quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

ALIENAÇÃO DOS SERES HUMANOS: UM DOS GRANDES OBSTÁCULOS AO PROGRESSO DA HUMANIDADE



Fernando Alcoforado*


Desde o berço no ambiente familiar, passando pela escola, pela igreja, pela
Universidade e na sociedade em geral todos os seres humanos sofrem verdadeira

“lavagem cerebral” para se condicionarem à ideologia dominante. No final do século
XIX e no início do século XX, um fisiologista russo chamado Ivan Pavlov (1849-1936),
ao estudar a fisiologia do sistema gastrointestinal, fez uma das grandes descobertas
científicas da atualidade: o reflexo condicionado. Foi uma das primeiras abordagens
realmente objetivas e científicas ao estudo da aprendizagem, principalmente porque
forneceu um modelo que podia ser verificado e explorado de inúmeras maneiras, usando
a metodologia da fisiologia. Pavlov inaugurava, assim, a psicologia científica,
acoplando-a à neurofisiologia. Por seus trabalhos, recebeu o prêmio Nobel concedido na
área de Medicina e Fisiologia em 1904.

Foi Ivan Pavlov quem descobriu o chamado reflexo condicionado que comprova haver
uma resposta orgânica de acordo com o estímulo recebido. Com o ser humano o
processo condicionante é ainda mais decisivo graças à linguagem e à cultura. Segundo
Pavlov, nos animais existe apenas o que ele chamava de primeiro sistema de sinais da
realidade. Trata-se dos sistemas do cérebro que recebem e analisam os estímulos que
vêm de fora e de dentro do organismo (por exemplo, sons, luzes, nível de CO2 no
sangue, movimentos intestinais etc.). No ser humano, além desse primeiro sistema de
sinais, existe um segundo sistema, o da linguagem, que aumenta as possibilidades de
condicionamento. Para o ser humano, a palavra pode ser um estímulo tão real, tão
eficaz, tão capaz de nos mobilizar como qualquer estímulo concreto, e, às vezes, até
mais. Além disso, o fato da palavra ser simbólica, ser uma abstração, permite que o
estímulo condicionado seja generalizável.

Os mecanismos do reflexo condicionado passaram rapidamente para o campo da
política e, também, da propaganda. Quando temos algum slogan, que se repete
constantemente, temos a teoria de Pavlov colocada em prática. Geralmente, na
propaganda política, há uma palavra-chave, uma ideia-força, que é repetida muitas e
muitas vezes, a fim de penetrar no subconsciente dos ouvintes. O mesmo se dá com a
propaganda comercial: quando querem vender um produto, ficam lançando estímulos de
vários matizes: cor, som, artista famoso etc. A religião é pródiga nesse mister. Há o
jejum, o castigo da carne por flagelação ou desconforto físico, a regulação da
respiração, a revelação de mistérios terríveis, os toques de tambor, as danças, os cantos,
o pânico, o incenso e as drogas. Em meio a essas posturas, há diversos slogans, no
sentido de atingir mais a emoção do que a razão. Observe a conversão do religioso que
o fez mudar repentinamente, via lavagem cerebral, da salvação pela execução das obras,
para a salvação pela fé somente. Em termos práticos, é passar de católico a protestante.
Segundo Marilena Chaui, existe três formas da alienação: 1)alienação social; 2)
alienação econômica; e, 3) alienação intelectual. Com a alienação social, os humanos
não se reconhecem como produtores das instituições sociopolíticas e oscilam entre duas
atitudes: ou aceitam passivamente tudo o que existe, por ser tido como natural, divino
ou racional, ou se rebelam individualmente, julgando que, por sua própria vontade e
inteligência, podem mais do que a realidade que os condiciona. Nos dois casos, a
sociedade é o outro (alienus), algo externo a nós, separado de nós, diferente de nós e
com poder total ou nenhum poder sobre nós. Com a alienação econômica, os produtores
não se reconhecem como produtores, nem se reconhecem nos objetos produzidos por
seu trabalho. Em nossas sociedades modernas, a alienação econômica é dupla: Em
primeiro lugar, os trabalhadores, como classe social, vendem sua força de trabalho aos
proprietários do capital (donos das terras, das indústrias, do comércio, dos bancos, das
escolas, dos hospitais, das frotas de automóveis, de ônibus ou de aviões, etc.).
Entretanto, os trabalhadores não percebem que foram reduzidos à condição de coisas
que produzem coisas; não percebem que foram desumanizados e coisificados.

