a domingo, contou-lhe que fariam um tour pelos states e no que dependesse dele, o levaria junto; inclusive de saída arrumaria uns trocados para a compra da passagem, mas que agisse rápido porque o avião estava prestes a decolar com os capuchinhos. Tim ficou tão ouriçado com a possibilidade, que vendeu até o violão que havia ganhado do pai antes desse ser fulminado por um câncer.

Encorajado por Erasmo, que fazia uma carinha, roubando canos de cobre nas construções inacabadas para levantar uns trocados e comprar roupas e sapatos nas lojas Ducal e medalhões em qualquer banca de badulaques, Tim embarcou no movimento do “Trabalho somente por que preciso” e martelou as grossas paredes, esgaravatou os pisos à procura do chumbo que valeria a ida aos EUA. Feito cão vira-lata atrás de cadela no cio, ao final de uma semana de sumiço de casa, consumido pelo trabalho intenso, emagrecimento forçado, vendeu a produção pelo valor que os compradores impunham, que era uma ninharia de dinheiro, trocou em dólares americanos e juntou-os às três notas de dólares que ganhara da família, que ao todo não passava de quinze dólares; quantia que não equivalia ao valor de um Big Mac. E com uns 14 anos apenas, bye-bye Brasil: se mandou para as terras de Tio Sam. Além de pesado, Tião Marmiteiro era um cara da pesada e ia para cima do que queria mesmo.

Aventuras, cobras, embaraços, moscas varejeiras e música ao som de muitas drogas é o que não faltaram nos ‘states’; e se no Brasil, falando a língua pátria, comendo gulosamente e mamando muitas latas de leite condensado pagas pela família, mimado pelos padres e tentando carreira na música que já havia revelado Roberto e Erasmo, não estava a contento e suficiente, em terras desconhecidas certamente não seria melhor, jamais. Mas para Tim, valia o que viesse; só não valia dançar homem com homem e nem mulher com mulher, o resto estava valendo; e se ainda assim piorasse, apelaria para o síndico, desde que o síndico fosse ele, óbvio.

Embrenhado nos monturos dos EUA, conheceu uma gangue da pesada, embarcou com ela num automóvel roubado e roubando aqui e vendendo ali, cruzaram vários estados. Nesta viagem que incluía drogas, garrafas e mais garrafas de bebidas e muitas prisões por motivos óbvios. Até que o mais grave aconteceu e julgado pelas fraudes que cometera, pegou uma cana brava. O bebezão de mamãe esperneava, gritava, chorava, mas sem acordo; a justiça americana não aliviou a pena e o pior: quando enfurecia, sem choro e sem vela, mandava o ordinário para a cadeira elétrica. Tim borrava as calças só de pensar. Porém protegido pelos deuses das trapalhadas, certa tarde ele ouviu seu sobrenome aos berros. Apresentou-se ao carcereiro e foi levado à sala em que o delegado despachava e por seus méritos e feitos em terras americanas, recebera o ultimado de sair do país imediatamente. Seria deportado sem direito a retorno e o que era sufoco, passou a ser alívio.

Tim prosseguia na sua missão de viver perigosamente e juntamente com o AI-1 (Ato Institucional) aportou-se no Brasil. Fumar, cheirar, beber e foder estavam liberados, menos falar abertamente do sistema regimental imposto; e se caso ouvido, o falador dançava nas garras dos militares. O Brasil é ‘bão’ Sebastião, mas bico fechado. Sim senhor: lacrado!

Chegando ao Galeão, imediatamente ligou para a família e às gargalhadas, dizia que a boa andorinha, mais cedo ou mais tarde, ao ninho volta. Emendou dizendo que trouxera presentes para todos e que viessem rápido, porque a saudade era maior do que a montoeira de bagagens que trouxera. A família veio em peso vê-lo e logicamente, levar os presentes; ao que Tim desculpou-se, justificando que segundo as informações do pessoal da empresa aérea, as malas haviam sido extraviadas, mas que sem falta, ele as teria de volta; assim como o ressarcimento em dólares pelo erro cometido. Tanto o labioso Tim, quanto a ingênua família esperaram pelas malas e os presentes até sua morte; e para quem não faz parte da trama e só sabe dos rumores, devem ter sido sepultados juntamente com ele.

Ambientado ao país que mais tarde se proclamara síndico, Tim corria desesperadamente atrás de Roberto e Erasmo, que estouravam nas rádios e era sucesso de vendas. O motivo da correria? Antes do auge, Tim dera uma força para o Roberto pondo-o nos vocais do conjunto Sputniks em que tocava e às escondidas o rei armou com o empresário e começou a cantar sozinho um repertório de Elvis. Furioso, fulo de raiva, cuspindo peçonha, o ex-marmiteiro foi ter com o rei Roberto. Não prestou: “Seu filho-da-puta! Eu boto você no conjunto e você vai cantar sozinho, seu porra!” Esquecida essa passagem embriagada pela desavença e bate-boca, como Tim precisava como nunca de um empurrão de Roberto, fez de conta que nada acontecera entre eles e foi bater na porta de sua casa em São Paulo.

