Por CONSUELO PONDÉ
Embora a tendência atual seja a de “vitimizar” as pessoas, atribuindo-lhes sofrimentos inconfessados, nem sempre as coisas são como parecem ou são considerados. Por essa razão os estudiosos da vida e obra de
Machado de Assis sempre lhe atribuíram inúmeros tormentos, causados pela tonalidade escura da pele, as discriminações, a humilde origem familiar, as asperezas de uma carreira árdua, a enfermidade estigmatizante, a ligeira gagueira, enfim, as humilhações que, certamente, permearam a sua trajetória.
Entretanto, “Machado era muito reservado. Escondia em segredo os anos de infância e adolescência”, comenta Mário de Alencar, um dos poucos amigos íntimos que possuía, filho do romancista José de Alencar. Com efeito, pouco se sabe sobre aquelas etapas da sua vida“. O mesmo acrescenta Mário: “Presumo que Machado só frequentou escolas públicas, e que teve por mestres aquele e algum outro padre, nas folgas do seu ofício de sacristão, que parece foi até 14 ou 15 anos”. Dos que o ajudaram a aprender, conhece-se o padre Silveira Sarmento, cura da capela de São João Batista, na Quinta da Boa Vista.
Sem muitas perspectivas de vencer na vida, seu pai o destinava para o comércio, profissão mais qualificada do que a exercida por ele próprio, Francisco José de Assis, pintor e dourador, homem pardo que se casara, em 1838, com Maria Leopoldina da Câmara, natural da Ilha de São Miguel, nos Açores. O casal teve dois filhos: Joaquim Maria e Maria, esta morta em outubro de 1845, antes de completar quatro anos. Em 1849,morreu-lhe a mãe, Maria Leopoldina, vítima de tuberculose. Seu pai se casaria pela segunda vez em 1854, tudo indicando que suas relações com a madrasta jamais foram amistosas.
Peregrino Junior, que escreveu sobre “Doença e Constituição de Machado de Assis sublinha que, em sua obra, o grande romancista revela a infelicidade pela enfermidade de que padecia, a epilepsia, doença estigmatizante naquele tempo e nos muitos anos que se seguiram. Não teria Peregrino Junior sofrido influência da sua formação médica? Este intelectual potiguar era, além de médico, jornalista, contista e ensaísta.
Para outros analistas, os padecimentos de Machado de Assis podem ser comparados às pessoas das mesmas condições sociais no século XIX. Sabe-se que mestiços de modesta situação alcançaram posições de relevo durante o Império. Cavalheiros de semelhante estrato social, pobres na infância, receberam títulos de nobreza e chegaram a ocupar pastas ministeriais. Apesar de ter tido posições singelas, no início da vida, desde a função de tipógrafo à de repórter e funcionário público, não consta que tivesse se rebelado. Sua desvantajosa condição jamais o impediu de ter amigos da sociedade da época, desde Joaquim e Sizenando Nabuco, filhos do Conselheiro Nabuco de Araújo, rapazes da elite carioca, conhecidos pelas qualidades de talento.
Muito ao contrário, Machado de Assis sempre foi acatado e apoiado desde cedo, alcançando, aos cinquenta anos, a fama de maior escritor do país, em torno de quem se curvavam as pessoas da época, com reverência e admiração incomuns.
Na Academia Brasileira de Letras, que fundou na derradeira parte de sua vida, e se manteve como presidente até morrer, encontrava o apoio e o prestígio que seu espírito requeria.
Naquele espaço literário reinava absoluto, tudo dependendo do seu beneplácito, razão pela qual deu acesso à Casa a alguns escritores sem méritos, embora impedisse a entrada de nomes consagrados, como Emílio de Menezes, em que reconhecia valor, mas condenava a vida pouco convencional que levava. Dessa forma, tudo faz crer que Machado de Assis tenha tido uma vida sem grandes tensões, com certeza tranquila, marcada, embora, pelo prestígio de que desfrutava, do reconhecimento, como escritor, que recebia da sociedade, com o carinho como era tratado – símbolo maior da inteligência criadora do Brasil. Escritor de raiz nacional, desconhecedor da literatura universal do seu tempo, não teve o reconhecimento no mundo ainda em vida, situação que o afastou das luzes do sucesso mundial. Ficou marginalizado entre outros escritores da época, em face do desconhecimento do português que, em 1900, nada representava.
Mário de Andrade reputava-o gênio: “Ancorou fundo as suas obras no Rio de Janeiro histórico que viveu, mas não se preocupou em nos dar o sentido da cidade“. No maior dos nossos escritores percebia: “Machado de Assis, temperamento francamente gozador e ainda menos amoroso da vida objetiva, tinha a meticulosidade freirática dos memorialistas. Às vezes chega a ser pueril a paciência tipográfica com que descreve as caminhadas dos seus personagens”.
Bem, não será neste curto espaço de que disponho, que poderei fazer todas as considerações que me veem à mente sobre o Bruxo do Cosme Velho. Em doses homeopáticas, vou tratar, aos poucos, daquele escritor iluminado, a maior figura literária do país de todos os tempos.
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