A história é
contada de forma diferente por judeus e palestinos. Para aqueles, foi a
concretização de um sonho milenar. Para estes, uma verdadeira desgraça.
Se existe uma lição filosófica inconfundível na
criação do Estado de Israel, é esta: o significado de um fato histórico depende
do olho de quem o vê. Para boa parte do mundo (incluindo a maioria dos judeus
ao redor do planeta, claro) a fundação de Israel foi um feito heroico, uma
proeza épica, a culminância de um sonho milenar, que inflamou o coração de
gerações e gerações de hebreus desde os tempos da Diáspora. Para os árabes
palestinos, no entanto, foi uma catástrofe. Até hoje, eles relembram o ano de
1948 como "El-Nakba" - ou "a desgraça".
A versão israelense
Espalhados pelo mundo desde os tempos do Império
Romano, os judeus mantiveram vivas sua cultura e religião e nunca deixaram de
sonhar com o retorno à Terra Santa. "Durante mais de 3,7 mil anos, eles
mantiveram o vínculo espiritual com sua pátria histórica", escreve o
historiador Mitchell G. Bard em Mitos e Fatos - A Verdade sobre o Conflito
Árabe e Israelense, obra que mostra a versão oficial de Israel para as origens
da briga.
O sonho do regresso ganhou ares de necessidade
política na segunda metade do século 19. O antissemitismo estava crescendo e
perseguições multiplicavam-se pela Europa. Por volta de 1890, um grupo de
intelectuais europeus de origem hebraica decidiu que seu povo só poderia
sobreviver, se pudesse governar a si mesmo - ou seja, criando um país. O
movimento ganhou o nome de sionismo (em homenagem a Sião, um dos antigos nomes
de Jerusalém) e teve sua figura de proa no judeu austro-húngaro Theodor Herzl
(1860-1904), que hoje é um herói quase mítico para os israelenses. Foi Herzl
quem lançou a semente que mais tarde germinaria em Israel. No livro O Estado
Judeu, de 1896, ele propôs a criação de um país soberano, governado e habitado
por judeus, na antiga Terra Santa - que os judeus chamavam de Eretz Israel, ou
Terra de Israel, e os árabes de Filistin ou Palestina.
Em 1897, na cidade suíça de Basiléia, os expoentes
do sionismo promoveram seu primeiro congresso e criaram a Organização Mundial
Sionista, que passou a patrocinar e incentivar a emigração judaica para a
Palestina. A idéia de reerguer a antiga Israel das cinzas do passado
espalhou-se pelas comunidades judaicas ao redor do mundo com uma labareda
idealista. Muitos judeus religiosos acreditavam que a Terra Santa lhes
pertencia por decreto divino - afinal de contas, segundo a Torá, Deus passara a
escritura de todo o território para Abraão. Outros tinham aspirações mais
práticas do que teológicas: queriam ser livres e escapar da Europa o mais
rápido possível. O sionismo também foi inflamado pela força crescente dos
nacionalismos regionais e a idéia de que todos os povos tinham direito à
autodeterminação, que se espalhou pela Europa a partir de 1850.
No final do século 19, havia cerca de 20 mil judeus
na Palestina, cujos ancestrais haviam conseguido driblar a expulsão romana e
conviver com os árabes ao longo de séculos. Até 1947, o número aumentaria
vertiginosamente. Mais de meio milhão de judeus desembarcaram na região, vindos
principalmente da Europa - muitos deles fugindo dos nazistas.
Recém-chegados à Palestina, os judeus fundaram
comunidades de agricultores de feitio socialista (os kibutz) e passaram a lutar
pela criação de seu Estado. A princípio negociaram e depois compraram briga com
os britânicos, que na época faziam um jogo duplo, ora comprometendo-se com os
interesses sionistas, ora fazendo promessas de independência total aos árabes.
A partir de 1945, militantes sionistas passaram a atacar as tropas de ocupação,
realizando inclusive atentados terroristas. Outra frente de batalha foi contra
os árabes da Palestina, que reagiram com violência à chegada dos imigrantes.
A violência cresceu até que, em 1947, a Inglaterra
resolveu tirar o pé desse barril de pólvora. O governo britânico anunciou que
encerraria sua presença militar na Terra Santa e deixaria que árabes e judeus
resolvessem seu destino. Naquele mesmo ano, a Organização das Nações Unidas
decidiu que a melhor maneira de decidir o impasse era dividir a antiga
província otomana em dois pedaços. Em uma assembleia presidida pelo diplomata gaúcho
Oswaldo Aranha, a ONU instituiu o Plano de Partilha: 55% da região ficaria com
os judeus, e 45% com os árabes. Em 14 de maio de 1948, os sionistas, liderados
pelo legendário Davi Ben Gurion, fundaram o Estado de Israel, com capital em
Tel Aviv, na fatia concedida pela ONU.
Ao contrário do que o mundo esperava, a Partilha
não terminou com a disputa - apenas a agravou. Nas décadas seguintes, Israel
iria se envolver em uma série de guerras contra seus vizinhos. Para os
sionistas, a culpa foi dos árabes, que não aceitaram a divisão da Palestina e
tentaram destruir o estado de Israel. "Ficou claro que era impossível uma
solução política para o conflito por um fato simples: os árabes não aceitavam a
existência de um estado judeu na Palestina, enquanto que os sionistas jamais se
contentariam com menos do que isso", escreve Bard. Já a história contada
pelos árabes é bem diferente.
