Luiz Carlos Facó*
Solfejei, no momento, depositando buque de rosas nos balaios recipiendários dos presentes os versos do imortal Caymmi, que dizem, salvo engano:
Dia 2 de fevereiro.
Dia de festa no mar
Eu quero ser o primeiro
pra salvar Yemanjá.
Escrevi um bilhete pra ela
pedindo pra ela me ajudar
Ela então me respondeu
Que eu tivesse paciência de esperar
O presente que eu mandei pra ela,
de cravos e rosas, vingou.
- Chegou! Chegou! Chegou!
Afinal que o dia dela chegou.
Em Salvador é assim. Ninguém se omite em saudar Yemanjá. Místicos, católicos, evangélicos, espíritas, ímpios, todos se irmanam em torno do Orixá, mãe de todos os demais. Numa devoção que cresce a cada ano. São milhares de pessoas que acorrem às praias do Rio Vermelho, para jogar seu presente ao mar. Coisas simples: um frasco de alfazema, bijuterias, moedas, retratos, um cartão, uma carta, um espelhinho – Yemanjá é muito vaidosa – flores, como se fora ouro, incenso e mirra. Cada um deles portando uma mensagem de amor, agradecendo graças recebidas ou requerendo mais um auxílio para si, terceiros, até mesmo os sem intenções definidas, a não ser aquelas visando agradar e reverenciar a senhora das águas. Um costume copiado dos povos da antiguidade, habituados em oferendar a deuses criaturas imoladas e esculturas feitas em cerâmica ou metais preciosos.
Sou testemunho do arrepio que a aproximação da data dos festejos provoca na pele dos soteropolitanos. Não só na pele, mas em todo o seu ser. Parece coisa feita, como dizem os da terra.
Nos Terreiros de Candomblé, a animação antecede a festa em dias. As equédes – filhas-de-santo – os alabês – tocadores de atabaques, o rum, rumpi e o lê – os ogãs – oficiantes - ialorixás e babalorixás – mães e pais de santos, preparam seus instrumentos, luzem suas contas – ibiris – colares, ajeitam suas melhores roupas ritualísticas para a festança. Todos preparam o ébo – oferenda – de milho branco com azeite, cebola e sal, comida preferida da entidade. Por fim, dançam com o abebé – leque simbólico, em prata – numa coreografia que reproduz o movimento das marés.
Nas casas dos não iniciados, dos poucos afeitos às praticas do candomblé, o burburinho ocorre na cozinha, onde se prepara a galinha de xinxim, o vatapá, o acarajé, o abará, o efó, o caruru para o almoço do dia. Em mutirão, , atêm-se no esmero da escolha da pinga e no cuidado em gelar a cerveja a serem servidas, dês que o presente da homenageada já esteja comprado e embrulhado. Sem que o embrulho receba qualquer tipo de nó, porquanto os assim embalados, mesmo com papeis finos e bonitos, não serão aceitos pela mãe de todos.
Além dessa euforia, frisson, comuns a todos os segmentos sociais, as pessoas procuram se vestir de branco e azul. Usar pedras marinhas como adereço, além de conchas e cristais transparentes, símbolos da rainha do mar.
Todas senão a maioria das festas populares ocorridas em chão baiano, originaram-se no catolicismo. Só os festejos de Yemanjá, sincretizada em Nossa Senhora da Conceição, nasceu nas senzalas, no seio do povo, entre os negros vindos das diversas nações africanas: egbas, gégis, krumanos, tapas, angolas, minas, timinis e galinhas. Fato esse que me faz reforçar a crença no poder da força popular.
Neste dia, mês e ano – 2 de fevereiro de 2011 – os meus pedidos foram impessoais. Não invoquei ao Orixá qualquer benefício pessoal. Nada de pedido de riqueza, pois a que possuo é incalculável (pois jamais taxada pelo leão do imposto de renda): meus amigos. Por isso mesmo, para eles voltei as minhas preces. Em particular para dois deles, que, acaso leiam essas reflexões, saberão terem sido o alvo das minhas orações.
*Crônica extraída do livro a ser laçado em breve: Memória a Conta-Gotas.
LEIAM SEMPRE: “MUITOS HOMENS INICIARAM UMA NOVA ERA NA SUAS VIDAS A PARTIR DA LEITURA DE UM LIVRO.” (HENRY DAVID THOREAU)
:/
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