Por Aluísio Azevedo
(Foi preservada a ortografia original)
Se a nação tivesse de eleger um brasileiro de bom gosto para
representá-la lá fora, eu votaria nele.
Votaria, por uma razão muito simples: porque, de todos os
brasileiros que eu conheço, ele é que tem uma compreensão mais lúcida do que
vem a ser isto de "bom gosto".
Conheço muitos patrícios elegantes, distintos, com o paladar bem
educado, não há dúvida alguma; mas é que, em geral, quando um sabe ver não sabe
ouvir, quando outro sabe dizer, não sabe sentir.
E o França, vê, diz, ouve e sente.
Pode ser que alguém o faça isoladamente melhor do que ele; porém,
mais afinadamente, isso é que não.
Sua toilette, sua filosofia, seu espírito, seus hábitos,
suas: relações, seu humor, tudo está dominado pela mesma corrente de
originalidade e perfeitamente afinado entre si.
Ele não se parece com pessoa alguma, o que é bom; e ninguém
procura se parecer com ele, o que é melhor.
Quem quisesse provar que não tem espírito de espécie alguma, não
precisava ouvir as conferências da Glória, ou levar o desespero a ponto de ler
os A pedidos do jornal do
sr. Castro. Não! Bastava antipatizar com o França.
O França é
homem que, visto pela primeira vez, nos faz vontade de ouvi-lo; ouvindo-o temos
desejo de ouvi-lo mais, e, se o ouvimos mais, acabou-se... ficamos amigos.
Então, se fala sobre belas-artes!... adeus, minhas encomendas!
Basta dizer que o diabo do homem correu todos os museus da Europa,
freqüentou salões, câmaras políticas, clubes, teatros, ateliers, bondoirs, o inferno!
Para cada fato opõe uma anedota; para cada tipo um bom dito; e
para cada mulher um galanteio.
E é sempre o mesmo gentleman em toda a parte. Sabe tão bem
conduzir uma questão política pela imprensa, como escrever um folhetim
literário, dissertar sobre um Corrégio, ou conduzir uma senhora na valsa.
Com o seu bom humor, com a sua vigorosa mocidade, descobre sempre
em todas as cousas um lado alegre, que o faz sorrir.
Por intermédio de seus numerosos folhetins de fina observação e
graciosa crítica, vive em todas as províncias do Brasil, e convive com toda a
parte da população fluminense que sabe ler.
Mas a sua veia principal é a comédia. Seria um grande
comediógrafo, se o nosso teatro não fosse uma grande mentira. Contudo, com o
que ele fez até hoje, deixa adivinhar o que seria capaz de fazer.
A literatura para ele foi sempre um diletantismo elegante; nunca
esperou que ela lhe dispensasse alguma cousa em troca do muito que ele lhe tem
dado.
E, além de tudo isso, não sua.
Seus colarinhos e seus punhos têm sempre a mesma
irrepreensibilidade aristocrática.
Nunca perde a linha.
Detesta o chinelo e tem horror ao bocejo. Não usa corrente no
relógio; veste-se de acordo com a estação e fala cinco ou seis línguas,
correntemente.
Uma ocasião, na Tijuca, um português, que trabalhava em uma
pedreira, exclamou ao vê-lo aproximar-se:
- Mussiu, não passa agora. Mim vai lasca fogo na pedra.
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Ah! dizem também que é um magistrado de mão cheia.
Pode ser.
O Globo, 5 de abril de 1882.
Henrique Venceslau
Acabamos neste instante de ler a notável tese do Dr. Henrique Venceslau, e é ainda sob a mais
bela impressão que vamos falar desse trabalho.
Afastando-se dos processos comuns em geral empregado na elaboração
desse gênero de estudo, quase sempre feitos a contragosto, para cumprir uma formalidade de curso, e quase
sempre mal escritos e insuportavelmente impregnados do cheiro de banco de
academia, este novo médico imprimiu à sua tese inaugural um franco
desenvolvimento de obra espontânea e até certo cunho de individualidade
crítica, que lhe dão especial valor.
Quis fazer uma simples tese e fez afinal um livro, que
se lê com interesse de princípio a fim, graças à fina observação, e à
sinceridade com que o autor acompanha todas as fases do desenvolvimento
orgânico da mulher, não com a pose fria de um médico que se compraz
em acachapar o leitor sob uma chuva de termos técnicos e complicados, mas com a
clareza elegante de um analista literário, que se enamora do seu assunto e toma
pela mão e faz carinhosamente assentar-se a seu lado a débil e feminil criatura
que observa.
Não se limita porém ao drama fisiológico que tem por
teatro o delicado corpo de uma mulher; drama encantador que começa com a
alvorada cor-de-rosa da puberdade e vai crescendo e atravessando todo o
vermelho e fecundo período catamenial, e que acaba no frio e pálido crepúsculo
da menopausa; drama singelo, como a vida de urna flor, que desabotoa, e acorda
e abre sorrindo para o céu as suas pétalas mimosas, e atrai com o perfume e com
o brilho das suas cores o namorado inseto, portador do pólen fecundante; e que
afinal, ao cair da noite, pende da haste, emurchecida e inútil, sem nunca mais
erguer o colo para o sol e para o amor.
Não se limita o autor a estudar esse drama simples que
é a vida das mulheres e das rosas, entra vitoriosamente pelo mundo moral, e
acompanha o outro drama da constituição íntima, o drama complicado e infernal
dos fenômenos psíquicos, que são a antítese daquele.
Ou muito nos enganamos, ou nesse moço observador e
nesse médico comovido e talentoso que acaba de sair da academia, atirando ao
público um livro que impressiona, há estofo para fazer um escritor de primeira
ordem.
Esperamos que Henrique Venceslau não seja para o
futuro inteiramente absorvido pela clínica e venha ainda a enriquecer a nossa
ciência e a nossa literatura, dando-nos livros que instruam e deleitem ao mesmo
tempo.
A sua bela tese, se é o fecho de um curso, é também o
início de uma nova carreira.
Parabéns à medicina e às letras.
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