quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

SE A SAUDADE FALASSE



Por CONSUELO PONDÉ


Se saudade falasse não haveria quem melhor traduzisse as angústias da alma ferida. Num sopro de emoção, a saudade adquiriria voz e se conectaria com o mundo do sentimento. Estaria ao lado dos
que sofrem a dor da ausência e a ausência dos que se foram. Andaria de mãos dadas com os que sofrem a falta, a carência da palavra amorosa, o calor do afeto, e a solidariedade dos afins. 
Há vinte e cinco anos, que parecem dias, sinto-me metade do que era, faltando-me parte do meu todo. Têm sido duros os instantes da minha caminhada, depois de 11 de agosto de 1989, quando não mais pude contar com o apoio irrestrito do amado companheiro. Nem sentir-lhe o afeto jamais negado, a cumplicidade permanente, o amor declarado e fiel.
Não tem um só dia que não lhe recorde a imagem querida, nem deixe de rememorá-lo por esse ou aquele motivo. Aliás, para recordá-lo não preciso de motivo. 
Foram trinta e um anos de convívio amorável, permeado de amor e de entendimento, de parceria e de intimidade. Também de instantes sombrios, cheios de apreensão e medo. 
Se a saudade falasse iria até as paragens infinitas, onde nossas energias se escondem, quando daqui se apartam, e confessaria que a falta daquele ente querido jamais pode ser superada.  
Além do mais, com o desaparecimento de um elemento que compõe o par, a outra parte, incompleta, perde o rumo. Restam nesgas de incompletude, rastilhos de recordações, cinzas de lembranças...
Permanecem intactas as recordações do convívio, as lembranças dos bons e maus instantes, as parcerias e as amizades comuns. Caso haja descendentes, os filhos gerados pelo amor, os netos que vão chegando e enchendo de luz e alegria darão continuidade àquelas extintas vidas. 
Muitas vezes tentei escrever este texto. No entanto, a dura lembrança daquele dia fatal, para mim e para os meus, como que perturbavam e confundiam o meu pensamento, de modo a não permitir que me expressasse com o sentimento de que me sinto possuída agora. É como se experimentasse novo “rito de passagem” e, afinal, reconhecesse que o tempo voraz alongou a duração da carência, não permitindo que a falta se esvaísse. 
Recordo o conhecimento, como e quando aconteceram os sonhos da mocidade, a cidade bem menor e menos populosa. Fotografias antigas trazem de volta o tempo de namoro, retendo a fugacidade do instante. Os anos de noivado vigiado, cheio de intervenções e impedimentos. O dia maior – 7 de janeiro de 1956. A beleza da cerimônia retida pelas lentes mágicas do iluminado fotógrafo Leão Rozemberg.
A presença dos pais, parentes e amigos na Igreja dos Salesianos, toda ornamentada de copos de leite, enviado de Vitória da Conquista pela amiga conquistense Zilca Pinto, mais tarde Reis. 
Tenho ânsia de reter o tempo morto pelo próprio tempo. Mas, o tempo que destrói também devolve. Não consegue arrancar da lembrança a realidade. Por isso, guardo o belo vestido nupcial, branquíssimo no passado, amarelecido e esgarçado pelo decorrer dos anos. Ele tem a marca do meu destino, das tumultuadas emoções de uma jovem cheia de esperança no futuro e plena confiança no amor.  
Minha memória capta instantes de alegria, de descoberta, de deslumbramento. Não esquece, porém, as vigílias e os tormentos próprios da existência. Relembra a paisagem querida do velho Solar do Triunfo, onde as almas que ali viviam, em plena comunhão com os verdejantes canaviais, devem pairar solitárias nas noites estreladas. 
No plenilúnio também, porque então, tudo parece claro e o ar filtrado pela aragem fresca expõe o frio que a madrugada abriga. O brilho é esfuziante e misterioso, mesmo quando surge a neblina da madrugada.
Tudo é mistério na vida de mistério feita. Nesses vinte cinco anos de ausência uma luz brilha límpida e gigante, perpetuando um amor que nunca morreu. Estaremos juntos quando nossas energias se encontrarem no indestrutível vínculo que o fogo do tempo jamais pode incinerar.  

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