A versão palestina
No século 19, quando propagava a idéia da migração
em massa para o Oriente Médio, o movimento sionista cunhou um slogan famoso:
"a Palestina é uma terra sem povo para um povo sem terra". A idéia de
que o local estava vazio, à espera de colonos judeus, deixava os árabes
palestinos furiosos. "Muitos sionistas ignoravam o fato de que a Palestina
era habitada por mais de meio milhão de árabes no início do século 20 - e que,
para eles, aquela terra era o seu lar", diz o relatório "Origens e
Desenvolvimento do Problema Palestino", produzido por especialistas e
observadores da ONU na década de 80.
Para os palestinos, a imigração maciça de judeus
era uma invasão colonialista. "Eles não tinham muitos problemas com os
judeus naturais da Palestina, que lá estavam havia séculos e tinham vínculos
culturais com seus vizinhos árabes. Mas aqueles que vinham da Europa, com
aparência e costumes europeus, eram vistos como colonizadores estrangeiros",
diz Paulo Vicentini, especialista em relações internacionais e professor da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Além do mais, nem todos os judeus
nascidos na Palestina eram sionistas - ao passo que todos os asquenazes (judeus
vindos da Europa) estavam lá com o firme intento de criar um estado. Dividir a
região em dois pedaços, pensavam os árabes, equivalia a entregar metade do país
a forasteiros.
O maior medo dos palestinos era perder suas terras,
já que a maior parte deles vivia da agricultura. Temiam que milhares de
famílias tivessem de abandonar suas casas e vilas para dar lugar aos colonos
judeus. Muitos desconfiavam que os líderes sionistas não se contentariam com
metade da Palestina e planejassem, em segredo, conquistar toda a Terra Santa.
"Os sionistas sabiam que o território concedido a Israel pela ONU não era
grande o bastante para acolher todos os judeus", diz Vicentini. Mesmo
havendo sionistas dispostos a ficar só nos 55% acertados pela ONU e a acender o
narguilé da paz, a evolução dos eventos acabou descambando para uma ladeira
trágica, e o pior dos medos árabes virou realidade.
Para os palestinos, a partilha da ONU tinha um
feitio absurdo. Primeiro, achavam a divisão desproporcional: mais da metade da
região foi dada ao grupo minoritário, que ainda por cima era formado
principalmente por imigrantes (os sionistas respondem que a vantagem
territorial era ilusória: boa parte das terras de Israel era desértica). Outro
ultraje aos olhos árabes: os territórios dos palestinos estavam picotados, com
três fatias separadas umas das outras. A população era de 800 mil árabes, com
10 mil judeus espalhados em vilas dispersas - já na porção que ficou para
Israel, havia entre 397 mil e 497 mil árabes, contra 500 mil a 538 mil judeus.
"Era óbvio que os sionistas deveriam aceitar uma eventual maioria de
árabes em Israel ou expulsá-los do país. Não havia outra escolha", escreve
o historiador Michael Palumbo em The Palestinian Catastrophe ("A
Catástrofe Palestina").
Logo após a criação de Israel, os vizinhos árabes
resolveram entrar na briga e cometeram o que muitos historiadores até hoje
consideram um erro estratégico: mandaram a diplomacia às favas e fizeram soar
as trombetas da batalha. "Todos os caminhos que tentamos para a paz
fracassaram. Não nos resta nada além da guerra. Terei a honra e o prazer de
salvar a Palestina", anunciou Abdullah, rei da Jordânia, em 26 de abril de
1948. Um mês depois, exércitos de cinco países árabes (Líbano, Iraque,
Jordânia, Síria e Egito) vestiram seus turbantes, empunharam suas metralhadoras
e marcharam contra o inimigo recém-nascido. Começava, oficialmente, a primeira
guerra entre árabes e judeus.
Mas o ataque iniciado pelo rei da Jordânia e seus
aliados de nada serviu para ajudar os primos palestinos. Ao contrário: apenas
selou sua ruína.
Oswaldo Aranha e Getúlio Vargas
OSWALDO ARANHA
Um dos diplomatas mais importantes na criação do Estado de Israel nasceu
nos pampas do Rio Grande do Sul, em 1884. Oswaldo Euclides de Sousa Aranha
começou sua carreira como advogado, mas sempre teve um pé na política. Amigo do
caudilho gaúcho Getúlio Vargas, aliou-se a ele na Revolução de 1930, foi
ministro de seu governo e trabalhou como embaixador do Brasil nos EUA, onde fez
amizade com o presidente norte-americano Franklin Roosevelt. Logo foi galgando
postos elevados na Organização das Nações Unidas e, em 1947, quando a situação
na Palestina começava a se incendiar, Aranha lutou pela criação de um estado
judeu independente. Naquele célebre 28 de novembro em que a ONU decidiu a
controversa Partilha da Palestina, Oswaldo Aranha presidia a sessão – foi seu,
portanto, o primeiro voto a favor do Estado de Israel. Para os historiadores
israelenses, o diplomata brasileiro é um defensor do sionismo. Ironicamente, no
Brasil, há quem diga que ele era antissemita. O historiador Tucci Carneiro, em
O Antissemitismo na Era Vargas, afirma que Oswaldo Aranha fez o que pôde para
impedir que judeus europeus imigrassem para o Brasil durante a Segunda Guerra
Mundial. Outros afirmam que ele só apoiou Israel para não destoar da posição
dos norte-americanos.
Origem:
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/criacao-israel-duas-visoes-conflitantes-435008.shtml
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