Abelardo Barbosa, o Chacrinha para os ín(Tim)os, contrário dos apresentadores de hoje que é uma ‘babação’ de ovo, tremenda puxa-saquice, explícita troca de gentilezas insípidas, o “Velho Palhaço” era anarquista, gozador e esculhambava com os galãs metidos a cantores que apareciam do além e para alegrar o auditório, buzinava sem receio e metia a mão na ‘buzanfa’ (também conhecida como padaria) de quem não fosse da arte de cantar. Como havia um quadro para cantores consagrados, convidou Tim para dar uma canja em seu programa, o que foi aceito de bom grado. Naquela tarde o rei do soul foi ao banheiro e limpou o que tinha para limpar, evitou comer sólidos e mamar líquidos, não bebeu, não fumou e não cheirou, (sexo? continuava virgem; em jejum, donzelo como sempre) foi inteiro para o estúdio do “Velho Guerreiro”, pois queria fazer bonito. Quando estava terminando de se apresentar, o velho atirador de bacalhau para o público ordenou que uma de suas ‘chacretes’ metesse a mão no rabo ( por sina enorme) do cantor, o que foi seguido à risca: a moça encheu a mão na bunda de Tim, que mandou o microfone no chão e cuspindo ácido, saiu dizendo que nunca mais voltaria naquele programa megera, apresentado por um canalha de merda.

Balela pura! Passado certo tempo, pressionado pela mãe que havia recebido uma ligação da direção programa para perdoar o velho tarado do Chacrinha, caiu nos trejeitos obscenos das mulatas; coisa que além de adorar fazer, pagava para elas rebolarem escandalosamente na sua frente. Uma vez que não conseguia molhar a salsicha, com catchup ou sem no hot dog da mulherada, pelo menos saciava o apetite dos olhos.

Tempo que voava. Idas e vindas. Correria insana e quase vinte anos sem gozar. Assim Tim ia levando e sendo levado; mas nada de comer as mocinhas virgens, semi-virgens e veteranas no sexo da cidade maravilhosa. Bastava farejar algo por perto que enviava o lembrete para o Sistema Nervoso Central que a resposta era imediata, porém ficava apenas nisto. No entanto, como jogador de futebol encostado pelo técnico que treina, mas não joga, ele mantinha a forma e a esperança e quando pintasse, cortejaria a fêmea e posteriormente, faria o papel de macho.

Já passava das tantas da madrugada e o fulano da capanga com a boca seca, devido as fortes pitadas nos enroladinhos e os muitos tragos de vinho, pigarreava e precisava limpar a garganta para melhorar a voz e prosseguir contando ao amigo as peripécias que Tim deixara como herança e relatada no livro, que beirava as 400 páginas. Aproveitando a parada, sacaram a fita do Renaissance e pegaram pesado com o Deep Purple. Tomaram água, pigarrearam à vontade, brindaram mais uma garrafa de vinho, terminaram de torrar e envelopar mais um charuto para o capeta e quando estavam com outra disposição, o palestrante “senhor sabe tudo sobre Tim, voltou à ‘contação’ de história:

Feito cão sem dono, Tim fazia uma boquinha gratuita na casa dos amigos e músicos. Como alguém que não quer nada, chegava, educadamente pedia licença, encostava o corpanzil no sofá, - se tivesse, porque em casa de hippie os tapetes e as almofadas serviam de colchões e travesseiros - e por ali ficava até ser convidado para se retirar. Dessa vez foi visitar dois camaradas que também eram músicos e já debutavam com outros mais renomados. Tião chegou como visita inesperada, porém prevenido com seu inseparável violão e o saco de mudança. Foi bem recebido, como sempre.

Os dias foram passando e ele, manso, manso foi ficando. Integrado à casa, sabia os dias de limpeza, ofício que uma mulatinha jeitosa fazia com maior apreço. Ao vê-la, Tim se arrepia todo e pensava consigo que custasse o que custasse, aquela fulana espigada de corpo e seios à lá ponteiros de relógio marcando 9 horas em ponto, bem seu estilo, cairia no seu papo, na sua lábia de romântico indecente. Rola papo daqui, risadas dali e num estalo de trovão que anuncia chuva passageira de verão, mandou na lata: “agente podia dar uma bimbadinha, hein”. Ao que ouviu da mulatinha: “com você, nem pensar”.

Tim não se sentia diminuído e acreditava que quando fosse famoso, com uma maçaroca de dinheiro no bolso, mesmo não sendo vistoso e não tendo pinta de galã, todas as senhoritas que passaram a perna nele, iriam se oferecer e ele não daria bola, porque teria outras muito melhores. Se por um lado a vida sexual estava aos frangalhos, fracasso total; por outro, o voz de trovão abria as fendas do incerto universo da música fazendo um dueto com Elis Regina que era o máximo e o grande nome feminino da ocasião. A oportunidade lhe rendeu uns bons levados no bolso e a esperança de que as coisas poderiam, como mudaram radicalmente. Tim sorria do sucesso; mas a loucura e as paranoias não davam sossego.