A alienação intelectual resulta da separação social entre trabalho material (que produz
mercadorias) e o trabalho intelectual (que produz ideias). A divisão social entre as duas
modalidades de trabalho leva a crer que o trabalho material é uma tarefa que não exige
conhecimentos, mas apenas habilidades manuais, enquanto o trabalho intelectual é
responsável exclusivo pelos conhecimentos. Vivendo numa sociedade alienada, os
intelectuais também se alienam porque esquecem ou ignoram que suas ideias estão
ligadas às opiniões e pontos de vista da classe a que pertencem, isto é, à classe
dominante, e imaginam, ao contrário, que são ideias universais, válidas para todos, em
todos os tempos e lugares. Marilena Chaui pergunta por que os seres humanos não se
reconhecem como sujeitos sociais, políticos, históricos, como agentes e criadores da
realidade na qual vivem? A existência dos Aparelhos Ideológicos do Estado explica a
alienação social, econômica e intelectual que domina a humanidade e impede seu
progresso.

Segundo Althusser, os Aparelhos Ideológicos de Estado designam realidades que se
apresentam na forma de instituições distintas e especializadas, tais como os religiosos (o
sistema das diferentes Igrejas), o escolar (o sistema das diferentes escolas públicas e
privadas), o familiar, o jurídico, o político (o sistema político, os diferentes Partidos); o
sindical, o cultural (Letras, Belas Artes, esportes, etc.) e de informação (a imprensa, o
rádio, a televisão, etc.). Os Aparelhos Ideológicos de Estado atuam lado a lado com o
Aparelho (repressivo) de Estado tendo por objetivo a manutenção dos interesses das
classes dominantes. Embora diferente, constantemente combinam suas forças. Apesar
de sua aparência dispersa, os Aparelhos Ideológicos de Estado funcionam todos
predominantemente através da ideologia, que é unificada sob a ideologia da classe
dominante. Então, além de deter o poder do Estado e, consequentemente, dispor do
Aparelho (repressivo) de Estado, a classe dominante também é ativa nos Aparelhos
Ideológicos de Estado. Nenhuma classe pode, de forma duradoura, deter o poder do
Estado sem exercer sua hegemonia sobre e nos Aparelhos Ideológicos de Estado
simultaneamente. Todo Aparelho Ideológico de Estado concorre – cada um da maneira
que lhe é própria – para um mesmo fim, que é a reprodução das relações de produção,
isto é, das relações de exploração capitalista.

No passado, o número dos Aparelhos Ideológicos de Estado era maior, sendo a Igreja o
dominante desde o Império Romano sob Constantino até o Renascimento, reunindo
funções religiosas, escolares, de informação e de cultura. A Revolução Francesa
resultou não apenas na transferência do poder do Estado para a burguesia capitalista
comercial, resultando também no ataque ao Aparelho Ideológico de Estado número um

- a Igreja -, substituída em seu papel dominante pelo Aparelho Ideológico de Estado
escolar. A escola se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde a mais tenra
idade, inculcando nelas os saberes contidos da ideologia dominante (a língua materna, a
literatura, a matemática, a ciência, a história) ou simplesmente a ideologia dominante
em estágio puro (moral, educação cívica, filosofia). E nenhum outro Aparelho
Ideológico de Estado dispõe de uma audiência obrigatória por tanto tempo (6h/5dias por
semana) e durante tantos anos - precisamente no período em que o indivíduo é mais
vulnerável, estando espremido entre o Aparelho Ideológico de Estado familiar e o
Aparelho Ideológico de Estado escolar. Segundo Althusser, raros são os professores que
se posicionam contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os
aprisionam. A maioria nem sequer suspeita do trabalho que o sistema os obriga a fazer.
Eles questionam tão pouco que pelo próprio devotamento contribuem para manter e
alimentar essa representação ideológica da escola, que hoje faz da Escola algo tão
natural e indispensável quanto era a Igreja no passado. Para Althusser, o papel da
educação e suas operações são determinados fora dela, na base econômica da sociedade.

O fato objetivo é que desde o berço até a vida adulta passamos a adotar crenças,
opiniões, ideias sem saber de onde vieram, sem pensar em suas causas e motivos, sem
avaliar se são ou não coerentes e verdadeiras. Falamos, agimos, pensamos, temos
comportamentos e práticas que nos parecem perfeitamente naturais e racionais porque a
sociedade os repete, os aceita, os incute em nós pela família, pela escola, pelos livros,
pelos meios de comunicação, pelas relações de trabalho, pelas práticas políticas. A
alienação social, econômica e intelectual precisa ser superada para que a humanidade
possa enveredar pelo caminho do progresso.


*Fernando Alcoforado, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional
pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem
Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000),
Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editor ) dentre outros.

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