Por Joaci Góes
Meio
aos festejos para celebrar os oitenta anos do Professor Emérito da Universidade
Federal da Bahia, Edivaldo Machado Boaventura, é ele quem nos presenteia com
mais uma obra prima de sua lavra, agora o imperdível Portugal, um denso país,
uma bem elaborada fusão de crônicas através das quais, ao longo de
décadas,
reflete sobre múltiplos aspectos da vida social, econômica, política e cultural
da nação avoenga dos brasileiros, em geral, e dos baianos, em particular. Quem
quer que já tenha visitado Portugal, ao ler este livro, fica com a impressão de
que não aproveitou o quanto poderia ou deveria, se tivesse em mãos este erudito
guia turístico e cultural da terra de Camões, Eça, Herculano e Fernando Pessoa,
que nos ensina que “todo cais é uma saudade de pedra”, e que “partir é morrer
um pouco”. Trata-se de uma dessas obras raras cuja leitura, uma vez iniciada,
não se consegue interromper. Nela, aprendemos, por exemplo, que enquanto o
Porto trabalha e Braga reza, Lisboa se diverte. As motivações para escrever
este livro, Edivaldo nos dá, em síntese irretocável: “É preciso conhecer bem
Portugal para entender melhor o Brasil e sentir a Bahia”.
O
título do livro é uma proposta que resume o paradoxo de um país com pequenas
dimensões territoriais, mas dotado de um povo excepcionalmente audaz, a ponto
de dividir o mundo com a Espanha, no Tratado das Tordesilhas de 1494, paradoxo
que levou Vieira a dizer que “para berço Portugal, para túmulo o mundo”.
Da
rica biografia do professor Edivaldo é difícil dizer algo de encomiástico que
já não tenha sido cantado em prosa e verso sobre as variadas facetas do
cidadão, do intelectual e do realizador em variados domínios, tudo isso muito
bem chancelado em mais de trinta livros e milhares de artigos, em jornais e
revistas, e conferências proferidas mundo afora, na Europa, França e Bahia. Não
estranha ser ele um dos mais galardoados comendadores de nossa terra.
Edivaldo
coloca a serviço deste Portugal, um denso país o vigor de sua soberba formação
humanística, avançando para além do tema sob análise, para alcançar uma
dimensão metafísica que confere ao texto o prestígio de merecer figurar na
estante dos livros de viagem, ao lado de clássicos do gênero, como Viagens de
Marco Polo, Viagem à Itália, de Goethe, Viagens na minha terra, de Almeida
Garreth, México, de Érico Veríssimo e Viagem a Portugal, de Saramago.
A
cada passo, o ambiente descrito, seja uma rua, uma vila, uma cidade, uma
paisagem rural, um monumento religioso ou pagão, um restaurante, uma
apresentação teatral, tudo se transforma numa moldura para a emergência de
comentários nascidos do poliédrico educador, pedagogo, sociólogo, jurista,
memorialista, economista, historiador, biógrafo, enólogo, cultor das artes
plásticas, da música e da literatura, do pensador e do diplomata por invencível
vocação.
Partindo
da premissa de que “quem viaja descobre, encontra e reencontra para depois
contar”, Edivaldo evoca Goethe que ensina que “por mais que tenhamos ouvido
falar de uma coisa, sua peculiaridade somente se nos apresenta, de fato,
mediante a observação direta”. Edivaldo, como Goethe e nosso Rui Barbosa,
consolidou com o bispo checo Jan Amos Komenský, o popular Comenius, considerado
o fundador da didática moderna, a convicção do caráter educativo das viagens,
ou apodemia. Ele adverte que do mesmo modo que os bons livros devem ser
relidos, há lugares que devem ser revisitados. Portugal, um denso país decorre
da grande intimidade que desenvolveu com a terra de Florbela Espanca, ao percorrê-lo,
palmo a palmo, nas sucessivas viagens que realizou.
Edivaldo
Boaventura chega aos oitenta anos na plenitude de um outono primaveril, ao lado
da irrepreensível Solange, dos filhos Lídia, o global Daniel, o caçula Pedro,
sempre presente na saudade geral, e das quatro netas, para ver o pleno
coroamento do lema que elegeu para orientar sua vida: Ad majorem natus sum,
nasci para as coisas grandes.
Natural, portanto, que o casal Solange-Edivaldo aufira, diuturnamente, da
varanda de sua aprazível morada, o maior de todos os bens: o gozo permanente de
uma consciência tranquila, sob os céus da Bahia, pejados das mesmas estrelas
que Castro Alves definiu como “pérolas soltas de um colar sem fio”.
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