Fernando Alcoforado*
O mundo atual caminha para uma nova Idade Média? Muitos
autores como Umberto
Eco, Furio Colombo, Francesco Alberoni e Giuseppe Sacco, com
textos reunidos no
livro La Nueva Edad Media, publicado pela Alianza Editorial
em 2010 consideram a
hipótese prospectiva de um retrocesso da civilização a uma
nova idade média. Umberto
Eco, por exemplo, busca suas causas na dissolução dos
vínculos sociais, na privatização
do poder e nos conflitos entre grupos competidores. Umberto
Eco destaca, por
exemplo, os paralelismos entre a Europa medieval e a
sociedade contemporânea, tais
como a sensação de insegurança, as seitas marginalizadas, o
caráter visual da cultura, o
principio da autoridade e o gosto pelo formalismo na
reflexão intelectual.
Umberto Eco afirma que é certo que o período medieval é
caracterizado por sua
selvageria tanto ao nível pessoal como social. No entanto, é
certo que em nossa época a
barbárie se reveste de muitos aspectos degradantes como é o
caso da corrupção na
política e no mundo dos negócios, a disseminação da droga ao
nível internacional, o
tráfico de mulheres, o aborto, etc. Segundo Umberto Eco,
vivemos uma época obscura
do ponto de vista moral e espiritual. A diferença com a
idade média antiga é que os
homens de então encontravam consolo na religião. Hoje, em
contrapartida, prevalece a
filosofia da desesperança com seu credo no nada que é a
ideologia de turno dos novos
profetas.
Umberto Eco analisa também o Projeto de Apocalipse de
Giuseppe Vacca que se baseia
na degradação dos grandes sistemas típicos da era
tecnológica que, demasiado vastos e
complexos para serem coordenados por uma autoridade central
e também para serem
controlados individualmente por um aparato diretivo
eficiente, estão condenados ao
colapso e, por interações recíprocas, a produzir um
retrocesso de toda a civilização
industrial. Vacca afirma que, neste momento, estamos vivendo
em plena estrutura
feudal. As alianças entre poderes locais se apoiarão no
compromisso e não nas leis, as
relações individuais se basearão na agressão, na aliança por
amizade ou na comunidade
de interesses, e renascerão os costumes elementares de
hospitalidade para o transeunte.
Hoje convivem civilizações, culturas em estágios diferentes
de desenvolvimento.
Por sua vez, no livro La Nueva Edad Media, Furio Colombo
descreve as concentrações
tecnológicas que começam a disputar com o Estado os
atributos do poder e adianta as
características que revestirão a vida nos territórios neo
feudais. Francesco Alberoni
examina as sombrias perspectivas que aguardam os países
industrializados em via de
decadência. Giuseppe Sacco faz reflexão sobre as
possibilidades de mudanças mediante
uma adequada política de organização do território, das
tendências rumo à ruptura do
consenso, da fragmentação social e da multiplicação de
identidades culturais e de
códigos de conduta.
Nos primórdios da Idade Moderna, príncipes e Estados
clamaram por suas
independências contra as pretensões do papado e do Sacro
Império Romano. Dois
argumentos dominavam os pensadores desta época: 1) O
argumento de Maquiavel,
Hobbes e Bacon, por exemplo, de que Estados e príncipes
estavam numa relação de
“estado de natureza” uns com os outros, não restringidos por
obrigações de direito ou de
sociedade, e estavam livres para usar dos meios que
dispusessem para conseguir seus
objetivos, como comprovado pelo conceito de razão de Estado;
e, 2) O argumento de
que os príncipes e Estados poderiam estar sujeitos a um
governo central mundial para
afugentar o “estado de natureza” que era defendido por
Immanuel Kant em A paz
perpétua.
Da mesma forma como na antiga Idade Média, a nova idade
média é uma sociedade
anárquica. Hedley Bull afirmou em sua obra A sociedade
anárquica publicada pelo
IMESP em 1970 que a ordem internacional diz respeito a um
padrão ou disposição das
atividades internacionais que sustentam objetivos
elementares. Esses objetivos são, em
primeiro lugar, a preservação do próprio sistema e da
sociedade de Estados. Em
segundo, o objetivo de manter a independência ou a soberania
externa dos Estados
individuais. Em terceiro lugar está o objetivo de manutenção
da paz. E, em quarto lugar
está os objetivos comuns a toda vida social: vida, verdade e
propriedade.
Com essa imagem, que evocava um contexto caótico marcado por
insegurança e pela
violência, Hedley Bull sintetizou as linhas para as quais
tendia a ordem política
internacional. Bull intuiu, quando a ordem internacional
ainda era bipolar (Estados
Unidos e União Soviética), que algo novo estava surgindo
como o ocaso da soberania
exercida exclusivamente pelos Estados nacionais, a
unificação tecnológica do mundo e
o ressurgimento da violência privada internacional. Uma
visão do cenário que, por
muitos aspectos, já enxergava o futuro, se olharmos para o
que aconteceu depois de
1989, mas, também, para a atual instabilidade internacional,
para a globalização
econômica e financeira e para a globalização do terrorismo,
que ameaça se espalhar por
toda parte.
Bull afirma que as tradições hobbesiana (realista), kantiana
(universalista) e a grociana
(internacionalista) competem entre si. Cada um desses
modelos tradicionais incorpora
uma descrição da natureza da política internacional e um
conjunto de prescrições sobre
a conduta dos Estados. A chamada tradição internacionalista
ou grociana de Hugo
Grotius coloca-se entre o realismo de Hobbes e o idealismo
de Kant. Ela aposta na
possibilidade de cooperação e não na guerra sem tréguas de
Hobbes ou na paz perpétua
de Kant. Acredita em coordenação, ou seja, a partilha de
interesses e valores comuns
entre os Estados. É uma mescla de conflito e cooperação,
advinda da possibilidade de
canalizar interesses que nem sempre se excluem.
Grotius defendia a tese de que Estados e governantes juntos
formam uma sociedade.
Mesmo com a independência dos governos centrais, os Estados
soberanos não estão em
“estado de natureza”, mas são parte de uma comunidade
internacional, e constituem
uma sociedade entre eles, mesmo que de forma rudimentar: o
que Bull chamou de
sociedade anárquica ou sociedade sem governo. Esta sociedade
está presente na atual
ordem mundial (Ver Grotius e as Relações Internacionais
publicado no website
<http://www.abavaresco.com.br/revista/index.php/opiniaofilosofica/article/viewFile/57/
66>. Se não é possível institucionalizar a Paz Perpétua
de Kant, é preciso evitar o
“estado da natureza”, isto é, a guerra de todos contra todos
de Hobbes promovendo a
humanização das relações internacionais de acordo com a
concepção de Grotius.
*Fernando
Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e
Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a
FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um
Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do
Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA,
Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social
Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento
Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010),
Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV,
Curitiba, 2012), entre outros.
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