Mundo: Ciência
"Pare!", diz ele, apontando para
algo se mexendo na areia à frente. "É uma serpente do mar!"
Enquanto observo a cobra de barriga amarela,
longe de seu ambiente e, aparentemente, nada satisfeita com isso, lembro-me de
como aprendi na infância que serpentes do mar eram os mais perigosos ofídios.
É verdade, muitas espécies delas
são incrivelmente venenosas. E de outras cobras também: uma simples picada da
taipan, por exemplo, tem veneno suficiente para matar 250 mil ratos, por
exemplo. E não são apenas cobras que detêm tamanha letalidade nas presas. O
caramujo Conus geographus tem
um veneno tão forte que uma gota poderia matar 20 humanos. Alguns tipos de
águas-vivas podem causar ataques cardíacos e morte em uma questão de minutos.
Ataque ou
defesa
Mas isso leva à pergunta: por que possuir uma
arma tão poderosa se você vai usá-la apenas em situações extremas e sem a menor
intenção de caçar algo do tamanho de um humano? Os mais poderosos venenos não
parecem fazer sentido em termos evolucionários.
A razão pela qual animais têm veneno é
simples: primariamente, é uma arma para subjugar presas sem arriscar-se demais.
Ou um mecanismo de defesa para os dias em que caçador vira caça. O que parece
estranho é o excesso de veneno encontrado em alguns animais. Por que uma cobra
precisar ter o poder de matar milhares de ratos a cada mordida?
Venenos tendem a conter combinações de
toxinas baseadas em proteínas, que agem de forma conjunta para atacar os órgãos
internos da vítima. Uma cobra, por exemplo, pode ter em seu veneno um
componente que impede a coagulação do sangue e outra que rompe vasos
sanguíneos. As consequências são previsivelmente desastrosas.
A síntese proteica requer um gasto de energia
substancial, mas isso não impediu a evolução de venenos contendo milhares de
peptídeos e proteínas, algo bastante custoso para os animais em questão.
Estudos com víboras mostraram aumento de atividade metabólica da ordem de 11%
após a extração de veneno, o que indica uma ligação entre exaustão física e a
produção de veneno.
De acordo com a visão mais clássica da
seleção natural, esse alto custo só ocorreria se estritamente necessário.
Algumas espécies de serpentes do mar, por exemplo, perderam a habilidade de
produzir veneno depois de simplificar seus hábitos alimentares.
Há uma corrente de biólogos que
credita essa toxicidade ampliada a uma compensação da evolução por conta de
problemas em outras áreas. Qualquer pessoa que frequentar desertos vai explicar
que, em se tratando de escorpiões, os pequenos é quem mais devem preocupar. É o
caso do Leiurus quinquestriatus, conhecido como
"perseguidor da morte" e volta e meia "eleito" o mais
perigoso escorpião do mundo.
Águas-vivas são outro exemplo: são frágeis e
vulneráveis. O movimento de um peixe pode causar lesões sérias em seu
organismos. "Por isso, precisam de um veneno 100% eficiente para matar a
presa bem rápido" diz Yehu Moran, pesquisador da Universidade Hebraica de
Jerusalém e coautor de um estudo sobre seleção natural e venenos.
Se um predador é pequeno ou fraco, é
fundamental que seu veneno seja capaz de incapacitar quase instantaneamente
para evitar a fuga ou a luta da presa. Nesses casos, é simples ver por que a
alta toxicidade aconteceu.
Veneno
relativo
Trata-se também de economia, porém. A cobra
taipan vive em regiões áridas da Austrália, onde cada refeição pode ser a
última durante muito tempo. Sendo assim, um ataque rápido é crucial. Mesmo
assim, por que seu veneno precisa ser tão potente? Mas cientistas avisam que o
tal poder de matar 250 mil ratos é relativo. "Taipans não comem atos de
laboratório", explica Wolfgang Wuster, especialista em cobras da
Universidade de Bangor, no Reino Unido.
"Analisar a letalidade de venenos em
termos de efeitos em ratos é irrelevante para o que a cobra faze em seu
habitat".
A medida do poder dos venenos é apenas uma
forma de medir a toxicidade, especialmente para descobrir como contrabalancear
os efeitos em humanos. A chave aqui é entender que, na vida selvagem,
predadores e presas vivem uma corrida armamentista evolucionária. As presas
evoluem para ficar mais resistentes ao veneno, mas predadores ficam mais
tóxicos. Na verdade, ficar impressionado com quantos ratos uma cobra pode matar
com seu veneno é o mesmo que se espantar com o fato de um leopardo correr mais
que uma tartaruga.
O leopardo não evoluiu para caçar tartarugas
e nem a tartaruga para fugir de leopardos.
"Se você quer saber o quão tóxico um
animal é, a primeira coisa a perguntar é o que ele quer matar", completa
Wuster.
Nem todos os mamíferos são vulneráveis a
venenos. Mangustos e porcos-espinhos, por exemplo, são capazes de sobreviver a
picadas de cobras que matariam humanos.
"Há uma espécie israelense de rato que
pesa apenas 20g, mas que seria capaz de resistir uma picada de cobra que
deixaria humanos em uma UTI".
Paradoxo
O paradoxo aqui é que, enquanto animais
parecem evoluir para ficar mais resistentes ao veneno do predador, é justamente
por isso que acabam sendo mais suscetíveis a eles. Há um tipo de víbora cujo
veneno tem efeito especial no escorpião que é o item primário de sua dieta. A
cobra-coral também tem o mesmo tipo de sintonia. Nesses casos, a cobra não é o
único inimigo comum e há menos pressão para desenvolver defesas.
Felizmente, nenhuma espécie venenosa até
agora parece evoluído especificamente para machucar humanos, apesar dos muitos
casos de mortes humanas por envenenamento por outros animais. "Primatas
não parecem ter a habilidade de desenvolver imunidade contra venenos. Então, a
possibilidade é grande de que algo que desenvolveu veneno potente tenha poder
suficiente para matar um humano.
Por isso, é importante estudar como venenos
afetam a fisiologia humana. Estudos desenvolveram antídotos e outras drogas
importantes para outros tratamentos - captopril, um remédio para a pressão
sanguínea, é baseado em toxinas produzidas por víboras.
Mas não se pode descartar a má sorte. A
aranha-funil da Austrália, por exemplo, não causa efeito algum em roedores, mas
é extremamente perigosa para humanos. Nenhum dos dois animais faz parte de sua
dieta. Um azar químico?
Nenhum comentário:
Postar um comentário