Por
JOACI GÓES
A previsibilidade do holocausto anual
que se observa no Brasil constitui fenômeno regular de
absoluta
previsibilidade, uma vez que a adoção das medidas preventivas que saltam aos
olhos oscila entre inteiramente esquecidas e negligenciadas pelas autoridades
dos três poderes da República.
Na contramão do que o mundo desenvolvido ensina, continuamos a acreditar
na possibilidade de obtermos efeitos sem causa, numa irracional expectativa de
ressurgência, no plano social, de acontecimentos que integram o universo da fé
religiosa.
Mais do que nunca, convém advertir para a verdade axiomática que
ensina que uma situação não pode ser tão má que não possa piorar, ainda mais.
O mais trágico de tudo é saber que fica cada vez mais difícil uma
reforma em nosso sistema penal compatível com as demandas de efetivo combate à
criminalidade, em face da crescente penetração do crime organizado nas diferentes
esferas de poder, inclusive junto ao legislativo, cada vez mais integrado por
parlamentares cujas campanhas seriam financiadas por organizações
criminosas.
A baixa punibilidade, no Brasil, acrescida de uma série de artifícios
que reduzem as penas, torna o crime organizado um negócio rendoso e de baixo
risco. Afinal de contas, se no Congresso Nacional brilha tanta gente que é
processada e já foi, até, encarcerada por crimes contra o Erário, que importa
algum tempo na prisão em troca de uma vida à tripa forra?
Do modo como vem grassando a violência no Brasil, o sentimento que
progressivamente domina as pessoas é o da possibilidade iminente de que a
tragédia possa bater às suas portas, diminuindo aquela redentora sensação, até
passado recente, de que certos males só ocorrem com os outros. Tanto que já não
há nas grandes cidades brasileiras quem não tenha um familiar ou amigo
alcançado pela mão da violência.
No Brasil, porém, a impunidade é tão acentuada e tão diversa que já pode
ser atomizada ou anatomizada em suas múltiplas vertentes. Como se não bastasse
a frouxidão de nossas leis penais, cominadoras de penas leves, em comparação
com outros países, sua aplicação pelo judiciário é, em média, processada de
modo leniente.
Os crimes que envolvem dinheiro e poder costumam fascinar as pessoas de
um modo que reflete a permanente luta do homem dividido entre os apelos do bem
e do mal. A tal ponto que, com o passar do tempo, o bandido, de hoje, pode,
amanhã, se converter em herói, num contorcionismo psicológico para aproximá-lo
do marginal ideal, materializado na saga memorável de Robin Hood.
Como tem acontecido de modo crescente, nos últimos tempos, 2014 será,
também, um ano marcado pela violência que se amplia, em extensão e intensidade.
O caos alardeado no sistema presidiário do Maranhão, com pequenas
variações, é o mesmo que se observa na grande maioria das unidades federadas,
transformadas em verdadeiras universidades do crime.
O Brasil, que nunca primou por dispor de um sistema carcerário
minimamente decente, é, hoje, modelo hipertrofiado das piores prisões do mundo,
inspiradoras de clássicos da literatura, como Recordações da casa dos mortos,
de Dostoyevsky, e os Vivos mortos, do espanhol Eduardo Zamacois, que definiu os
prisioneiros do seu tempo, no século XIX, como “cadáveres que a sociedade
enterra de pé”.
No Brasil, além da desatualização da legislação penal e da ineficiência
do aparelho judiciário, o sistema prisional está muito longe de cumprir sua
finalidade precípua que é a de ressocializar o preso.
A mais disso, a vigorante supremacia do ter sobre o ser, cultivada pela
sociedade materialista que entroniza o vencedor, pouco importando os meios
utilizados, inspira os destituídos de uma educação adequada a exercitarem o
crime violento como uma estratégia desesperada de sobrevivência, já que os
beletristas, engravatados e endinheirados estão em posição de saquear o Erário,
impunemente, e sem fazer barulho.
Além da falta de programas efetivos para habilitar os presos a
retornarem ao meio social, as taxas de ocupação presidiária no Brasil são das
mais altas do mundo.
Enquanto a Rússia ocupa, apenas, 84% de suas vagas carcerárias, o Japão
85%, a Alemanha 88%, o Brasil exibe a ominosa taxa de 166% de ocupação,
registrando a Índia 129%, a África do Sul 134%, a Argentina 113% e os Estados
Unidos 110%. A taxa de ocupação carcerária da China é segredo de estado.
O mais desalentador é não haver, de parte da maioria da população, a
consciência de que só através da eleição de políticos com alma de estadista é
que seremos capazes de reverter esse panorama malsão. Do destino que dermos ao
nosso voto dependerá o nosso futuro. Em outras palavras, como ensinou o
filósofo francês Joseph de Maistre: cada povo tem o governo que merece.
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