segunda-feira, 28 de julho de 2014

DOS PRONÔMICOS TRATAMENTÍCIOS

Crônica de JAYME BARBOSA

Com o cê, chegamos à suprema concisão do dissilábico ocê, ambos nascidos de você, que veio de vossa mercê, todos sabem. Entre este e aquele surgiram vossemecê, vossancê e vosmecê. Nos intervalos, o povo falava mecê, vassuncê, ossuncê, e vancê, última corruptela antes de você. Cê tá manjando? Também há muitos que, para tratamento mais íntimo, preferem tutuar, percebes? Pois esses pronomes e suas infinitas variações são usados apenas desimportantes mortais, como você e eu.
Quando se quer manter distanciamento respeitoso castiga-se, para atrapalhar a comunicação, o senhor a senhora. Nos escritos, pior ainda, Vossa Senhoria. Qualquer zé mané em correspondência, ofício, requerimento vira Vossa Senhoria. E alguns ganham até, mesmo sem sê-lo, o doutor, título já consagrado em botecos pra que paga a conta. Vá ver que, por isso, altas autoridades invocaram a si o diferenciado Vossa Excelência, como se tratam os nobres ilustres deputados, mesmo para trocar ofensas e xingamentos.
Veja como o nosso (Pero Vaz) Caminha se dirigiu a D. Emanuel, venturoso rei de Portugal, há pouco mais de 500 anos. Começa a carta com um simples senhor, sem mais nada, e depois: “Posto que...”. Mas já no segundo parágrafo, por precaução, ataca: “Todavia, tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade...”. Dizem que o vossa foi inventado à época para marcar separação entre nobreza e plebe.

Daí a igreja, pra também mostrar poder, passou a distinguir os padrecos com Vossa Reverendíssima. Bispo e arcebispo com Vossa Excelência Reverendíssima. Isso até lembra Firmino Cambão, prefeito de Tabocas do Brejo Velho anos atrás, recebendo visita de ilustre bispo mineiro, que chegou àquelas plagas san-franciscanas depois de dias de penosa viagem. Firmino, que aprendera o tratamento do título, mas desconhecia silepse de gênero (figura pela qual a concordância das palavras se faz de acordo com o sentido e não segundo as regras da sintaxe), inquiriu a rotunda autoridade: “Vossa Excelência Reverendíssima está cansada?, ao que o bispo incontinenti respondeu: “Cansada, eu? Estou morta, acabada, liquidada”. Veja no que dá o excesso tratamentoso.
Não para nisso, contudo, a eclesiástica titulação.
Depois vêm as ordens superiores com direito a Vossa Paternidade. Daí pra diante só cardeal, Vossa Eminência, e o papa, Vossa Santidade.
Reitor recebe o notável tratamento de Vossa Magnificência. Príncipes e duques são tratados por Vossa Alteza; reis e rainhas, Vossa Majestade. Na língua inglesa, que carece do vossa, tratam-se reis e rainhas, Vossa Majestade. Na língua inglesa, que carece do vossa, tratam-se reis e rainhas, por Your Majesty ou Your Highness. Aí, para referir-se à nobreza de quem fala, que nós usamos o seu ou sua (Sua Alteza, a rainha, tava hoje de fechar comércio), eles usam o His ou Her Majesty, e tamos conversados.
Dá pra ver que a questão pronominal tratamentícia é variada, ampla e complexa. Não sem motivo, declarou Sylvio Romero, ao saudar Euclides da Cunha na Academia Brasileira de Letras, que preferia os que sabem bem colocar as ideias aos que colocam bem os pronomes. Embutiu aí velada crítica às colocações pronominais do autor de Os Sertões.
Pois agora, 100 anos depois, descobrimos que, para atende recomendação do Manual de Redação da Presidência da República, o nosso diretor geral é referido no endereçamento das correspondências federais como: A Sua Senhoria o Senhor. Concordamos todos da Superintendência por ele dirigida que, além do merecido respeito, o nosso estimado diretor ganhou também status de santidade. Apois, tá certo.

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