V
O brioche e o pescoço
Paris – Daqui
de cima, Maria Antonieta disse que se o povo não tinha pão comesse brioche.
Também não havia brioche para comer. Comeram o reino dela, o pescoço dela, do
marido dela, da família dela. Só
restou o rei sobre o seu cavalo, na frente do
palácio. E a névoa desmanchando a tarde e compondo a noite, como o tempo que
desmanchou a eternidade deles.
Há muitos
anos já lá se vão mais de 50, sempre que volto a Paris venho a Versailles. Foi
aqui que tudo começou. Foi aqui que a revolução francesa fez com o sangue o
parto da democracia. O mundo deve muito ao pescoço dela.
Do alto
dessas janelas do palácio de Versailles que veem o infinito sobre os jardins
desenhados e lagos mansos, bosques em pé e campos deitados, Luís XVI e Maria
Antonieta jamais imaginaram que um dia isso ia se acabar como se acabou:
levando seus divinos pescoços.
Em frente ao
palácio, dois prédios solenes: um era a estrebaria do rei, o outro, a
estrebaria da rainha. Lá ficavam seus cavalos e éguas. O povo, longe.
Universidade
Era aqui o
“chateau” onde o rei e a rainha passavam os fins de semana, as férias, e,
quando começou a revolução, se escondiam da fúria do povo. No outono passado.
No outono passado, não havia este sol de luminosa primavera. A tarde estava
coberta por uma bruma fria que descia sobre as árvores secas. De quando em
quando, uma folha caia devagar, como uma nobre lágrima dourada.
As alamedas
enevoadas cheias de faróis acesos e turistas empacotados. Só faltavam mesmo,
aqui, nos salões, quartos, pátios e corredores imensos, eles, os reis e seus
nobres de roupas complicadas e cabelos encaracolados.
Isto aqui é
uma universidade do poder. Ninguém, por mais poderoso, é divino e eterno. Quem
derrubou o rei também pensou que era.
Nenhum comentário:
Postar um comentário