quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

GENOCÍDIOS PROGRAMÁTICOS



Por JOACI GÓES


 A previsibilidade do holocausto anual que se observa no Brasil constitui fenômeno regular de
absoluta previsibilidade, uma vez que a adoção das medidas preventivas que saltam aos olhos oscila entre inteiramente esquecidas e negligenciadas pelas autoridades dos três poderes da República. 
Na contramão do que o mundo desenvolvido ensina, continuamos a acreditar na possibilidade de obtermos efeitos sem causa, numa irracional expectativa de ressurgência, no plano social, de acontecimentos que integram o universo da fé religiosa.
 Mais do que nunca, convém advertir para a verdade axiomática que ensina que uma situação não pode ser tão má que não possa piorar, ainda mais.
O mais trágico de tudo é saber que fica cada vez mais difícil uma reforma em nosso sistema penal compatível com as demandas de efetivo combate à criminalidade, em face da crescente penetração do crime organizado nas diferentes esferas de poder, inclusive junto ao legislativo, cada vez mais integrado por parlamentares cujas campanhas seriam financiadas por organizações criminosas. 
A baixa punibilidade, no Brasil, acrescida de uma série de artifícios que reduzem as penas, torna o crime organizado um negócio rendoso e de baixo risco. Afinal de contas, se no Congresso Nacional brilha tanta gente que é processada e já foi, até, encarcerada por crimes contra o Erário, que importa algum tempo na prisão em troca de uma vida à tripa forra? 
Do modo como vem grassando a violência no Brasil, o sentimento que progressivamente domina as pessoas é o da possibilidade iminente de que a tragédia possa bater às suas portas, diminuindo aquela redentora sensação, até passado recente, de que certos males só ocorrem com os outros. Tanto que já não há nas grandes cidades brasileiras quem não tenha um familiar ou amigo alcançado pela mão da violência. 
No Brasil, porém, a impunidade é tão acentuada e tão diversa que já pode ser atomizada ou anatomizada em suas múltiplas vertentes. Como se não bastasse a frouxidão de nossas leis penais, cominadoras de penas leves, em comparação com outros países, sua aplicação pelo judiciário é, em média, processada de modo leniente. 
Os crimes que envolvem dinheiro e poder costumam fascinar as pessoas de um modo que reflete a permanente luta do homem dividido entre os apelos do bem e do mal. A tal ponto que, com o passar do tempo, o bandido, de hoje, pode, amanhã, se converter em herói, num contorcionismo psicológico para aproximá-lo do marginal ideal, materializado na saga memorável de Robin Hood. 
Como tem acontecido de modo crescente, nos últimos tempos, 2014 será, também, um ano marcado pela violência que se amplia, em extensão e intensidade.
O caos alardeado no sistema presidiário do Maranhão, com pequenas variações, é o mesmo que se observa na grande maioria das unidades federadas, transformadas em verdadeiras universidades do crime. 
O Brasil, que nunca primou por dispor de um sistema carcerário minimamente decente, é, hoje, modelo hipertrofiado das piores prisões do mundo, inspiradoras de clássicos da literatura, como Recordações da casa dos mortos, de Dostoyevsky, e os Vivos mortos, do espanhol Eduardo Zamacois, que definiu os prisioneiros do seu tempo, no século XIX, como “cadáveres que a sociedade enterra de pé”.  
No Brasil, além da desatualização da legislação penal e da ineficiência do aparelho judiciário, o sistema prisional está muito longe de cumprir sua finalidade precípua que é a de ressocializar o preso. 
A mais disso, a vigorante supremacia do ter sobre o ser, cultivada pela sociedade materialista que entroniza o vencedor, pouco importando os meios utilizados, inspira os destituídos de uma educação adequada a exercitarem o crime violento como uma estratégia desesperada de sobrevivência, já que os beletristas, engravatados e endinheirados estão em posição de saquear o Erário, impunemente, e sem fazer barulho.
Além da falta de programas efetivos para habilitar os presos a retornarem ao meio social, as taxas de ocupação presidiária no Brasil são das mais altas do mundo.
Enquanto a Rússia ocupa, apenas, 84% de suas vagas carcerárias, o Japão 85%, a Alemanha 88%, o Brasil exibe a ominosa taxa de 166% de ocupação, registrando a Índia 129%, a África do Sul 134%, a Argentina 113% e os Estados Unidos 110%. A taxa de ocupação carcerária da China é segredo de estado.
       
O mais desalentador é não haver, de parte da maioria da população, a consciência de que só através da eleição de políticos com alma de estadista é que seremos capazes de reverter esse panorama malsão. Do destino que dermos ao nosso voto dependerá o nosso futuro. Em outras palavras, como ensinou o filósofo francês Joseph de Maistre: cada povo tem o governo que merece.
         

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