Por CONSUELO PONDÉ
Se saudade falasse não haveria quem melhor traduzisse as angústias da
alma ferida. Num sopro de emoção, a saudade adquiriria voz e se conectaria com
o mundo do sentimento. Estaria ao lado dos
que sofrem a dor da ausência e a
ausência dos que se foram. Andaria de mãos dadas com os que sofrem a falta, a
carência da palavra amorosa, o calor do afeto, e a solidariedade dos
afins.
Há vinte e cinco
anos, que parecem dias, sinto-me metade do que era, faltando-me parte do meu
todo. Têm sido duros os instantes da minha caminhada, depois de 11 de agosto de
1989, quando não mais pude contar com o apoio irrestrito do amado companheiro.
Nem sentir-lhe o afeto jamais negado, a cumplicidade permanente, o amor
declarado e fiel.
Não tem um só dia
que não lhe recorde a imagem querida, nem deixe de rememorá-lo por esse ou
aquele motivo. Aliás, para recordá-lo não preciso de motivo.
Foram trinta e um
anos de convívio amorável, permeado de amor e de entendimento, de parceria e de
intimidade. Também de instantes sombrios, cheios de apreensão e medo.
Se a saudade
falasse iria até as paragens infinitas, onde nossas energias se escondem,
quando daqui se apartam, e confessaria que a falta daquele ente querido jamais
pode ser superada.
Além do mais, com o
desaparecimento de um elemento que compõe o par, a outra parte, incompleta,
perde o rumo. Restam nesgas de incompletude, rastilhos de recordações, cinzas
de lembranças...
Permanecem intactas
as recordações do convívio, as lembranças dos bons e maus instantes, as
parcerias e as amizades comuns. Caso haja descendentes, os filhos gerados pelo
amor, os netos que vão chegando e enchendo de luz e alegria darão continuidade
àquelas extintas vidas.
Muitas vezes tentei
escrever este texto. No entanto, a dura lembrança daquele dia fatal, para mim e
para os meus, como que perturbavam e confundiam o meu pensamento, de modo a não
permitir que me expressasse com o sentimento de que me sinto possuída agora. É
como se experimentasse novo “rito de passagem” e, afinal, reconhecesse que o
tempo voraz alongou a duração da carência, não permitindo que a falta se
esvaísse.
Recordo o
conhecimento, como e quando aconteceram os sonhos da mocidade, a cidade bem
menor e menos populosa. Fotografias antigas trazem de volta o tempo de namoro,
retendo a fugacidade do instante. Os anos de noivado vigiado, cheio de
intervenções e impedimentos. O dia maior – 7 de janeiro de 1956. A beleza da
cerimônia retida pelas lentes mágicas do iluminado fotógrafo Leão Rozemberg.
A presença dos
pais, parentes e amigos na Igreja dos Salesianos, toda ornamentada de copos de
leite, enviado de Vitória da Conquista pela amiga conquistense Zilca Pinto,
mais tarde Reis.
Tenho ânsia de
reter o tempo morto pelo próprio tempo. Mas, o tempo que destrói também
devolve. Não consegue arrancar da lembrança a realidade. Por isso, guardo o
belo vestido nupcial, branquíssimo no passado, amarelecido e esgarçado pelo
decorrer dos anos. Ele tem a marca do meu destino, das tumultuadas emoções de
uma jovem cheia de esperança no futuro e plena confiança no amor.
Minha memória capta
instantes de alegria, de descoberta, de deslumbramento. Não esquece, porém, as
vigílias e os tormentos próprios da existência. Relembra a paisagem querida do
velho Solar do Triunfo, onde as almas que ali viviam, em plena comunhão com os
verdejantes canaviais, devem pairar solitárias nas noites estreladas.
No plenilúnio
também, porque então, tudo parece claro e o ar filtrado pela aragem fresca
expõe o frio que a madrugada abriga. O brilho é esfuziante e misterioso, mesmo
quando surge a neblina da madrugada.
Tudo é mistério na
vida de mistério feita. Nesses vinte cinco anos de ausência uma luz brilha
límpida e gigante, perpetuando um amor que nunca morreu. Estaremos juntos
quando nossas energias se encontrarem no indestrutível vínculo que o fogo do
tempo jamais pode incinerar.
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