sexta-feira, 22 de agosto de 2014

O CAOS OU A COMPLEXIDADE EM SISTEMAS ECONÔMICOS

Fernando Alcoforado*

Fernando Alcoforado ao centro e à direita Luiz Carlos Facó

 Apoiado nas leis da Física newtoniana descritas por meio de equações diferenciais, os
cientistas acreditavam durante muito tempo que a natureza era determinista sabendo que com base nelas, era possível prever todos os fenômenos. Por volta da virada do século XIX para o século XX, os avanços nas ciências naturais e da matemática colocaram sérias dúvidas sobre a validade da visão mecanicista newtoniana. A teoria da relatividade e a mecânica quântica colocaram em xeque a visão de mundo determinista.

A mecânica quântica introduziu o princípio da incerteza. A Teoria do Caos ou a Ciência
da Complexidade representou um dos grandes avanços na pesquisa científica do século XX terminando com a dicotomia que existia no enfoque determinista tradicional entre determinismo e aleatoriedade.


No enfoque determinista tradicional, a incerteza era vista como resultado da ignorância das diferentes causas envolvidas na realização de um evento, bem como da
complexidade do mesmo. Em 1908, o matemático francês Henri Poincaré (1854-1912),
que havia estudado os sistemas matemáticos não lineares chegou a conclusões que, ao
longo do tempo, seriam importantes para conceituar a Teoria do Caos. Poincaré afirmou que, se soubermos exatamente as leis naturais que governam a evolução do Universo, podemos prever exatamente sua situação em qualquer momento posterior do tempo, mas como nunca podemos saber exatamente o estado inicial do Universo sempre estaria cometendo um erro para defini-la. Em outras palavras, o estado inicial do Universo só pode ser conhecido com alguma aproximação. Mesmo admitindo que pudéssemos determinar as leis que regem a sua evolução, a nossa previsão de qualquer estado posterior também seria aproximada.

Até então aproximar as previsões não seria atribuível à existência do caos na realidade,
mas uma limitação no nosso conhecimento das condições iniciais. Henri Poincaré
percebeu em seus estudos pioneiros nesse campo que não são necessários sistemas
complexos para produzir aleatoriedade. Os estudos de Poincaré são atualizados na
década de 1960 graças ao matemático e meteorologista norte-americano Edward
Lorenz. Sua perplexidade teve muito a ver com a incapacidade de prever eventos
climáticos além de um certo número de dias. No início da década de 1960, Lorenz
começou a desenvolver um modelo matemático para prever fenômenos atmosféricos, e por acaso descobriu que a mesma ferramenta matemática utilizada produzia diferenças inesperadas e imprevisíveis no resultado ao simular pequenas mudanças nas condições iniciais.

Os esforços de Poincaré e Lorenz se somaram às contribuições de Benoit Mandelbrot
(engenheiro de comunicações), Edward Feigenbaum (matemático), Libchaber (físico),
Winfree (biólogo), Mandell (psiquiatra) e outros. A Teoria do Caos ou a nova Ciência
da Complexidade sugere que o mundo não deve seguir rigorosamente o modelo
determinista newtoniano, previsível e certo, porque tem aspectos caóticos. O observador não é quem cria instabilidade ou imprevisibilidade devido a sua ignorância porque estes fenômenos existem na natureza. Um exemplo típico é o clima. Os processos da realidade dependem de um enorme conjunto de circunstâncias incertas, que determinam, por exemplo, que qualquer pequena mudança em uma parte do planeta, haverá nos próximos dias ou semanas um efeito considerável sobre a outra parte da Terra. Esta condição também vale para o sistema econômico.

Segundo a Teoria do Caos ou a Ciência da Complexidade, o caos é uma "mistura" de
desordem e ordem que nascem de novas estruturas, chamadas estruturas "dissipativas". 

A Teoria do Caos sugere que o Universo tem um ciclo de ordem, desordem, ordem, e
assim sucessivamente. De modo que uma leva a outra e assim por diante, talvez
indefinidamente. Uma das principais implicações da Teoria do Caos tem a ver com o
retorno gerado em situações caóticas. Enquanto sistemas fechados têm um “feedback” negativo, sistemas abertos evoluem caoticamente pelo feedback positivo.

O “feedback” negativo tende a corrigir um desvio, levando o sistema ao seu estado
original. Um desequilíbrio é um desvio que é corrigido por um retorno ao equilíbrio
inicial. Tais processos se opõem à mudança, uma vez que sempre olham para trás para
voltar a um estado anterior. Por outro lado, o “feedback” positivo promove a mudança, a formação de novas estruturas, mais sofisticadas, mais adaptáveis, mais sutis. Na medida em que implica a criação de uma nova estrutura, os processos são irreversíveis, ao contrário do “feedback” negativo, que tendendo para o estado original, é reversível.

