quinta-feira, 31 de julho de 2014

A GLÓRIA EFÊMERA

Crônica de Jayme Barbosa*


Fernando Sabino conta que durante o happy hour nua cervejaria de Munique encontrou um alemão fascinado pelo Brasil. Após incontáveis chopes, o bávaro confessou o real motivo da atração: aquele iskulambaçon! Qui iskulambaçon!
Iskulambaçon à parte, talvez pelo tamanho do chão e largura dos oceanos em volta, incomum afeição a estrangeiros em geral.  Chego a pensar que nordestino nascido no exterior ia suportar cortesia até de paulista.
Essas coisas me lembram o ano da nossa formatura: 1960. Completávamos circuito, chamado à época embaixada cultural, por alguns países europeus. Bons tempos!
Chegamos a Nice de noite. Pela manhã, saí com colega em busca de alpercatas para caminharmos na pedregosa praia. Entramos na primeira sapataria. Nossa mais elaborada expressão em francês não ultrapassava o: je ne parle pas rien de français. Durante a experimentação, o dono da loja conseguiu, não sem esforço, saber nossa origem. Ante a resposta – brésilien – o francês agitou-se e, sem dizer pra quê, correu a buscar um chileno em loja vizinha. Aguardamos o pior.
Acode então à porta homo andinus. Franja incaica e imenso sorriso na cara redonda. Brasileiros? Perguntou quase sem sotaque. Daí partiu para uma rara saudação: “é a primeira vez que encontro brasileiro aqui nesta merda” (estávamos em plena Côte d’Azur, é bom lembrar). Então, explicou Miguel que saíra de Santiago para tentar a vida como cantor de televisão em São Paulo. Ouvimos a declaração com alguma reserva, naturalmente.
Levou-nos então à sua loja – pequeno negócio de conveniências. No caminho, disse ter encontrado em São Paulo uma francesa, que lá morava havia 20 anos. Gostaram-se, casaram-se. Depois, deu saudade na moça: resolveram mudar para a França e lá estavam. A mulher, apresentada em seguida, pois trabalhava com ele no negócio, era simpática e suportava com a resignação possível os desabafos do marido.: “francês, além de miserável, não toma banho” e coisas  que tais.

“Hoje, não trabalho mais”, sentenciou em seguida, “nunca fui tão bem tratado na vida quanto no Brasil”; isso disse e repetiu durante o curto tempo da nossa convivência. “Vamos a Mônaco”, interrompeu o rapaz. E fomos nós desfrutar a paisagem da famosa baía, montados num carro esporte conversível, enquanto Miguel enaltecia os brasileiros e baixava o pau nos franceses.
Rodamos a cidade, jogamos no grande cassino, voltamos a Nice. Conferimos as !melhores da praia” e concordamos que não se comparavam às brasileiras; bebemos e comemos.
À noite, o casal nos levou a Cannes, onde fomos a uma imensa pizzaria socada de gente. Estávamos ainda nos aperitivos quando passou por nossa mesa uma dupla de cantores napolitanos. Miguel, com notável desenvoltura, apossou-se do violão de um deles; dedilhou com competência uns acordes e abriu o peito: Tu não te lembras da casinha pequenina/ Onde o nosso amor nasceu... o chileno tinha, de fato, voz extraordinária, que fez calar o restaurante. Choveram aplausos e muitos cumprimentos, inclusive de alguns elementos do nosso consulado na região.
Foi aí depois de ouvir música brasileira tão bem cantada pelo vizinho sulamericano em chão francês, baixou-nos o fervor globalitário e, num exagero só permitido aos jovens estimulados por quantidades generosas de vinho, entoamos: Le jour de gloire est arrivé. Afinal, além de tudo, a mulher de Miguel era francesa.

* Segundo o titular deste Blog, Jayme Barbosa foi o maior cronista que a Bahia já conheceu. 

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