Fernando
Alcoforado*
Fernando
Alcoforado ao centro e à direita Luiz Carlos Facó
Apoiado
nas leis da Física newtoniana descritas por meio de equações diferenciais, os
cientistas
acreditavam durante muito tempo que a natureza era determinista sabendo que com
base nelas, era possível prever todos os fenômenos. Por volta da virada do
século XIX para o século XX, os avanços nas ciências naturais e da matemática
colocaram sérias dúvidas sobre a validade da visão mecanicista newtoniana. A
teoria da relatividade e a mecânica quântica colocaram em xeque a visão de
mundo determinista.
A
mecânica quântica introduziu o princípio da incerteza. A Teoria do Caos ou a
Ciência
da
Complexidade representou um dos grandes avanços na pesquisa científica do
século XX terminando com a dicotomia que existia no enfoque determinista
tradicional entre determinismo e aleatoriedade.
No
enfoque determinista tradicional, a incerteza era vista como resultado da
ignorância das diferentes causas envolvidas na realização de um evento, bem
como da
complexidade
do mesmo. Em 1908, o matemático francês Henri Poincaré (1854-1912),
que
havia estudado os sistemas matemáticos não lineares chegou a conclusões que, ao
longo
do tempo, seriam importantes para conceituar a Teoria do Caos. Poincaré afirmou
que, se soubermos exatamente as leis naturais que governam a evolução do
Universo, podemos prever exatamente sua situação em qualquer momento posterior
do tempo, mas como nunca podemos saber exatamente o estado inicial do Universo
sempre estaria cometendo um erro para defini-la. Em outras palavras, o estado
inicial do Universo só pode ser conhecido com alguma aproximação. Mesmo
admitindo que pudéssemos determinar as leis que regem a sua evolução, a nossa
previsão de qualquer estado posterior também seria aproximada.
Até
então aproximar as previsões não seria atribuível à existência do caos na
realidade,
mas
uma limitação no nosso conhecimento das condições iniciais. Henri Poincaré
percebeu
em seus estudos pioneiros nesse campo que não são necessários sistemas
complexos
para produzir aleatoriedade. Os estudos de Poincaré são atualizados na
década
de 1960 graças ao matemático e meteorologista norte-americano Edward
Lorenz.
Sua perplexidade teve muito a ver com a incapacidade de prever eventos
climáticos
além de um certo número de dias. No início da década de 1960, Lorenz
começou
a desenvolver um modelo matemático para prever fenômenos atmosféricos, e por
acaso descobriu que a mesma ferramenta matemática utilizada produzia diferenças
inesperadas e imprevisíveis no resultado ao simular pequenas mudanças nas
condições iniciais.
Os
esforços de Poincaré e Lorenz se somaram às contribuições de Benoit Mandelbrot
(engenheiro
de comunicações), Edward Feigenbaum (matemático), Libchaber (físico),
Winfree
(biólogo), Mandell (psiquiatra) e outros. A Teoria do Caos ou a nova Ciência
da
Complexidade sugere que o mundo não deve seguir rigorosamente o modelo
determinista
newtoniano, previsível e certo, porque tem aspectos caóticos. O observador não
é quem cria instabilidade ou imprevisibilidade devido a sua ignorância porque
estes fenômenos existem na natureza. Um exemplo típico é o clima. Os processos
da realidade dependem de um enorme conjunto de circunstâncias incertas, que
determinam, por exemplo, que qualquer pequena mudança em uma parte do planeta,
haverá nos próximos dias ou semanas um efeito considerável sobre a outra parte
da Terra. Esta condição também vale para o sistema econômico.
Segundo
a Teoria do Caos ou a Ciência da Complexidade, o caos é uma "mistura"
de
desordem
e ordem que nascem de novas estruturas, chamadas estruturas
"dissipativas".
A
Teoria do Caos sugere que o Universo tem um ciclo de ordem, desordem, ordem, e
assim
sucessivamente. De modo que uma leva a outra e assim por diante, talvez
indefinidamente.
Uma das principais implicações da Teoria do Caos tem a ver com o
retorno
gerado em situações caóticas. Enquanto sistemas fechados têm um “feedback” negativo,
sistemas abertos evoluem caoticamente pelo feedback positivo.
O
“feedback” negativo tende a corrigir um desvio, levando o sistema ao seu estado
original.
Um desequilíbrio é um desvio que é corrigido por um retorno ao equilíbrio
inicial.
Tais processos se opõem à mudança, uma vez que sempre olham para trás para
voltar
a um estado anterior. Por outro lado, o “feedback” positivo promove a mudança, a
formação de novas estruturas, mais sofisticadas, mais adaptáveis, mais sutis.
Na medida em que implica a criação de uma nova estrutura, os processos são
irreversíveis, ao contrário do “feedback” negativo, que tendendo para o estado
original, é reversível.
Os
desvios neutralizam o “feedback” negativo e amplificam o “feedback” positivo.