As coisas iam se encaixando, a locomotiva do sucesso se ajustava aos estreitos trilhos vigentes; às vezes ou sempre, trovoadas expunham a fragilidade da vela soprada pelo rei da soul-music brasileira ao perigo, ao que ele tirava de letra, retornando-a à originalidade. Nos quesitos determinação e perseverança, Tim era um monstro que rugia a todo instante e não desistia nunca. Por outro lado, acostumado às encrencas, quando elas não lhe ocorriam naturalmente, o gigante do Rio ia ao seu encontro.

Apresentação concluída. Sucesso absoluto e casa cheia, então nada mais justo que comemorar comendo e mamando algo. Já passava das tantas da noite, quando ele e banda foram se refugiar num dos points específicos para jornalistas, intelectuais e artistas. Mas antes de puxar as cadeiras, uma confraternização maior pede uma confraternização menor, motivo de Tim ordenar para todos que entupiam o ‘chevete’ de cuecas, pois iriam fazer uma limpeza corpórea através da sauna de um grosso ‘baurete’. Feita a entrada inicial, com os sorrisos representando a cabeça feita, partiram para os comes e bebes. Cumprimentaram uns acenaram para outros, como manda o mundo dos famosos e foram entrando. Descontraídos sentaram. O garçom veio atendê-los; quando Tim viu e notou que lhe faltava um turbilhão de cabelos na cabeça, aterrissou em cima do aeroporto de mosquito: “não, não, não! Sai pra lá, cai fora mermão, zarpa já daqui”!

A turma do deixa disso tentou abafar o caso, ao que o homem ficou ainda mais enfurecido. Se já era impossível contestá-lo antes, pior agora que marcava o compasso da música do Brasil com os novos estilos musicais do soul da Broadway e o funk dos blacks americanos? Para contornar a situação, chamaram o garçom de lado, explicou-lhe o que se passava e molharam-lhe a mão com uma ‘boladinha’; que saiu feliz e pensando que seria a única vez na vida que ganharia uma gorda gorjeta para não fazer nada. Dessa, toda trupe gargalhou.

- ‘Porra mermão’, o cara era bom mesmo! Mas o ‘brother’ sabe que horas são? O dia já pintou faz tempo, a reserva de baseado já se mandou, os vinhos disseram adeus, o Tim morreu levando consigo o Cauby, e agora só falta a trupe do faz tudo igual e a turba dos comuns de costumes, que não toleram papos inócuos e sem nenhum valor, chegar para assumir o posto do dia. Feito cão puxado pelo dono, marcam o plantão de trabalho de oito a dez horas amarrados pela gravata. Zarpemos o mais breve possível, rápido, agora, já, ‘now’, porque estão vindo por aí furiosos. Corre que já vêm os homens! Mas, cara, curti o Tim. Puro veneno! Quando vai ser a próxima sessão. Fiquei numa fissura, danada!

- Assim que escurecer e os velhos viventes tombarem mortos para àqueles que respiram e sabem viver neste perdido universo citadino. Morte de uns, vida de outros. Porém, apenas um detalhe: venha para a sessão vestido com trajes de pai de santo, vestido como um verdadeiro babalorixá fiel aos seus preceitos e conhecimentos. Imensas naves de prata com formato de discos voadores descerão do céu e abduzirão parte da humanidade para lugares longínquos, chamados Luz Divina. É chegado o momento de conhecermos em in(Tim)idades os nossos anseios e virtudes, mas acima destes, se quisermos ganhar o aprisco dos justos, conhecermos as nossas deficiências, as nossas misérias ecoicas, as nossas insanidades. Portanto meu caro amigo e irmão, venha mais tarde vestindo branco, a cor da paz, a cor da renovação, a cor dos sóbrios, pois nesses tempos conturbados, nesses tempos bêbados pelos sábios, renovar é preciso; o que só pode ser obtido lendo o livro “Universo em Desencanto”, que está fundamento na Cultura Racional do indizível mestre e guru dos filósofos alternativos: Manuel Jacinto. A paz do mestre maior esteja sempre com você, meu amigo; que a partir desse exato segundo, irmão de crença. E ambos disseram: "Amém".

Caminhando abraçados pelas ruas desertas da cidade que ainda ressonava a noite bem dormida, os dois amigos-doidões cantarolavam o quentíssimo hit lançado por Tim em homenagem a doutrina, a qual entrou de corpo sujo, espírito vacante e alma em busca de autodepuração:

Já senti saudade,

Já fiz muita coisa errada,

Já dormi na rua, já pedi ajuda...”

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