Brasil: impeachment
(Senso
ético da presidente: tem dois pesos e duas medidas)
Josias de Souza
Um dos mais competentes comentaristas
políticos do Brasil
Dona
de uma ética de dois gumes, Dilma Rousseff dividiu sua alma ao meio - uma banda
mais intransigente com a corrupção e a outra menos. A dicotomia, que era
escamoteada, tornou-se escancarada. Cheia
de rompantes quando se refere ao réu Eduardo Cunha, a presidente é uma seda no
relacionamento com o poli investigado Renan Calheiros. Depois que o
presidente da Câmara lhe atravessou o impeachment no caminho, Dilma imagina que
o presidente do Senado pode ajudá-la a livrar-se da encrenca.
Nesta
segunda-feira, Cunha entregou a Renan o calhamaço do impeachment, aprovado na
véspera na Câmara. Pediu pressa. E Renan: nem tão rápido que pareça atropelo,
nem tão devagar que pareça procrastinação. Na sequência, o senador foi se
encontrar com Dilma. Trocaram figurinhas longe dos refletores. O grão-vizir do
Senado havia se comprometido a agir com isenção. Líderes partidários
espantaram-se ao saber que sua primeira iniciativa foi uma conversa com a
acusada.
Horas
antes, na República de Curitiba, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró
prestou seu primeiro depoimento como delator ao juiz Sérgio Moro. A alturas
tantas mencionou o repasse de uma propina de US$ 6 milhões para Renan. Foi
silenciado pelo juiz da Lava Jato, já que Renan, como senador, não pode ser
investigado e julgado senão no STF. Correm na Suprema Corte nove inquéritos
contra o presidente do Senado. Todos relacionados à Lava Jato.
Corta
para Brasília. “Não há contra mim nenhuma acusação de desvio de dinheiro
público”, disse Dilma ao atacar Cunha numa conversa com repórteres. “Não há
contra mim acusação de enriquecimento ilícito. […] Por isso eu me sinto
injustiçada, porque aqueles que praticaram atos ilícitos, que têm contas no
exterior, presidem a sessão que trata de uma questão tão grave como é a questão
do impedimento do presidente da República.” Nenhuma palavra sobre o companheiro
Renan.
Dilma
exerce em plenitude o privilégio de escolher seu próprio caminho para o
inferno. Enquanto foi possível, negociou com Cunha uma estratégia para livrá-lo
do pedido de cassação do mandato. Em troca, o impedimento da presidente da
República ficaria na gaveta. O PT melou o entendimento ao se negar a entregar
seus votos a Cunha no Conselho de Ética. O impeachment ganhou asas. E o petismo
descobriu que Eduardo Cunha é um tremendo Eduardo Cunha.
De
tanto lidar com o cinismo, o brasileiro vai adquirindo uma certa prática. Já
percebeu que há método na demência do governo petista. Durante 13 anos, o PT
engordou a si e aos seus aliados com mensalões e ‘petrolões’. Interrompido o
fluxo do dinheiro, os parceiros viraram os escorpiões que picaram Dilma na
Câmara e se preparam para fazer o mesmo no Senado.
Quem
conhece bem Renan sabe como isso vai acabar. O suposto aliado não é mais
imprevisível. É um personagem tristemente previsível. Vá lá que Dilma, no
desespero, não consiga enxergar que fará no Senado o mesmo papel de boba que
desempenhou na Câmara. Mas não precisa ofender a inteligência alheia fingindo
que negocia com Renan como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.
Não é
à toa que os petistas têm tanta dificuldade para explicar por que Eduardo,
sendo o Cunha que todos conhecem, obteve dos governos petistas a senha que
abriu o cofre?
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