Por
Marcio Luis Ferreira Nascimento
Luiz Barco
No dia 6 de março último, uma quinta feira
pós carnaval, o
matemático e comunicador brasileiro Luiz
Barco comemorou 75 anos de vida. Bacharel, licenciado e mestre em
Matemática, além de especialista e doutor em Ciências da Comunicação pela
Universidade de São Paulo (USP), é professor titular aposentado da Escola de
Comunicação e Artes da USP, membro desde 1991 da Academia Paulista de Educação
(www.APEDU.org.br) ocupando
a cadeira numero 15. Autor das séries televisivas “Teleaula” (1974), “Telecurso
Segundo Grau” (1980) e
“Arte & Matemática” (2001), vencedoras de três Prêmios Internacionais, é
reconhecido como um dos maiores divulgadores da Matemática no país, além de
torcedor apaixonado pelas cores do São Paulo Futebol Clube.
Nascido em Itararé, situada na divisa do estado de
São Paulo e do Paraná, teve uma infância muito pobre, pois perdeu o pai cedo,
quando tinha 5 anos. Sua mãe era de origem portuguesa e precisou trabalhar de
empregada doméstica para manter a família com duas crianças pequenas. Segundo
Barco, que tem uma irmã mais jovem, sua mãe só o deixava ir para a rua depois
de ler duas páginas de alguns poucos livros que
tinha em casa (um deles de matemática), e foi assim que se alfabetizou.
Diz que foi inspirado por matemáticos do porte de
Luiz Henrique Jacy Monteiro (1921-1975) e Benedito Castrucci (1909-1995), que
inclusive foram orientadores de mestrado e doutorado respectivamente. Casado com
D. Maria Guilhermina, tem quatro filhos: Bruno Luiz, Laura Jane, Léa Denise e
Lilian Cristina, além de cinco netos.
No inicio da carreira foi professor do antigo
ensino médio. Já na universidade foi chefe do Departamento de Comunicação e
Artes da ECA-USP de 1982 a 1986, coordenador de Comunicação Social em 1993 e
Pró-Reitor de Graduação em 1996 da USP. Foi ainda Diretor Geral do Hospital de
Pesquisa e Reabilitação de Lesões Lábio Palatais de Bauru (HPRLLP-USP).
Ministra palestras e aulas com maestria, calma, clareza e humor, sem utilizar
qualquer recurso, sejam notas manuscritas ou slides. Ainda por
cima é capaz de declamar poemas, cantar músicas e revelar até mesmo a
matemática por trás de poesias. Aliás, uma breve conversa com ele significa
ouvir histórias fulgurantes e entusiasmadas sobre ensino, vida, e também matemática.
É autor de mais de duzentas publicações em revistas
de circulação nacional e internacional. Em particular, entre 1987 e 2000
assinou mensalmente uma coluna de divulgação matemática na revista
Superinteressante intitulada “Dois Mais Dois” desde o primeiro número.
Por sinal, insiste até hoje em escrever a mão, e a lápis, com uma bela letra
cursiva, seus artigos e aulas, ao invés de utilizar computador. Publicou
diversos livros e capítulos de livros de destaque, sendo as últimas
publicações: “Alfabetização Matemática” (IBEP, 2008) e “2+2”, A Aventura de um
Matemático no Campo da Comunicação (Humanidades, 1998). Orientou
impressionantes 23 dissertações de mestrado e 9 teses de doutorado.
Segundo ele, “o grande erro no ensino da Matemática
é que não há mais prazer no aprendizado”. Aliás, já dizia que “samba e futebol,
felizmente, não se aprende na escola” (Superinteressante 68,
1990). Por falar em futebol e Copa do Mundo, certa feita ministrou uma aula
magnífica no Rio de Janeiro, que tempos depois virou uma coluna da revista (Superinteressante 123,
1997). Afirmava que era possível realizar um sorteio justo de uma partida de
futebol, como na Copa do Mundo ou no Campeonato Brasileiro, mesmo com uma
moeda desonesta.
A justificativa é simples: uma moeda que mostra
mais uma face do que outra pode ser considerada desonesta. Mas mesmo assim, é
possível utilizar de uma propriedade da matemática chamada de “principio
multiplicativo”. Em outras palavras, se alguma escolha pode ser feita de “n”
maneiras diferentes e alguma escolha subsequente pode ser feita de “p”
maneiras diferentes, então há “n vezes p” jeitos de se
fazer as duas escolhas. Pode parecer um tanto óbvio esse princípio, mas quando
usado adequadamente ele é um poderoso conceito. No cálculo das probabilidades,
por exemplo, quando dois eventos são independentes, isto é, quando o resultado
de um não afeta o do outro, a probabilidade de ambos ocorrerem é calculada
multiplicando-se as probabilidades dos eventos individuais.
Veja como funciona: para uma moeda honesta, há uma
probabilidade estimada de 1/2 (uma em duas chances iguais) de dar cara (C)
ou de dar coroa (K). Ou seja: p(C) = 1/2 e p(K)
= 1/2. Se lançarmos duas dessas moedas também teremos igual chance (1/4) de
obter qualquer um dos quatro resultados possíveis: cara-cara (C,C),
cara-coroa (C,K), coroa-cara (K,C) e coroa-coroa (K,K).
Como o resultado de uma das moedas não afeta o resultado da outra, poderíamos
ter calculado a probabilidade assim: P(C,C) = P(C)
vezes P(C), ou seja, p(C,C) = 1/2
vezes 1/2 = 1/4.
Bem, já temos aqui os meios para nos proteger de
uma moeda desonesta. Imaginemos que o juiz tenha uma dessas moedas e que a
chance de resultar coroa seja muito maior que a chance de resultar cara,
digamos 80% contra 20%. Teríamos, então, que p(K) = 0,8
e p(C) = 0,2. Basta que em lugar de apostarmos cara ou coroa
em um lançamento, combinemos que se vai lançar a moeda duas vezes e que cada um
dos capitães escolherá ou cara, coroa (C,K), nessa ordem, ou
coroa, cara (K,C). Veja por quê: p(C,K)
= p(C) vezes p(K) = 0,2 vezes 0,8 = 0,16;
e p(K,C) = P(K) vezes P(C)
= 0,8 vezes 0,2 = 0,16. Assim, ambos apostam em chances iguais. Se resultarem
duas caras ou duas coroas? Bem, que se prossiga, com lançamentos duplos.
Boa parte
das pessoas nem imagina quanta matemática existe nos jogos de futebol. Ela pode
estar presente na elaboração das tabelas de jogos, na geometria do campo e nas
diversas estatísticas, que permitem avaliar o desempenho de cada time – como a
média de gols, número de passes errados ou certos etc. Mas tornar a
matemática aprazível, e mesmo compreensível é uma tarefa (ainda) para
poucos, como para o Prof. Barco, que continua firme, forte e atuante,
realizando pesquisas de ponta, orientando alunos, publicando trabalhos,
realizando palestras (muitas delas sem cobrar um centavo). Por sinal, ao ser
questionado porque fazia isto, respondia: “– Mas eles pagaram minha
passagem...”. Como lembrou Almyr Gajardoni, jornalista e primeiro diretor de
redação da Superinteressante, “em tudo que se dispõe a fazer, por
trivial que seja, Barco encontra maneira de ensinar coragem, bravura, ética,
inconformismo – virtudes que até parecem estar um pouco em moda, neste
momento”. Nomes como o de Luiz Barco, um brasileiro como poucos, deveriam ser
sempre lembrados em nosso país, homenageando suas importantes contribuições
para a ciência, ensino, arte, imaginação e matemática.
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