Os desvios neutralizam o “feedback” negativo e amplificam o “feedback” positivo.
Para exemplificar, se estamos a caminhar no deserto em direção a um objetivo distante, devemos, de vez em quando, corrigir nosso curso, neutralizando nosso desvio do alvo através de atualizações regulares sobre o nosso caminho. Mas se cometermos um erro de um milímetro do alvo, com o tempo o erro será ampliado mais e, eventualmente, chegaremos a um lugar longe da meta. No “feedback” negativo procuramos corrigir os desvios para retornar ao caminho original. No “feedback” positivo, pequenas mudanças podem induzir a grandes mudanças que levam a novas metas desconhecidas, talvez melhor, embora não possamos prever exatamente onde é que chegaremos.

Enquanto a ciência clássica centrada na estabilidade, no determinismo, enfatiza o
processo de “feedback” negativo que tende a reduzir a mudança, retornando o sistema à sua posição de equilíbrio, o “feedback” positivo promove a mudança e a instabilidade.

Exemplo: a inovação tecnológica cria um novo negócio e a presença deste, por sua vez,
estimula a geração de mais inovações. O “feedback” positivo significa que, quando
uma variável aumenta, o mesmo acontece com a outra (ou quando uma diminui, o
mesmo acontece com a outra). Isto explica como pequena mudança gera grande
mudança final (efeito borboleta).

A evolução requer instabilidade para que pequenos eventos sejam ampliados fato este
que só é possível em uma situação de não equilíbrio. A evolução requer a instabilidade, a irreversibilidade e a possibilidade de dar sentido a pequenos eventos para que uma mudança estrutural ocorra. A irreversibilidade torna possíveis coisas que seriam impossíveis em um estado de equilíbrio e proporciona uma lei construtiva importante, a origem de um novo estado e suas estruturas derivadas altamente complexas e sofisticadas, como o mercado ou a sociedade.

Uma vez que o processo resulta na criação de uma estrutura complexa, a estrutura de
dissipação, um novo ciclo de desequilíbrio ocorre e o caos recomeça onde ocorrem
novas instabilidades ou flutuações (Figura 2). Para Prigogine (químico russo, Nobel de
Química de 1977 pelos seus estudos em termodinâmica de processos irreversíveis com a formulação da teoria das estruturas dissipativas), todos os sistemas contêm subsistemas constantemente flutuantes. Às vezes, uma única variação em um deles pode ser tão poderosa como resultado de um “feedback” positivo, que quebra toda a organização existente. Nesse momento, chamado momento singular ou ponto de bifurcação, é inerentemente impossível saber para onde vai evoluir o sistema (estado de improbabilidade): desintegrar-se em caos ou saltar para um novo nível de organização superior e diferenciado ie, uma nova estrutura dissipativa.

A Figura 2 mostra o que acontece com um sistema dinâmico como o sistema econômico de um país quando está sujeito a “flutuações” que o leva a um ponto de bifurcação a partir do qual o sistema alcança uma nova estabilidade dinâmica (avanço
revolucionário) ou entra em colapso, segundo Ervin Laszlo (O Ponto do Caos. São
Paulo: Editora Cultrix, 200). A Figura 2 mostra que no ponto bifurcação o sistema tem
que ser reestruturado ou entrará em colapso. Esta é a situação vivida pela economia de muitos países, inclusive a do Brasil, que, após a crise que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos e se espraiou pelo planeta, não foi objeto de reestruturação de seu sistema econômico pelo governo brasileiro.

É oportuno observar que o caos está presente em uma ampla variedade de disciplinas da ciência. A pesquisa sobre o caos começou na década de 1970. Fisiologistas começaram a investigar por que o caos de batimentos cardíacos normais produzia uma parada cardíaca súbita, ecologistas analisaram como determinados locais do planeta sofreram mudanças aleatórias na natureza, engenheiros procuraram descobrir as causas do comportamento às vezes errático dos osciladores, químicos analisaram as causas das flutuações inesperadas nas reações dos produtos químicos e os economistas tentaram detectar algum tipo de ordem em mudanças inesperadas nos preços, etc. Na ciência clássica, o acaso era um intruso, mas a Teoria do Caos tornou-se sócia do determinismo.
A Teoria do Caos ou a Ciência da Complexidade apresenta uma perspectiva interessante do ponto de vista de sua aplicação à economia principalmente na explicação de fenômenos que parecem ter um comportamento disruptivo. Por trás da aparente desordem na economia, há uma dinâmica que pode ser explicada através de técnicas matemáticas e estatísticas apropriadas, típicas desta teoria. Em sistemas dinâmicos, como a economia, que mudam constantemente ao longo do tempo, pequenas alterações em um determinado momento, pode ser a causa de grande importância no futuro. A crise mundial que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos produziu várias consequências que se manifestam até hoje. Considerando que a economia capitalista é um sistema dinâmico, não linear e complexo, a dificuldade de planejar e antecipar problemas, exige a consideração das perspectivas de desenvolvimento de longo prazo. Significa que é
preciso planejar a economia reconhecendo que o caos e a complexidade estão presentes e que deve lidar com este cenário da melhor maneira possível.


Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do

Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.

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