Cícero
Romão Batista (Crato, 24 de março de 1844 — Juazeiro do Norte, 20 de julho de 1934) foi um sacerdote católico brasileiro. Na devoção popular, é conhecido como Padre
Cícero ou Padim
Ciço. Carismático, obteve grande prestígio e influência sobre a
vida social, política e religiosa do Ceará bem como do Nordeste.
Em
março de 2001,
foi escolhido "O Cearense do Século" em votação promovida
pela TV Verdes Mares em parceria com a Rede Globo de televisão.
Em julho de 2012, foi eleito um dos "100 maiores
brasileiros de todos os tempos" em concurso realizado pelo SBT com a BBC.
Biografia
Proprietário
de terras, de gado e de diversos imóveis, Cícero fazia parte da sociedade e política conservadora do sertão do Cariri. Sempre teve o médico Floro Bartolomeu como
o seu braço direito, e integrava o sistema político cearense que ficou sob o
controle da família Accioli durante
mais de duas décadas.
Nascido
no interior do Ceará,
era filho de Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana, conhecida como
dona Quinô. Ainda aos seis anos, começou a estudar com o professor Rufino de
Alcântara Montezuma.
Um
fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade feito aos 12 anos,
influenciado pela leitura da vida de São
Francisco de Sales.
Em 1860, foi matriculado no colégio do renomado
padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras na Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de
seu pai, vítima de cólera em 1862, o obrigou a interromper os estudos e voltar
para junto da mãe e das irmãs solteiras. A morte do pai, que era pequeno
comerciante no Crato, trouxe sérias dificuldades financeiras à família de tal
sorte que, mais tarde, em 1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar
no Seminário da Prainha, em Fortaleza,
só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luís Alves
Pequeno.
Ordenação
Durante
o período em que esteve no seminário, Cícero era considerado um aluno mediano
e, apesar de anos depois arrebatar multidões com seus sermões, apresentou notas
baixas nas disciplinas relacionadas à oratória e eloquência.
Cícero
foi ordenado padre no dia 30 de novembro de 1870. Após sua ordenação retornou ao Crato e,
enquanto o bispo não lhe dava paróquia para administrar, ficou a ensinar latim no Colégio Padre Ibiapina, fundado e dirigido
pelo professor José
Joaquim Teles Marrocos,
seu primo e grande amigo.
Chegada a Tabuleiro Grande
No
Natal de 1871,
convidado pelo professor Simeão Correia de Macedo, o padre Cícero visitou pela
primeira vez o povoado de Juazeiro (hospedando-se numa fazenda localizada na
povoação de Juazeiro, então pertencente à cidade do Crato), e ali celebrou a
tradicional missa do galo.
O
padre visitante, então aos 28 anos, estatura baixa, pele branca, cabelos
louros, penetrantes olhos azuis e voz modulada, impressionou os habitantes do
lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses,
exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, com bagagem e
família, para fixar residência definitiva no Juazeiro.
Muitos
livros afirmam que Padre Cícero resolveu fixar morada em Juazeiro devido a um
sonho (ou visão) que teve, segundo o qual, certa vez, ao anoitecer de um dia
exaustivo, após ter passado horas a fio a confessar as pessoas do arraial, ele
procurou descansar no quarto contíguo à sala de aulas da escolinha, onde
improvisaram seu alojamento, quando caiu no sono e a visão que mudaria seu
destino se revelou. Ele viu, conforme relatou aos amigos íntimos, Jesus Cristo e
os doze apóstolos sentados à mesa, numa disposição que lembra a última
Ceia, de Leonardo da Vinci. De repente, adentra ao local uma multidão de pessoas carregando seus
parcos pertences em pequenas trouxas, a exemplo dos retirantes nordestinos.
Cristo, virando-se para os famintos, falou da sua decepção com a humanidade,
mas disse estar disposto ainda a fazer um último sacrifício para salvar o
mundo. Porém, se os homens não se arrependessem depressa, Ele acabaria com tudo
de uma vez. Naquele momento, Ele apontou para os pobres e, voltando-se
inesperadamente ordenou: - E você, Padre Cícero, tome conta deles!
Apostolado
Imagem em Agrestina
Uma
vez instalado, formado por um pequeno aglomerado de casas de taipa e uma
capelinha erigida pelo primeiro capelão-padre
Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra a Nossa
Senhora das Dores, padroeira do lugar, ele
tratou inicialmente de melhorar o aspecto da capelinha, adquirindo várias
imagens com as esmolas dadas pelos fiéis.
Depois,
tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus,
desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas
domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Dessa maneira, rapidamente
ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na
comunidade.
Paralelamente,
agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população,
acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira e com a prostituição.
Restaurada
a harmonia, o povoado experimentou, então, os passos de crescimento, atraindo
gente da vizinhança curiosa por conhecer o novo capelão.
Para
auxiliá-lo no trabalho pastoral, o padre Cícero resolveu, a exemplo do que
fizera Padre Ibiapina, famoso missionário nordestino falecido em 1883, recrutar mulheres solteiras e viúvas para a
organização de uma irmandade leiga,
formada por beatas, sob sua inteira autoridade.
Atuou
sempre com zelo na recepção dos imigrantes, dentre eles pode-se destacar José
Lourenço Gomes da Silva,
líder do Caldeirão
de Santa Cruz do Deserto.
Suposto milagre
No
ano de 1889, durante uma missa celebrada pelo padre Cícero, a hóstia ministrada pelo sacerdote à
religiosa Maria de Araújo se
transformou em sangue na boca da religiosa. Segundo relatos, tal fenômeno se
repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Rapidamente espalhou-se a
notícia de que acontecera um milagre em Juazeiro.
A
pedido de padre Cícero a diocese formou uma comissão de padres e profissionais
da área da saúde para investigar o suposto milagre. A comissão tinha como
presidente o padre Clycério da Costa e como secretário o padre Francisco
Ferreira Antero, contava, ainda, com a participação dos médicos Marcos
Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia Lima, além do farmacêutico Joaquim
Secundo Chaves. Em 13 de outubro de 1891, a comissão encerrou as pesquisas e
chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos ocorridos,
sendo portanto um milagre.
Insatisfeito
com o parecer da comissão, o bispo Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para investigar o caso, tendo como
presidente o padre Alexandrino de Alencar e como secretário o padre Manoel
Cândido. A segunda comissão concluiu que não houve milagre, mas sim um embuste.
Dom
Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu
as ordens sacerdotais de padre Cícero e determinou que Maria de Araújo,
que viria a morrer em 1914, fosse enclausurada.
Em
1898, padre Cícero foi a Roma,
onde se reuniu com o Papa Leão XIII e
com membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo sua absolvição. No
entanto, ao retornar a Juazeiro, a decisão do Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido
excomungado, porém, estudos realizados décadas depois pelo bispo Dom Fernando Panico sugerem que a excomunhão não
chegou a ser aplicada de fato. Atualmente, Dom Fernando conduz o processo de
reabilitação do padre Cícero junto ao Vaticano.
Em 1973, foi canonizado pela Igreja
Católica Apostólica Brasileira (diferente
da Igreja Católica Apostólica Romana).
Política
Floro
Bartolomeu e Padre Cícero.
Era
filiado ao extinto Partido
Republicano Conservador (PRC).
Foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado foi elevado a cidade. Em1926 foi eleito deputado federal,
porém não chegou a assumir o cargo.
Em
4 de outubro de 1911,
o padre Cícero e outros 16 líderes políticos da região se reuniram em Juazeiro
e firmaram um acordo de cooperação mútua bem como o compromisso de apoiar o
governador Antônio
Pinto Nogueira Accioli.
O encontro recebeu a alcunha de Pacto dos Coronéis, sendo apontado
como uma importante passagem na história do coronelismo brasileiro.
Em 1913, foi destituído do cargo pelo governador Marcos Franco Rabelo, voltando ao poder em 1914, quando Franco Rabelo foi deposto no evento que
ficou conhecido como Sedição de Juazeiro. Foi eleito, ainda, vice-governador do Ceará, no Governo do
General Benjamin
Liberato Barroso.
Ao
fim dos anos 20, o padre Cícero começou a perder a sua força
política, que praticamente acabou depois da Revolução de 1930. Seu prestígio como santomilagreiro, porém, aumentaria cada vez mais.
Ligação com o cangaço
Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião, era devoto de
padre Cícero e respeitava as suas crenças e conselhos. Os dois se encontraram
uma única vez, em Juazeiro do Norte, em 1926. Naquele ano, a Coluna Prestes,
liderada por Luís Carlos Prestes, percorria o interior do Brasil desafiando o Governo Federal. Para
combatê-la foram criados os chamados Batalhões Patrióticos,
comandados por líderes regionais que muitas vezes arregimentavam cangaceiros.
Existem
duas versões para o encontro. Na primeira, difundida por Billy Jaynes Chandler,
o sacerdote teria convocado Lampião para se juntar ao Batalhão Patriótico de
Juazeiro, recebendo em troca, anistia de seus crimes e a patente de Capitão. Na
outra versão, defendida por Lira
Neto e Anildomá Willians, o
convite teria sido feito por Floro Bartolomeu sem que padre Cícero soubesse.
O
certo é que ao chegarem em Juazeiro, Lampião e os 49 cangaceiros que o
acompanhavam, ouviram padre Cícero aconselhá-los a abandonar o cangaço. Como
Lampião exigia receber a patente que lhe fora prometida, Pedro de Albuquerque
Uchoa, único funcionário público federal no município, escreveu em uma folha de
papel que Lampião seria, a partir daquele momento, Capitão e receberia anistia
por seus crimes. O bando deixou Juazeiro sem enfrentar a Coluna Prestes.
Debitam-lhe
milagres, além do descrito com a hóstia, incontáveis, segundo seus devotos, que
afirmam que até hoje eles se sucedem.
Falecimento
O
padre Cícero faleceu em Juazeiro do Norte em 20 de julho de 1934, aos 90 anos. Encontra-se sepultado na Igreja
de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro na mesma cidade do Ceará.
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