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quinta-feira, 13 de março de 2014

HISTÓRIAS DE SEBASTIÃO NERY


V

O brioche e o pescoço
Paris – Daqui de cima, Maria Antonieta disse que se o povo não tinha pão comesse brioche. Também não havia brioche para comer. Comeram o reino dela, o pescoço dela, do marido dela, da família dela. Só
restou o rei sobre o seu cavalo, na frente do palácio. E a névoa desmanchando a tarde e compondo a noite, como o tempo que desmanchou a eternidade deles.
Há muitos anos já lá se vão mais de 50, sempre que volto a Paris venho a Versailles. Foi aqui que tudo começou. Foi aqui que a revolução francesa fez com o sangue o parto da democracia. O mundo deve muito ao pescoço dela.
Do alto dessas janelas do palácio de Versailles que veem o infinito sobre os jardins desenhados e lagos mansos, bosques em pé e campos deitados, Luís XVI e Maria Antonieta jamais imaginaram que um dia isso ia se acabar como se acabou: levando seus divinos pescoços.
Em frente ao palácio, dois prédios solenes: um era a estrebaria do rei, o outro, a estrebaria da rainha. Lá ficavam seus cavalos e éguas. O povo, longe.

Universidade
Era aqui o “chateau” onde o rei e a rainha passavam os fins de semana, as férias, e, quando começou a revolução, se escondiam da fúria do povo. No outono passado. No outono passado, não havia este sol de luminosa primavera. A tarde estava coberta por uma bruma fria que descia sobre as árvores secas. De quando em quando, uma folha caia devagar, como uma nobre lágrima dourada.
As alamedas enevoadas cheias de faróis acesos e turistas empacotados. Só faltavam mesmo, aqui, nos salões, quartos, pátios e corredores imensos, eles, os reis e seus nobres de roupas complicadas e cabelos encaracolados.

Isto aqui é uma universidade do poder. Ninguém, por mais poderoso, é divino e eterno. Quem derrubou o rei também pensou que era.  

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