quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

GENOCÍDIO, O PIOR DOS CRIMES

                                           
   Raymundo Pinto

Os atos desumanos de matança ou extermínio de numerosos grupos de pessoas, unidas por laços nacionais, étnicos ou religiosos, encontram registro em toda a extensão da História. A palavra que designa essa espécie de crime – genocídio – é de origem mais recente. Foi criada em 1944, ainda em plena Segunda Guerra
Mundial, pelo polaco Raphael Lemkin, revoltado ao ver serem dizimados, por ordem do ditador alemão Adolf Hitler, milhões de indivíduos integrantes de seu povo judeu. O vocábulo tem como raízes o termo grego genos (tribo, raça, povo) e o latino caedere (matar). 
 Desde que foi implantado, pela primeira vez na prática, o regime socialista, com o surgimento da União Soviética, em 1917, ampliou-se bastante a divulgação da ideologia marxista, que pregava claramente o ateísmo. O pensador líder dessa corrente – Karl Marx – costumava afirmar que “a religião é o ópio do povo”. Seus seguidores apontam os conflitos religiosos como causa de elevado número de mortos. Em realidade, após o movimento Reforma Protestante, que teve em Martin Lutero seu principal defensor, a Igreja Católica perdeu uma parte do poder que detinha no mundo ocidental. A profunda cisão ocorrida no seio do cristianismo fez com que governantes de diversos países europeus passassem a aderir à nova tendência. Isso contribuiu para se firmarem posições radicais, resultando em sérios embates e até guerras. Em 1572, durante o chamado “Massacre da Noite de São Bartolomeu”, Paris foi palco da matança, a mando do rei católico Carlos IX, de membros do Partido Protestante (Huguenotes) em quantidade assustadora, calculando os historiadores que deve ter chegado a 30.000 pessoas. Os países que ficaram ao lado da Igreja, em especial Portugal e Espanha, também cometeram atrocidades por meio da temida Inquisição.
Demos até aqui poucos exemplos de ocorrências que poderão ser enquadradas como genocídio. São fatos, sem dúvida, absurdos aos olhos de qualquer ser humano com um mínimo de civilidade. Todavia, seriam classificados de menor impacto se considerados os incríveis horrores que se verificaram nos últimos cem anos. Ainda no século XIX, os Estados Unidos, no avanço para o oeste a fim ampliar seu território, dizimaram enormes populações indígenas. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) provocou a morte de cerca de oito milhões de indivíduos, incluindo militares e civis. Calcula-se que o Império Otomano, no segundo ano da guerra, tenha eliminado mais um milhão de armênios e assírios. Cita-se como genocídio recordista, no século passado, o massacre de mais de seis milhões de judeus por ordem de Hitler. Há, porém, os que discordam, alegando que Josef Stalin, durante o tempo em que governou a URSS, teria sido responsável pela matança de mais de dez milhões de pessoas, a maior parte ucranianos. Curioso é que os marxistas ateus que tanto culpam as questões religiosas por guerras e conflitos nem sequer se referem aos extermínios em países que adotaram o socialismo. O fracasso da produção agrícola na China, depois da Revolução de Mao-Tse-Tung em 1949, provocou a morte, pela fome, de milhões de camponeses. No Camboja, entre 1975 e 1979, o sanguinário governante Pol Pot, entre outros desatinos, conseguiu eliminar nada menos do que 25% da população do país, cerca de dois milhões de vítimas. Mais recentemente, na década de 90, milhões faleceram na Coréia do Norte pela falta de alimentos. Fora do mundo comunista, podemos mencionar alguns fatos absurdos ocorridos na África (“apartheid” na União Sul-africana e massacres em Ruanda), na Ásia (eliminação de curdos pela Iraque de Saddam Hussein) e na própria Europa (guerra entre sérvios e croatas após a dissolução da Iugoslávia).
 O Brasil não ficou imune do registro de casos de genocídio. Darci Ribeiro, no seu livro “O Povo Brasileiro”, denuncia a enorme matança de índios pelos colonizadores portugueses. A nova obra de Laurentino Gomes “1889” conta que o Conde d’Eu, genro de D. Pedro II, quando comandava as tropas brasileiras na Guerra do Paraguai, por excesso de violência e sem necessidade, tirou a vida de milhares de cidadãos do país contra o qual lutávamos, incluindo muitos civis, homens, mulheres, crianças e velhos.     
Já existe lei sobre o genocídio no nosso país. Foi aprovada em 1º de outubro de 1956 e tem o número 2.889. Tipifica como praticante do crime “quem, com intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” comete os atos que descreve em seguida, destacando-se “matar membros do grupo” e “causar lesão grave à integridade física ou mental de membro do grupo”. O STF reconheceu que ocorreu genocídio no chamado “Massacre de Haximu”, no qual garimpeiros, em Roraima, atacou índios da tribo Ianomâmi, matando doze deles.
Vamos torcer para que no atual século XXI a paz reine de modo mais duradouro entre os povos e que o genocídio, o pior dos crimes, deixe de ser uma constante.
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Raymundo Pinto, desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.     

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