Poeta
de corpo e alma, retrato dos dengos baianos.
ENTREVISTA
Em
62 anos bem-vividos, Aninha Franco já fez um
pouco
de tudo. Apesar de ter se formado em Direito,
sempre
teve alma de artista. Ela escreve poesias
desde
criança, ganhou inúmeros prêmios literários,
mas
encontrou sua realização plena enquanto ser
político
escrevendo textos para o teatro. A
escritora,
No Pelourinho,
próximo ao teatro que fundou,
o
Theatro XVIII, mas mora no Rio Vermelho. A
casa,
que ela chama de república, oferece muitas
distrações
que a desviam da dedicação que,
segundo
ela, a escrita merece. Em sua república,
Aninha
tem mais de 12 mil livros, inúmeros vinis,
CDs,
mais de dez mil fotos de plateia, uma adega
e
uma cozinha profissional - a gastronomia é sua
grande
paixão. Nesta entrevista, a autora de Os
Cafajestes,
um dos grandes sucessos de público
do
teatro baiano, fala sobre o começo na escrita,
a
paixão pelo teatro, o contato com o público e
leitores
e política cultural.
Let’s Go - Você costuma dizer que se formou em
Direito para fazer a vontade de seu pai. Como
se enveredou pelo caminho das artes?
Aninha Franco -
Escrever no Brasil é uma coisa
Absolutamente
perigosa. Meu pai dizia: “Você é
uma
escritora, mas você tem que sobreviver”. E
eu
tive que me enveredar pela advocacia por 12
intermináveis
anos. Mas nunca parei de escrever.
Let’s Go - Você começou escrevendo poesias?
AF - Eu tenho versinhos feitos aos 7 anos de idade.
Geralmente
as pessoas começam pela poesia. Eu
tenho
algumas coisas boas, mas a poesia é enorme
para
que alguém diga “eu sou um poeta”. Eu sou
artista.
É a única coisa que tenho certeza que sou.
Você
tem que começar com 20 e poucos anos, tem
que
dizer quem é você, sua geração.
Let’s Go - Como você começou a
escrever para o teatro?
AF - Na época, eu estava ganhando prêmios,
começando
uma carreira de escritora e comecei
a
ser convidada a escrever para teatro. Aprendi
com
as pessoas que faziam teatro. Em 1988, fiz
um
espetáculo com Paulo Dourado, 7 Pecados
Capitados,
que me deixou interessada. Em 1990,
as
atrizes Rita Assemany e Iami Rebouças me
convidaram
para fazer Dendê e Dengo.
Alma
de Artista
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“Você tem que começar
com 20 e poucos anos,
tem que dizer quem é
você, sua geração. Eu
tenho algumas coisas
boas, mas a poesia é
enorme para que alguém
diga ‘eu sou um poeta”.
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“O teatro me interessou
no momento em que percebi
que ele pode ser uma
grande ferramenta política.
É para isso que serve o
intelectual, para pensar,
dizer, escrever e, sobretudo,
interagir. Se ele não fizer
isso, ninguém o faz”.
ENTREVISTA
Salvador
estava em um momento complicadíssimo,
como
o de João Henrique, só que o prefeito era
Fernando
José. Estava tudo errado e nós fizemos
o
espetáculo falando da beleza da Bahia e desse
momento.
Fernando José foi para a televisão
recomendar
aos espectadores que não assistissem a
Dendê
e Dengo. Eu disse: “Uau! O teatro funciona!”.
Porque
se ele moveu o prefeito da cidade, é uma
coisa
política e revolucionária. Em 1992, fiz Oficina
Condensada
e aprendi, com Rita Assemany e
Fernando
Guerreiro, como podia me comunicar
visceralmente
com a plateia. Um dia, Fernanda
Montenegro
estreava no Castro Alves e, na nossa
cabeça
ainda provinciana, achávamos que todo o
público
de teatro da cidade estaria no TCA.
Aconteceu
uma coisa genial: 400 pessoas no Teatro
Acbeu.
Eu sou louca por plateia. Tenho umas dez mil
fotos
de plateia. Posso não ter foto do espetáculo,
mas
da plateia eu tenho. Depois do episódio de
Fernando
José com Dendê e Dengo e o público de
Oficina
Condensada, eu quis o teatro.
