“Fui morena
e magrinha como qualquer polinésia”, afirma Cecília Meireles nos versos
iniciais de Desenho. No entanto,
nascera no Rio de Janeiro, em novembro de 1901. O pai, Carlos Alberto de
Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil, havia falecido três meses
antes; a mãe, Matilde Benevides,
morreu três anos depois. “(Adquiri) uma tal
intimidade com a morte que docemente aprendo (...) (a conviver com) o Efêmero e
o Eterno”.
Criou-a a
avó, Jacinta Benevides, meiga açoriana que ela Cecília celebraria com imensa
delicadeza: “E a minha avó cantava e cosia. Cantava/ canções de mar e de
arvoredo, em língua antiga./ e eu sempre acreditei que havia música em seus
dedos,/ e palavras de amor em minha roupa escritas”.
(Desenho.) A
ausência dos pais não a tornou uma criança amarga:
“Se há uma
pessoa que possa, a qualquer momento, arrancar da sua infância uma recordação
maravilhosa, essa pessoa sou eu”. Sua vocação poética despontou cedo, antes
mesmo do contato com a palavra escrita:
“Quando eu
ainda não sabia ler, brincava com livros e imaginava-os cheios de vozes,
contando o mundo. Sempre me foi muito fácil compor cantigas para os
brinquedos”.
Ao completar
o curso primário na Escola Estácio de Sá (RJ), em 1910, Cecília recebeu medalha
de ouro “por distinção e louvor” das mãos do inspetor escolar Olavo Bilac. Em
1919, lançava seu primeiro livro de versos: Espectros.
PERSONAGEM
Cecília Meireles
Teu nome é quase indiferente
e nem teu rosto mais me inquieta.
A arte de amar é exactamente
a de se ser poeta.
Para pensar em ti, me basta
o próprio amor que por ti sinto:
és a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.
O lugar da tua presença
é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto é que pensa
o olhar de todas as saudades.
Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.
Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.
Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.
Teu nome é quase indiferente
e nem teu rosto mais me inquieta.
A arte de amar é exactamente
a de se ser poeta.
Para pensar em ti, me basta
o próprio amor que por ti sinto:
és a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.
O lugar da tua presença
é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto é que pensa
o olhar de todas as saudades.
Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.
Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.
Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.
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