quinta-feira, 10 de abril de 2014

OS DESAFIOS DA UCRÂNIA

Fernando Alcoforado*


A Ucrãnia enfrenta três grandes desafios: o primeiro, representado pelo fato de ter
havido um golpe de estado que depôs o governo legítimo liderado pelo presidente
Viktor Yanukovich; o segundo representado pela deterioração econômica que afeta o
país; e o terceiro, diz respeito ao risco de fragmentação do país.


Quando os rebeldes depuseram Yanukovich e todo seu governo, consideraram a
situação como se fosse normal destituindo à força um governo eleito. Mais de cem
deputados do parlamento ucraniano, membros do partido do governo, não
participaram desta decisão. Assim houve a deposição de Viktor Yanukovich pelo
parlamento ucraniano sob inspiração das potências ocidentais (Estados Unidos e
União Europeia) e foi formado o novo governo que assumiu o poder em Kiev.

Esta foi a razão pela qual os russos decidiram intervir na Ucrânia. É evidente que a
Rússia não tem o direito de usar suas tropas em território de outro Estado. Mas os
delitos cometidos pelos russos contra a Ucrânia antes da deposição de Yanukovich não
devem ser usados como álibi para os dirigentes dos Estados Unidos e da União
Europeia terem incentivado o golpe de estado na Ucrânia.

O estado da economia da Ucrânia e das finanças públicas é catastrófico. A corrupção e a
má gestão fez com que o país se tornasse insolvente e incapaz de cumprir as suas
obrigações mais elementares, incluindo os pagamentos de pensões e salários. Esta
situação é agravada pelo fato de a Ucrânia depender quase inteiramente do gás russo
para a sua energia e não tem capacidade para pagar sua dívida externa.

O governo da Ucrânia enfrenta enormes desafios e uma situação de guerra com a Rússia
com possível desintegração do país. A ameaça de uma rápida desintegração das partes
orientais do país é muito real. Do ponto de vista geopolítico, a Rússia receia perder a
Ucrânia que passaria a ser área de influência ocidental razão pela qual valoriza a
posição geoestratégica deste país. A Criméia e sua base naval é crucial para os planos da
Rússia e Wladimir Putin de transformá-la em superpotência mundial.

Perder a Ucrânia significaria o fim da pretensão do presidente russo Vladimir Putin de
recuperar o status de superpotência para a Rússia e reduziria sua influência na Eurásia.
Para manter a Ucrânia sob sua esfera de influência, a Rússia está a desafiar a
legitimidade do novo governo implantado após a deposição de Viktor Yanukovich
reconhecendo-o como presidente legítimo da Ucrânia. Confrontação militar direta não
pode ser excluída. A Rússia está usando o pretexto da legitimidade para proteger a
população russa e está começando com a ocupação da Crimea. As regiões de Kharkiv,
Donetsk e provavelmente Odessa viriam a seguir.

O novo governo de coalizão da Ucrânia instalado após o golpe de estado que depôs
Viktor Yanukovich busca um amplo apoio nos planos interno e externo. Mas isso
requereria a presença no comando da nação de um estadista para equilibrar as
necessidades gerais do país com os desejos e anseios dos diferentes grupos de interesse.
No entanto, tudo leva a crer que a Ucrânia tem pouca chance de resolver seus problemas
internos e externos porque tornou-se um peão no meio de poderosos interesses no
xadrez da geopolítica internacional.
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Sob a ótica dos interesses da Rússia, Putin gostaria de se apossar da Ucrânia inteira.
Mas é algo totalmente improvável porque na região leste da Ucrânia a situação é muito
mais difícil do que na Crimeia porque há muita gente que não quer uma união com a
Rússia, ou pelo menos ter uma autonomia muito maior em relação a Kiev. Já outras
regiões se opõem tenazmente a isso.

Portanto, será muito problemático para a Rússia usar a força basicamente para trazer as
províncias do leste ucraniano para sua esfera de influência. Aparentemente já existem,
de acordo com os russos, mais de 100 mil refugiados do leste ucraniano chegando à
Rússia. Se esse número se transformar em centenas de milhares, ou milhões, os cálculos
de Putin podem ser modificados. Mas neste momento tanto seu plano como sua
preferência são de não se envolver no leste da Ucrânia e sim apenas na Crimeia.

Não existem dúvidas de que o governo dos Estados Unidos ajudou a depor o presidente
democraticamente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukovych, com a ajuda da ultradireita,
paramilitares, gangues neonazistas que invadiram e queimaram escritórios do governo,
mataram soldados da tropa de choque, e espalharam o caos e terror em todo o país (Ver
o artigo de Mike Whitney: Ucrânia, o plano mais idiota de Obama publicado no
website <http://www.viomundo.com.br/politica/mike-whitney-ucrania-o-plano-maisidiota- de-obama.html>).

Estes são os novos aliados dos Estados Unidos no grande jogo para estabelecer uma
cabeça de ponte na Ásia, empurrando os russos mais para o leste, derrubando o governo
legítimo da Ucrânia, garantindo corredores de oleodutos e gasodutos vitais, acessando
escassas reservas de petróleo e gás natural e trabalhando pela desmontagem da
Federação Russa, segundo a estratégia geopolítica proposta por Zbigniew Brzezinski em
sua obra The Grand Chessboard: American Primacy and it’s Geostrategic
Imperatives (O Grande Tabuleiro de Xadrez: a Primazia Americana e seus Imperativos
Geoestratégicos).

Este livro fornece a estrutura básica para o estabelecimento da hegemonia militar,
política e econômica dos Estados Unidos na região mais promissora e próspera do
século XXI na Ásia. O governo da Rússia está ciente dessa estratégia de dividir e
conquistar de Washington, mas minimizou a questão, a fim de evitar um confronto. O
golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos e União Europeia na Ucrânia faz com
que a Rússia tenha de responder a esta provocação que ameaça tanto a sua segurança
como seus interesses vitais na região. Os primeiros informes indicam que Putin já
mobilizou tropas para a região e, segundo a Reuters, colocou caças ao longo de suas
fronteiras ocidentais em alerta de combate.
Estamos vivendo, portanto, uma situação em que a única superpotência do mundo, os
Estados Unidos, se comporta de forma irracional em todo o planeta, alimentando a
criação de um Estado falido após o outro como no Iraque, Afeganistão e Líbia,
fomentando revoltas como na Síria e Venezuela, criando ódio e espalhando miséria por
onde passa. Os Estados Unidos têm saído dos trilhos, de um modo completamente louco
empurrando o mundo para mais perto do abismo. A arquitetura para a segurança
mundial entrou em colapso, enquanto os princípios básicos do direito internacional
foram alijados completamente.

*Fernando Alcoforado, 74, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordemMundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, ttp://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e ObjetivosEstratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller

Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil ecombate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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