sexta-feira, 1 de agosto de 2014

75 ANOS INCRÍVEIS DE MATEMÁTICA E ARTE - ATÉ NO FUTEBOL

Por
Marcio Luis Ferreira Nascimento

Luiz Barco

 No dia 6 de março último, uma quinta feira pós carnaval, o matemático e comunicador brasileiro Luiz Barco comemorou 75 anos de vida. Bacharel, licenciado e mestre em Matemática, além de especialista e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), é professor titular aposentado da Escola de Comunicação e Artes da USP, membro desde 1991 da Academia Paulista de Educação (www.APEDU.org.br) ocupando a cadeira numero 15. Autor das séries televisivas “Teleaula” (1974), “Telecurso Segundo Grau” (1980) e “Arte & Matemática” (2001), vencedoras de três Prêmios Internacionais, é reconhecido como um dos maiores divulgadores da Matemática no país, além de torcedor apaixonado pelas cores do São Paulo Futebol Clube.

Nascido em Itararé, situada na divisa do estado de São Paulo e do Paraná, teve uma infância muito pobre, pois perdeu o pai cedo, quando tinha 5 anos. Sua mãe era de origem portuguesa e precisou trabalhar de empregada doméstica para manter a família com duas crianças pequenas. Segundo Barco, que tem uma irmã mais jovem, sua mãe só o deixava ir para a rua depois de ler duas páginas de alguns poucos livros que tinha em casa (um deles de matemática), e foi assim que se alfabetizou.



Diz que foi inspirado por matemáticos do porte de Luiz Henrique Jacy Monteiro (1921-1975) e Benedito Castrucci (1909-1995), que inclusive foram orientadores de mestrado e doutorado respectivamente. Casado com D. Maria Guilhermina, tem quatro filhos: Bruno Luiz, Laura Jane, Léa Denise e Lilian Cristina, além de cinco netos.

No inicio da carreira foi professor do antigo ensino médio. Já na universidade foi chefe do Departamento de Comunicação e Artes da ECA-USP de 1982 a 1986, coordenador de Comunicação Social em 1993 e Pró-Reitor de Graduação em 1996 da USP. Foi ainda Diretor Geral do Hospital de Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio Palatais de Bauru (HPRLLP-USP). Ministra palestras e aulas com maestria, calma, clareza e humor, sem utilizar qualquer recurso, sejam notas manuscritas ou slides. Ainda por cima é capaz de declamar poemas, cantar músicas e revelar até mesmo a matemática por trás de poesias. Aliás, uma breve conversa com ele significa ouvir histórias fulgurantes e entusiasmadas sobre ensino, vida, e também matemática.

É autor de mais de duzentas publicações em revistas de circulação nacional e internacional. Em particular, entre 1987 e 2000 assinou mensalmente uma coluna de divulgação matemática na revista Superinteressante intitulada “Dois Mais Dois” desde o primeiro número. Por sinal, insiste até hoje em escrever a mão, e a lápis, com uma bela letra cursiva, seus artigos e aulas, ao invés de utilizar computador. Publicou diversos livros e capítulos de livros de destaque, sendo as últimas publicações: “Alfabetização Matemática” (IBEP, 2008) e “2+2”, A Aventura de um Matemático no Campo da Comunicação (Humanidades, 1998). Orientou impressionantes 23 dissertações de mestrado e 9 teses de doutorado.

Segundo ele, “o grande erro no ensino da Matemática é que não há mais prazer no aprendizado”. Aliás, já dizia que “samba e futebol, felizmente, não se aprende na escola” (Superinteressante 68, 1990). Por falar em futebol e Copa do Mundo, certa feita ministrou uma aula magnífica no Rio de Janeiro, que tempos depois virou uma coluna da revista (Superinteressante 123, 1997). Afirmava que era possível realizar um sorteio justo de uma partida de futebol, como na Copa do Mundo ou no Campeonato Brasileiro, mesmo com uma moeda desonesta.



A justificativa é simples: uma moeda que mostra mais uma face do que outra pode ser considerada desonesta. Mas mesmo assim, é possível utilizar de uma propriedade da matemática chamada de “principio multiplicativo”. Em outras palavras, se alguma escolha pode ser feita de “n” maneiras diferentes e alguma escolha subsequente pode ser feita de “p” maneiras diferentes, então há “n vezes p” jeitos de se fazer as duas escolhas. Pode parecer um tanto óbvio esse princípio, mas quando usado adequadamente ele é um poderoso conceito. No cálculo das probabilidades, por exemplo, quando dois eventos são independentes, isto é, quando o resultado de um não afeta o do outro, a probabilidade de ambos ocorrerem é calculada multiplicando-se as probabilidades dos eventos individuais.
Veja como funciona: para uma moeda honesta, há uma probabilidade estimada de 1/2 (uma em duas chances iguais) de dar cara (C) ou de dar coroa (K). Ou seja: p(C) = 1/2 e p(K) = 1/2. Se lançarmos duas dessas moedas também teremos igual chance (1/4) de obter qualquer um dos quatro resultados possíveis: cara-cara (C,C), cara-coroa (C,K), coroa-cara (K,C) e coroa-coroa (K,K). Como o resultado de uma das moedas não afeta o resultado da outra, poderíamos ter calculado a probabilidade assim: P(C,C) = P(C) vezes P(C), ou seja, p(C,C) = 1/2 vezes 1/2 = 1/4.

Bem, já temos aqui os meios para nos proteger de uma moeda desonesta. Imaginemos que o juiz tenha uma dessas moedas e que a chance de resultar coroa seja muito maior que a chance de resultar cara, digamos 80% contra 20%. Teríamos, então, que p(K) = 0,8 e p(C) = 0,2. Basta que em lugar de apostarmos cara ou coroa em um lançamento, combinemos que se vai lançar a moeda duas vezes e que cada um dos capitães escolherá ou cara, coroa (C,K), nessa ordem, ou coroa, cara (K,C). Veja por quê: p(C,K) = p(C) vezes p(K) = 0,2 vezes 0,8 = 0,16; e p(K,C) = P(K) vezes P(C) = 0,8 vezes 0,2 = 0,16. Assim, ambos apostam em chances iguais. Se resultarem duas caras ou duas coroas? Bem, que se prossiga, com lançamentos duplos.


Boa parte das pessoas nem imagina quanta matemática existe nos jogos de futebol. Ela pode estar presente na elaboração das tabelas de jogos, na geometria do campo e nas diversas estatísticas, que permitem avaliar o desempenho de cada time – como a média de gols, número de passes errados ou certos etc. Mas tornar a matemática aprazível, e mesmo compreensível é uma tarefa (ainda) para poucos, como para o Prof. Barco, que continua firme, forte e atuante, realizando pesquisas de ponta, orientando alunos, publicando trabalhos, realizando palestras (muitas delas sem cobrar um centavo). Por sinal, ao ser questionado porque fazia isto, respondia: “– Mas eles pagaram minha passagem...”. Como lembrou Almyr Gajardoni, jornalista e primeiro diretor de redação da Superinteressante, “em tudo que se dispõe a fazer, por trivial que seja, Barco encontra maneira de ensinar coragem, bravura, ética, inconformismo – virtudes que até parecem estar um pouco em moda, neste momento”. Nomes como o de Luiz Barco, um brasileiro como poucos, deveriam ser sempre lembrados em nosso país, homenageando suas importantes contribuições para a ciência, ensino, arte, imaginação e matemática. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário