De Lima Barreto
Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance do pré-modernismo brasileiro e considerado por alguns o
principal representante desse movimento.
Escrito por Lima Barreto, foi levado a público pela primeira vez em folhetins, publicados, entre Agosto e Outubro de 1911, na edição da tarde do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Em 1915, também no Rio de Janeiro, a obra foi pela primeira vez impressa em livro, em edição do autor.
Crítica
A ironia do livro concentra-se, sobretudo, no modo como o narrador se posiciona diante dos desatinos da personagem, a narração em terceira pessoa não comenta ou avalia o comportamento da personagem: os fatos e consequência são narrados de moro a deixar o leitor livre para julgar os conflitos.
Alfredo Bosi afirma sobre a obra:
Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. Lima Barreto nele conseguiu criar uma personagem que não fosse mera projeção de amarguras pessoais como o amanauense Isaís Caminha, nem um tipo pré-formado, nos moldes de figuras secundárias que pululam em todas as suas obras. O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalismo, no fanatismo xenófobo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares reformados cujos bocejos amornecem os serões do subúrbio.
Epígrafe
original em francês tradução
"Le grand inconvénient de la vie réelle et qui la rend insupportable à l'homme supérieur, c'est que, si l'on y transporte les principes de l'idéal, les qualités deviennent des défauts, si bien que fort souvent l'homme accompli y réussit moins bien que celui qui a pour mobiles l'égoïsme ou la routine vulgaire." O grande inconveniente da vida real e o que a torna insuportável ao homem superior é que, se se transferirem para ela os princípios do ideal, as qualidades tornam-se defeitos, de modo que, muito frequentemente, o homem completo tem bem menos sucesso na vida do que aquele que se move pelo egoísmo ou pela rotina vulgar.
A epígrafe do romance é retirada do 26º capítulo de Marco Aurélio ou o fim do mundo antigo (Marc-Aurèle ou la fin du monde antique), último volume da obra As origens do Cristianismo (Les origines du Christianisme) do escritor e pensador francês Ernest Renan. Renan parece argumentar que os altos ideais, muito nobres, de pouco valem no mundo real, governado por interesses e proveitos pessoais, o que nos prepara para o fracasso final de Policarpo Quaresma.
Sinopse
Primeira parte
A primeira parte da obra se desenrola na cidade do Rio de Janeiro, logo após a proclamação da república brasileira. Buscando saídas políticas, econômicas e culturais para o Brasil, Policarpo passa grande parte de seu tempo enfiado nos livros, pelo que é criticado por parte da vizinhança que não consegue aceitar que alguém sem titulação acadêmica possa possuir livros - uma crítica ao academicismo, muito presente na obra de Lima Barreto - e que o critica ainda mais quando ele decide aprender a tocar um instrumento mal visto pela burguesa sociedade carioca da época, o violão, por considerá-lo um representante do espírito popular do país.
E é no aprendizado do instrumento que conhece aquele que será seu grande amigo no correr do romance, o seresteiro Ricardo Coração dos Outros, contratado para lhe ensinar. Porém, cedo, Policarpo se desencanta pelo violão - e pelo folclore - e parte em busca das tradições genuinamente nacionais: as indígenas.
Tal aprendizado leva a alguns momentos cômicos - como quando Policarpo recebe a afilhada e o compadre aos prantos - e à tragédia da loucura: após ter sugerido à assembleia legislativa republicana a adoção do tupi como língua oficial - e ser motivo de chacota de toda a imprensa e dos colegas de repartição -, Policarpo redige, distraído, um documento oficial naquela língua e termina, após uma elipse temporal, internado num manicômio.
Segunda parte
Na segunda parte, são analisados os problemas enfrentados pela porção rural do país.
São e aposentado, Policarpo vende sua casa e compra, por sugestão da afilhada Olga, um sítio na fictícia cidade de Curuzu, denominado Sossego e onde ele passa a tentar provar a decantada fertilidade do solo brasileiro.
Com a ajuda do empregado Anastácio, Policarpo luta contra saúvas, ervas daninhas e outras pragas na tentativa de incentivar a iniciativa agrícola em outras pessoas e ajudar no crescimento econômico do Brasil e do mundo inteiro. Mas além disso, Policarpo continuava a lutar contra a opinião pública e as autoridades.
A fertilidade do solo, no entanto, não se comprova na prática, e sua plantação gerou pouquíssimos lucros, por causa da peste negra e da chuva de areias. Para piorar, Policarpo viu-se envolvido, involuntariamente, na luta política da cidade, sendo atacado com multas e difamações por gregos e troianos, tudo por causa de sua suspeita (para os locais) neutralidade.
Ao saber sobre a Revolta da Armada, nosso protagonista "pede energia" em telegrama ao Presidente Floriano Peixoto e segue para o Rio de Janeiro para dar apoio ao regime e sugerir reformas que mudassem a situação agrária. no entanto
Terceira parte
Última e mais tensa parte do livro, narra as andanças de Policarpo pela Capital Federal durante a revolta da Armada e mostra sua desilusão final. Há aqui uma crítica feroz aos positivistas que apoiavam a Primeira República.
Chegando ao Rio, Policarpo é bem recebido por Floriano Peixoto, que, no entanto, dá pouca atenção às suas propostas de reforma.
Decidido a lutar pela República, Policarpo é então incorporado a um batalhão, o "Cruzeiro do Sul", com o posto de major, embora não tivesse qualquer experiência militar prévia.
Encarregado de um pelotão de artilharia improvisado com voluntariados à força - como seu amigo Ricardo Coração dos Outros -, Policarpo deveria rechaçar investidas dos marinheiros às praias cariocas.
A revolta criava ao mesmo tempo tensão - devido a prisões e violências arbitrárias - e oportunidades de ascensão social e empregatícia a cupinchas e puxa-sacos. Policarpo, enquanto isto, percebe que suas propostas não eram levadas a sério - é chamado, de forma um tanto irônica, de visionário pelo indolente Marechal de Ferro Floriano Peixoto - e desilude ainda mais quando, tendo entrado em combate, acaba por matar um dos revoltosos.
Finda a revolta e encarregado de cuidar de um grupo de prisioneiros, Policarpo chega à conclusão de que a pátria, à qual ele sacrificara sua vida de estudos, era uma ilusão.
Seu destino é selado quando, após presenciar a escolha arbitrária de prisioneiros a serem executados, ele escreve uma carta a Floriano Peixoto denunciando a situação: o maior patriota de todo o livro é injustamente preso, acusado de traição.
Ricardo Coração dos Outros, inteirado da situação, procura todos os antigos amigos e conhecidos de Policarpo para ajudá-lo, mas todos se recusam por medo ou ganância, com exceção da afilhada, Olga, que, no entanto, parece incapaz de fazer qualquer coisa pelo padrinho a quem admira tanto.
No final deste livro, Policarpo, devido às suas críticas, é preso e condenado ao fuzilamento, por ordem do presidente Floriano Peixoto sob a acusação de traição.
Conclusão
Policarpo teve, em sua vida, três projetos para o Brasil (nenhum dá certo): O primeiro foi linguístico, em que ele tenta mudar a língua falada no país para o tupi; o segundo foi agrícola, em que compra um sítio e tenta plantar nele - já que, para ele, as terras do Brasil são as mais férteis -, o que também não dá certo (as pragas e saúvas prejudicam seu negócio e não há retorno financeiro suficiente para o reinvestimento nas plantações); o terceiro, que acarretou maior decepção, foi o político, em que ele participa da guerra, vira carcereiro e lá vê oficiais matando prisioneiros. Policarpo, ingênuo, manda uma carta a Floriano Peixoto e é preso e acusado de traição à pátria e isso acarreta a sua morte injusta.
Adaptação no cinema
Intitulado Policarpo Quaresma, Herói do Brasil, o filme de 1998 tem roteiro de Alcione Araújo e foi dirigido por Paulo Thiago. Embora respeitando em linhas gerais o enredo de Lima Barreto, esta adaptação toma algumas liberdades (como criar uma relação amorosa entre Policarpo e Ismênia e mostrar o fuzilamento final do protagonista, que não é descrito no livro) e satiriza aspectos da política brasileira atual, como quando um grupo de sem-terras invade o sítio do Major Quaresma, "Sossego" na cidade de Cazuru.
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