Luiz Calos Facó*
Hoje, cinco de novembro, é o aniversário de Rui Barbosa. Do seu nascimento até a presente data decorreram 163 anos. Há aqueles que o consideram morto. Eu não. Acho que o homem só morre quando as suas lembranças e as suas obras caem no esquecimento, desaparecem da memória do povo. Com Rui, tal não aconteceu. Sua obra está aí de corpo presente. Suas ideias permanecem nítidas, esclarecedoras, nos tempos atuais. Tão vigorosas e conclusivas que não há quem tente contestá-las. Oportunas, servem de alicerce e de escopo a muitos pensadores e escritores, que jamais deixam de citá-las. Pois, são as cumeeiras da República e da Democracia. Assim, considero-o vivo. Vivíssimo, tão vivo que é referência para os recrimidores daqueles que derrapam na obediência aos valores éticos, dos que se locupletam do dinheiro público. Dos que se deixam subornar por cargos na esfera pública, dos que confundem partido com governo, dos que são indiferentes às normas jurídicas, aos princípios do direito, da moral e dos bons costumes.
Em sendo assim, como bom baiano e cultor daquela inteligência privilegiada, abro espaço para comemorar a data e contar um episódio de uma triunfal vitória de Rui.
A luta, o entrevero é instintivo e também universal, no expressivo e sintético pensamento de La Dantec: luta o vegetal no seu “habitat” para haver da terra o necessário à nutrição; embate o organismo contra as bactérias que o tentam aniquilar; digladiam-se os animais contra os animais numa eterna disputa que tem a duração da própria vida; pelejam os homens contra os semelhantes não só pelo pão, pelo sal (salário) mas por quaisquer problemas do corpo e do espírito.
Caim contra Abel, episódio bíblico, é o sinete que não desaparece, não morre, é o símbolo que se perpetua.
Mas contra a agressividade sempre há o antídoto. É quando aparece à solidariedade, o espírito humanitário. Onde se ergue um forte de injustiça sempre apareceu um cavaleiro andante exigindo justiça; onde vinga a maldade, o desassossego que nos remete ao barbarismo surge à bondade ou o bom-senso que civiliza; onde se murou o feudo do despotismo as catapultas do direito o derrubou, quando não, as mãos dos homens empunhadas de armas, se encarregaram de fazê-lo.
A conferência de Haia é um marco, expressivo marco, do humanismo para os povos do mundo. Rui Barbosa e o Barão Marschall são dois antagonismos, são duas fronteiras que se chocam, placas tectônicas que avançam uma contra a outra, sem medir os efeitos inclementes da colisão premente.
Rui era uma figura física minúscula. Baixinho, cabeça grande. Para semelhar-se a autentico nordestino só faltava a barriga d’água. Diria eu: era uma ameba. Contudo, o que lhe faltava de musculatura no corpo esquálido, sobrava-lhe de massa cinzenta, no cérebro descomunal. Ademais, era corajoso, culto, preparado. Foi esse projeto de homem, mal esculpido ou pouco dotado fisicamente pela biologia, nomeado embaixador do Brasil, na conferência de Haia, quem revelou e projetou a então desconhecida república sul-americana na defesa do fraco contra o forte; a gigantesca figura do representante da Alemanha era o dignitário do direito da força que esmaga e sufoca que, impõe ou determina, onde pisava a relva morria, sem um Cristo para ressuscitá-la. Esqueçamos de Lázaro. Enquanto Rui era forjado pela alquimia das idéias cívicas, o diplomata alemão era a antítese. Modelado pela força, era a exaltação da violência.
É que a Alemanha formada sob sombrias florestas do Velho Mundo, gerada num solo que jamais recebera o calor do sol tropical, organizou-se num regime que se cristalizou em feudos, enquanto o Brasil, país totalmente desimportante, se espraiou pela vastidão das terras americanas. Condutoras do homem ao sonho da liberdade, que palpita na alma e no coração dos povos livres, e à paz, que canta em todos os recantos, numa “confusão harmônica” entre a terra e o homem do Novo Mundo.
Stead, diretor da Review of Reviews, que era um sábio e cuja vida foi um apostalado e a morte uma renúncia, presente à Conferência, dizia que “as duas maiores forças pessoais em Haia foram o Dr. Barbosa do Brasil e o Barão Marschall da Alemanha”, com a diferença o segundo tinha “à mão, presente, de contínuo, aos olhos de todos, o poder militar do império germânico”, enquanto o primeiro exuberava ou representava “apenas uma longínqua república desconhecida com um exército incapaz de qualquer movimento ou estratégia e uma esquadra por existir(...)”
Ao cabo da Conferência, “o doutor Barbosa pesava mais que Marschall”. Adquirira músculos, até físicos, apesar de não ter aliados “mas muitos rivais, poderosos inimigos, contudo vingou aquele cimo”. As últimas palavras de Stead: “Foi um imenso triunfo individual que redundou em crédito para o Brasil”.
A Conferência de Haia, que vive nas almas grandes e nos corações nobres, foi o duelo gigantesco entre o Direito que se plasma e a Força que esmaga o sonho da liberdade e paz entre os homens. Sendo Rui, o estandarte da Igualdade que sonha, e Marschall, a bandeira rasgada da Superioridade, que revolta e desgraça o homem.
Por esse feito pessoal, pela campanha civilista, pelas lições de ética, moral, prudência, pregadas ao longo da vida, por acalentar o sonho da igualdade, fraternidade e liberdade, afagado por toda existência, por sua obra magistral dirigida aos jovens, aqui consigno esta data dizendo: haja mais vida para o senhor Rui Barbosa. Que ela se estenda, ainda, por muitos séculos, porquanto tem sido a consciência da nação brasileira.
*SSA. 05 de novembro de 2012.
LCFACÓ.
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