Let’s Go - Que legado cultural os eventos da
época áurea do Theatro XVIII deixaram
para a cidade?
AF - Eles
deixaram, primeiro, saudade, porque
a
cidade pede pelo XVIII todos os dias. E o XVIII
é
uma ideia de um teatro da cidade. Ele pensa
a
cidade e com a cidade, tanto que não pode se
desligar
mais dela.
Let’s Go - Atualmente você está afastada da
gestão do XVIII. Quando você percebeu que
era o momento de priorizar outros trabalhos?
AF - A burocracia brasileira, não é só a baiana,
é
do século XVIII. O que eu gastei de tempo com a
burocracia
é de enlouquecer. Isso eu não faço mais
de
maneira alguma.
Let’s Go - Você aceitaria algum cargo público?
AF - Eu já fui convidada a ocupá-los e recusei todos.
Eu
não teria a menor condição intelectual de lidar
com
eles. Duplamente por causa da burocracia,
porque
você pode fazer muito pouco e muito mal
aquilo
que na verdade você sabe fazer.
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“Os setores de política
cultural no Brasil estão
como cegos no meio de
um tiroteio. É para isso
que serve o intelectual,
para pensar, dizer,
escrever e, sobretudo,
interagir. Se ele não fizer
isso, ninguém o faz”
Aninha Franco na
cozinha onde recebe
amigos e se dedica à
gastronomia, uma de
suas grandes paixões, e
com o Exu que guarda
sua república, no
Pelourinho.
Let’s Go - Para você, o teatro é uma forma de
fazer política. Foi o trabalho à frente do XVIII
que te levou a ser assim?
AF - Não. Eu sou um ser político. O teatro me
interessou
no momento em que percebi que ele
pode
ser uma grande ferramenta política.
Let’s Go - Há cinco anos, você escreve uma
coluna semanal em uma revista e aborda
temas delicados que poucos ousam falar.
Como você escolhe os assuntos que vai tratar?
AF - Eu leio muito a opinião das pessoas. O
Facebook
me dá dicas maravilhosas. Antes do
Facebook,
eu vivia atracada com os jornais e a
primeira
coisa que lia era a opinião do leitor. Estou
o
tempo inteiro ligada no outro, naquilo que as
pessoas
pensam. É a primeira coluna com a qual eu
consigo
atingir uma população tão díspar. Quando
eu
passo na Ceasinha, o peixeiro comenta se gostou
ou
não, o garçom do Ex-Tudo diz: “Eu e minha
família
inteira ficamos brigando pra ver quem lê
primeiro”.
É como se eu estivesse conversando com
as
pessoas o tempo todo.
Let’s Go - Você passou a ter mais “dedos”
com o que publica no Facebook depois
da repercussão que teve o seu comentário
sobre uma oficina de palhaços para
adultos com deficiência mental que
ganhou editais?
AF - Nenhum. Eu não me arrependo de nada
que
eu escrevo, e quando me arrependo, coloco
imediatamente
lá. Não tenho problema nenhum
com
isso. É para isso que serve o intelectual, para
pensar,
dizer, escrever e, sobretudo, interagir. Se
ele
não fizer isso, ninguém o faz.
Let’s Go - Você fez duras críticas às políticas
culturais das últimas gestões estadual e
municipal. Quais são as suas expectativas em
relação às novas gestões?
AF - Ainda não estou vendo nada, nem no âmbito
nacional.
Os setores de política cultural no Brasil
estão
como cegos no meio de um tiroteio. Edital
é
uma ferramenta, não é uma política. Você não
pode
pegar uma ferramenta e transformar em
uma
política. Você destrói tudo.
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Tanialigiap
Essa entrevista é da REVISTA LET’S GO, baiana por
excelência, de qualidade que supera o bom padrão jornalístico, presidida por
Ademar Albuquerque, que ousei transcrevê-la, sem autorização, para saudar a
grande poeta baiana Aninha Franco e fazer coro com os que apontam a Revista
LET’S GO como grande marco do editorialismo desta terrinha, cuja sociedade
ainda padece do ranço da inveja, observado por Otávio Mangabeira, ao anotar:
“os baianos gastam mim cruzeiros para que o seu conterrâneo não ganhe dez.”
LCFACÓ
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