Mundo: curiosidade
Tessa
Wong e Saira Asher
Da BBC News
O jornalista malaio Philip Golingai tuitou esta imagem que teria sido feita por um estudante na escola fechada
Uma escola no norte da
Malásia foi temporariamente fechada depois do que a imprensa local chamou de um
caso de "histeria coletiva".
O
problema começou na semana passada, quando vários estudantes e professores de
uma escola na cidade de Kota Bharu alegaram ter visto espíritos ou ter
vivenciado experiências sobrenaturais.
A
escola, chamada SKM Pengkalan Chepa 2, fica no Estado de Kelantan, uma região
muito tradicional e de religiosidade marcante.
Autoridades
do setor educacional decidiram fechar a escola e chamar especialistas em
tradição islâmica, acadêmicos e até feiticeiros para fazer sessões de orações e
"exorcismos".
No
domingo, a escola foi reaberta e as autoridades disseram que a situação voltou
ao normal. No entanto, nem todas as perguntas relativas ao episódio foram
respondidas e o caso ainda desperta muito interesse no país.
'Silhueta escura'
Na
semana passada, um pequeno grupo de estudantes começou a alegar que tinha visto
uma "silhueta escura" nos corredores da escola. Depois disso, mais
estudantes e até professores disseram ter visto a mesma figura ou sentido uma
presença sobrenatural na escola.
Uma
professora disse ao canal local Astro Awani que sentiu uma presença
"pesada" se agarrando a ela. Outra afirmou que uma "silhueta
escura" estava tentando entrar no corpo dela.
Um estudante disse ao jornal local Sinar Harian que sentiu dormência nas mãos
enquanto sua mente estava "dispersa".
Uma
funcionária da escola confirmou à BBC que cerca de cem pessoas, a maioria
estudantes, foram afetadas.
"Nossos
estudantes foram possuídos e perturbados (por estes espíritos). Não sabemos
exatamente por que aconteceu. Não sabemos o que nos afetou", disse a
funcionária, sem se identificar.
"Mas
o lugar é meio velho e crianças às vezes são desobedientes, às vezes elas jogam
o lixo dentro da escola. Talvez elas tenham acertado alguns 'djinns'
(fantasmas) e ofendido os espíritos".
A
escola fechou na quinta-feira e convidou religiosos islâmicos a recitar o Corão
e fazer orações dentro de suas instalações. Autoridades locais também estão
enviando consultores para a escola nesta semana.
'Bomohs',
ou feiticeiros, foram chamados para tentar ajudar em outros casos de histeria
coletiva ocorridos na Malásia
Já
o Departamento Estadual de Educação de Kelantan não respondeu aos pedidos de
entrevista da BBC.
O que é histeria coletiva?
Com
base nas informações da imprensa, Robert Bartholomew, sociólogo que pesquisou
histeria coletiva na Malásia, disse à BBC que este é um caso típico: histeria
coletiva (ou ilusão coletiva) é definida por crenças falsas ou exageradas se
espalhando rapidamente dentro de uma população.
Tais
episódios geralmente ocorrem dentro de pequenos grupos de pessoas, todas muito
próximas, em ambientes fechados.
Vários
casos famosos de histeria coletiva já foram registrados no mundo todo,
inclusive um suposto "surto de dança" séculos atrás, quando pessoas
começavam a dançar incontrolavelmente durante horas.
Em
2012, a cidade de LeRoy, em Nova York, EUA, foi parar no noticiário depois que
estudantes começaram a apresentar estranhos tiques ou momentos de fala
ininterrupta, sem nenhuma causa aparente.
Depois,
o Departamento Estadual de Saúde de Nova York descobriu que os estudantes
afetados, em sua maioria meninas, estavam sofrendo de uma espécie de
"distúrbio de conversação", uma forma de histeria coletiva.
No
sudeste da Ásia, durante a década de 1970, foram registrados vários casos de
histeria coletiva em fábricas de Cingapura e na Malásia.
Bartholomew
afirmou que o fenômeno é comum em áreas rurais malaias.
Em
1987, houve um caso envolvendo 36 meninas muçulmanas em um abrigo do país. O
sociólogo afirmou que esse caso durou cinco anos.
"Os
incidentes envolviam gritar, correr e (episódios) de confusão mental, choro,
movimentos estranhos, transes e possessão por espíritos. As meninas, com idades
entre 13 e 17 anos, reclamavam que havia muita religião e estudos e pouca
recreação", afirmou.
Uma vacina e um vazamento químico foram os suspeitos de um
incidente de histeria coletiva em LeRoy, Nova York
"Malaios
são suscetíveis por causa de suas crenças em uma variedade de espíritos",
acrescentou Bartholomew, afirmando ainda que geralmente esses incidentes
ocorrem mais em colégios internos femininos, que são os mais severos.
Causas?
Medos
ou crenças já existentes com frequência influenciam o que as pessoas apontam
como causas para a histeria coletiva. No episódio de quatro anos atrás em
LeRoy, Nova York, as suspeitas recaíram sobre uma vacina contra o HPV e um
vazamento em uma indústria química da região.
Em
Kota Bahru, autoridades estão responsabilizando eventos sobrenaturais.
Mas,
em alguns casos, trata-se de uma única pessoa desencadeando um episódio
coletivo, que então é exacerbado ou prolongado por fatores diversos.
No
caso de LeRoy, alguns médicos argumentaram que a histeria coletiva teria
começado com um estudante diagnosticado com síndrome de Tourette, distúrbio que
se manifesta em tiques múltiplos.
Bartholomew
disse, por sua vez, que sua pesquisa aponta para causas mais profundas nos
incidentes com meninas de colégios internos na Malásia.
"Elas
não gostam de frequentar essas escolas, superlotadas e sem privacidade. A
frustração e raiva se acumulam durante semanas ou meses. Em um certo momento
uma estudante fica 'possuída' e isso se torna um catalisador para o
drama", afirmou.
Para
as autoridades, a solução foi buscar feiticeiros.
"O
uso de muitos curandeiros nativos pode ser uma faca de dois gumes,
especialmente se eles fracassam. Pois eles legitimam o aspecto sobrenatural do
incidente. Como resultado, o incidente provavelmente vai se prolongar",
opina Bartholomew.
A repercussão
desses casos em redes sociais também ajuda a exacerbá-los.
O
acadêmico Wan Zumusni Wan Mustapha, que morou e lecionou em Kelantan por 13
anos, crê que o incidente foi exagerado.
"(A
aparição da figura misteriosa) pode ter sido causada pelo calor, estresse ou
névoa", afirmou.
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