Os atos desumanos
de matança ou extermínio de numerosos grupos de pessoas, unidas por laços
nacionais, étnicos ou religiosos, encontram registro em toda a extensão da
História. A palavra que designa essa espécie de crime – genocídio – é de origem
mais recente. Foi criada em 1944, ainda em plena Segunda Guerra
Mundial, pelo
polaco Raphael Lemkin, revoltado ao ver serem dizimados, por ordem do ditador
alemão Adolf Hitler, milhões de indivíduos integrantes de seu povo judeu. O
vocábulo tem como raízes o termo grego genos
(tribo, raça, povo) e o latino caedere
(matar).
Desde que foi implantado, pela primeira vez na
prática, o regime socialista, com o
surgimento da União Soviética, em 1917, ampliou-se bastante a divulgação da
ideologia marxista, que pregava claramente o ateísmo. O pensador líder dessa
corrente – Karl Marx – costumava afirmar que “a religião é o ópio do povo”.
Seus seguidores apontam os conflitos religiosos como causa de elevado número de
mortos. Em realidade, após o movimento Reforma Protestante, que teve em Martin
Lutero seu principal defensor, a Igreja Católica perdeu uma parte do poder que
detinha no mundo ocidental. A profunda cisão ocorrida no seio do cristianismo
fez com que governantes de diversos países europeus passassem a aderir à nova
tendência. Isso contribuiu para se firmarem posições radicais, resultando em
sérios embates e até guerras. Em 1572, durante o chamado “Massacre da Noite de
São Bartolomeu”, Paris foi palco da matança, a mando do rei católico Carlos IX,
de membros do Partido Protestante (Huguenotes) em quantidade assustadora,
calculando os historiadores que deve ter chegado a 30.000 pessoas. Os países
que ficaram ao lado da Igreja, em especial Portugal e Espanha, também cometeram
atrocidades por meio da temida Inquisição.
Demos até aqui
poucos exemplos de ocorrências que poderão ser enquadradas como genocídio. São
fatos, sem dúvida, absurdos aos olhos de qualquer ser humano com um mínimo de
civilidade. Todavia, seriam classificados de menor impacto se considerados os
incríveis horrores que se verificaram nos últimos cem anos. Ainda no século
XIX, os Estados Unidos, no avanço para o oeste a fim ampliar seu território,
dizimaram enormes populações indígenas. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
provocou a morte de cerca de oito milhões de indivíduos, incluindo militares e
civis. Calcula-se que o Império Otomano, no segundo ano da guerra, tenha
eliminado mais um milhão de armênios e assírios. Cita-se como genocídio
recordista, no século passado, o massacre de mais de seis milhões de judeus por
ordem de Hitler. Há, porém, os que discordam, alegando que Josef Stalin,
durante o tempo em que governou a URSS, teria sido responsável pela matança de
mais de dez milhões de pessoas, a maior parte ucranianos. Curioso é que os
marxistas ateus que tanto culpam as questões religiosas por guerras e conflitos
nem sequer se referem aos extermínios em países que adotaram o socialismo. O
fracasso da produção agrícola na China, depois da Revolução de Mao-Tse-Tung em
1949, provocou a morte, pela fome, de milhões de camponeses. No Camboja, entre
1975 e 1979, o sanguinário governante Pol Pot, entre outros desatinos,
conseguiu eliminar nada menos do que 25% da população do país, cerca de dois
milhões de vítimas. Mais recentemente, na década de 90, milhões faleceram na
Coréia do Norte pela falta de alimentos. Fora do mundo comunista, podemos
mencionar alguns fatos absurdos ocorridos na África (“apartheid” na União
Sul-africana e massacres em Ruanda), na Ásia (eliminação de curdos pela Iraque
de Saddam Hussein) e na própria Europa (guerra entre sérvios e croatas após a
dissolução da Iugoslávia).
O Brasil não ficou imune do registro de casos
de genocídio. Darci Ribeiro, no seu livro “O Povo Brasileiro”, denuncia a
enorme matança de índios pelos colonizadores portugueses. A nova obra de
Laurentino Gomes “1889” conta que o Conde d’Eu, genro de D. Pedro II, quando
comandava as tropas brasileiras na Guerra do Paraguai, por excesso de violência
e sem necessidade, tirou a vida de milhares de cidadãos do país contra o qual
lutávamos, incluindo muitos civis, homens, mulheres, crianças e velhos.
Já existe lei
sobre o genocídio no nosso país. Foi aprovada em 1º de outubro de 1956 e tem o
número 2.889. Tipifica como praticante do crime “quem, com intenção de destruir,
no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” comete os
atos que descreve em seguida, destacando-se “matar membros do grupo” e “causar
lesão grave à integridade física ou mental de membro do grupo”. O STF
reconheceu que ocorreu genocídio no chamado “Massacre de Haximu”, no qual
garimpeiros, em Roraima, atacou índios da tribo Ianomâmi, matando doze deles.
Vamos torcer para
que no atual século XXI a paz reine de modo mais duradouro entre os povos e que
o genocídio, o pior dos crimes, deixe de ser uma constante.
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Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é escritor,
membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de
Letras.
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