Crônica de Jayme Barbosa*
Fernando
Sabino conta que durante o happy hour nua cervejaria de Munique encontrou um
alemão fascinado pelo Brasil. Após incontáveis chopes, o bávaro confessou o
real motivo da atração: aquele iskulambaçon! Qui iskulambaçon!
Iskulambaçon
à parte, talvez pelo tamanho do chão e largura dos oceanos em volta, incomum
afeição a estrangeiros em geral. Chego a
pensar que nordestino nascido no exterior ia suportar cortesia até de paulista.
Essas coisas
me lembram o ano da nossa formatura: 1960. Completávamos circuito, chamado à
época embaixada cultural, por alguns países europeus. Bons tempos!
Chegamos a
Nice de noite. Pela manhã, saí com colega em busca de alpercatas para
caminharmos na pedregosa praia. Entramos na primeira sapataria. Nossa mais
elaborada expressão em francês não ultrapassava o: je ne parle pas rien de français. Durante a experimentação, o dono
da loja conseguiu, não sem esforço, saber nossa origem. Ante a resposta –
brésilien – o francês agitou-se e, sem dizer pra quê, correu a buscar um
chileno em loja vizinha. Aguardamos o pior.
Acode então
à porta homo andinus. Franja incaica e imenso sorriso na cara redonda.
Brasileiros? Perguntou quase sem sotaque. Daí partiu para uma rara saudação: “é
a primeira vez que encontro brasileiro aqui nesta merda” (estávamos em plena
Côte d’Azur, é bom lembrar). Então, explicou Miguel que saíra de Santiago para
tentar a vida como cantor de televisão em São Paulo. Ouvimos a declaração com
alguma reserva, naturalmente.
Levou-nos
então à sua loja – pequeno negócio de conveniências. No caminho, disse ter
encontrado em São Paulo uma francesa, que lá morava havia 20 anos. Gostaram-se,
casaram-se. Depois, deu saudade na moça: resolveram mudar para a França e lá
estavam. A mulher, apresentada em seguida, pois trabalhava com ele no negócio,
era simpática e suportava com a resignação possível os desabafos do marido.:
“francês, além de miserável, não toma banho” e coisas que tais.
“Hoje, não
trabalho mais”, sentenciou em seguida, “nunca fui tão bem tratado na vida
quanto no Brasil”; isso disse e repetiu durante o curto tempo da nossa
convivência. “Vamos a Mônaco”, interrompeu o rapaz. E fomos nós desfrutar a
paisagem da famosa baía, montados num carro esporte conversível, enquanto Miguel
enaltecia os brasileiros e baixava o pau nos franceses.
Rodamos a
cidade, jogamos no grande cassino, voltamos a Nice. Conferimos as !melhores da
praia” e concordamos que não se comparavam às brasileiras; bebemos e comemos.
À noite, o
casal nos levou a Cannes, onde fomos a uma imensa pizzaria socada de gente.
Estávamos ainda nos aperitivos quando passou por nossa mesa uma dupla de
cantores napolitanos. Miguel, com notável desenvoltura, apossou-se do violão de
um deles; dedilhou com competência uns acordes e abriu o peito: Tu não te
lembras da casinha pequenina/ Onde o nosso amor nasceu... o chileno tinha, de
fato, voz extraordinária, que fez calar o restaurante. Choveram aplausos e
muitos cumprimentos, inclusive de alguns elementos do nosso consulado na
região.
Foi aí
depois de ouvir música brasileira tão bem cantada pelo vizinho sulamericano em
chão francês, baixou-nos o fervor globalitário
e, num exagero só permitido aos jovens estimulados por quantidades
generosas de vinho, entoamos: Le jour de
gloire est arrivé. Afinal, além de tudo, a mulher de Miguel era francesa.
* Segundo o titular deste Blog, Jayme Barbosa foi o maior cronista que a
Bahia já conheceu.
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