Para
exemplificar, se estamos a caminhar no deserto em direção a um objetivo
distante, devemos, de vez em quando, corrigir nosso curso, neutralizando nosso
desvio do alvo através de atualizações regulares sobre o nosso caminho. Mas se
cometermos um erro de um milímetro do alvo, com o tempo o erro será ampliado
mais e, eventualmente, chegaremos a um lugar longe da meta. No “feedback”
negativo procuramos corrigir os desvios para retornar ao caminho original. No
“feedback” positivo, pequenas mudanças podem induzir a grandes mudanças que
levam a novas metas desconhecidas, talvez melhor, embora não possamos prever
exatamente onde é que chegaremos.
Enquanto
a ciência clássica centrada na estabilidade, no determinismo, enfatiza o
processo
de “feedback” negativo que tende a reduzir a mudança, retornando o sistema à sua
posição de equilíbrio, o “feedback” positivo promove a mudança e a
instabilidade.
Exemplo:
a inovação tecnológica cria um novo negócio e a presença deste, por sua vez,
estimula
a geração de mais inovações. O “feedback” positivo significa que, quando
uma
variável aumenta, o mesmo acontece com a outra (ou quando uma diminui, o
mesmo
acontece com a outra). Isto explica como pequena mudança gera grande
mudança
final (efeito borboleta).
A
evolução requer instabilidade para que pequenos eventos sejam ampliados fato
este
que
só é possível em uma situação de não equilíbrio. A evolução requer a
instabilidade, a irreversibilidade e a possibilidade de dar sentido a pequenos
eventos para que uma mudança estrutural ocorra. A irreversibilidade torna
possíveis coisas que seriam impossíveis em um estado de equilíbrio e
proporciona uma lei construtiva importante, a origem de um novo estado e suas
estruturas derivadas altamente complexas e sofisticadas, como o mercado ou a
sociedade.
Uma
vez que o processo resulta na criação de uma estrutura complexa, a estrutura de
dissipação,
um novo ciclo de desequilíbrio ocorre e o caos recomeça onde ocorrem
novas
instabilidades ou flutuações (Figura 2). Para Prigogine (químico russo, Nobel
de
Química
de 1977 pelos seus estudos em
termodinâmica de processos irreversíveis com a formulação da teoria das
estruturas dissipativas), todos os sistemas contêm
subsistemas constantemente flutuantes. Às vezes, uma única variação em um deles
pode ser tão poderosa como resultado de um “feedback” positivo, que quebra toda
a organização existente. Nesse momento, chamado momento singular ou ponto de
bifurcação, é inerentemente impossível saber para onde vai evoluir o sistema
(estado de improbabilidade): desintegrar-se em caos ou saltar para um novo
nível de organização superior e diferenciado ie, uma nova estrutura
dissipativa.
A
Figura 2 mostra o que acontece com um sistema dinâmico como o sistema econômico
de um país quando está sujeito a “flutuações” que o leva a um ponto de
bifurcação a partir do qual o sistema alcança uma nova estabilidade dinâmica
(avanço
revolucionário)
ou entra em colapso, segundo Ervin Laszlo (O Ponto do Caos. São
Paulo:
Editora Cultrix, 200). A Figura 2 mostra que no ponto bifurcação o sistema tem
que
ser reestruturado ou entrará em colapso. Esta é a situação vivida pela economia
de muitos países, inclusive a do Brasil, que, após a crise que eclodiu em 2008
nos Estados Unidos e se espraiou pelo planeta, não foi objeto de reestruturação
de seu sistema econômico pelo governo brasileiro.
É
oportuno observar que o caos está presente em uma ampla variedade de
disciplinas da ciência. A pesquisa sobre o caos começou na década de 1970.
Fisiologistas começaram a investigar por que o caos de batimentos cardíacos
normais produzia uma parada cardíaca súbita, ecologistas analisaram como
determinados locais do planeta sofreram mudanças aleatórias na natureza,
engenheiros procuraram descobrir as causas do comportamento às vezes errático
dos osciladores, químicos analisaram as causas das flutuações inesperadas nas
reações dos produtos químicos e os economistas tentaram detectar algum tipo de
ordem em mudanças inesperadas nos preços, etc. Na ciência clássica, o acaso era
um intruso, mas a Teoria do Caos tornou-se sócia do determinismo.
A
Teoria do Caos ou a Ciência da Complexidade apresenta uma perspectiva
interessante do ponto de vista de sua aplicação à economia principalmente na
explicação de fenômenos que parecem ter um comportamento disruptivo. Por trás
da aparente desordem na economia, há uma dinâmica que pode ser explicada
através de técnicas matemáticas e estatísticas apropriadas, típicas desta
teoria. Em sistemas dinâmicos, como a economia, que mudam constantemente ao
longo do tempo, pequenas alterações em um determinado momento, pode ser a causa
de grande importância no futuro. A crise mundial que eclodiu em 2008 nos
Estados Unidos produziu várias consequências que se manifestam até hoje.
Considerando que a economia capitalista é um sistema dinâmico, não linear e
complexo, a dificuldade de planejar e antecipar problemas, exige a consideração
das perspectivas de desenvolvimento de longo prazo. Significa que é
preciso
planejar a economia reconhecendo que o caos e a complexidade estão presentes e
que deve lidar com este cenário da melhor maneira possível.
Fernando
Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento
Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona,
professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento
empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é
autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo,
1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel,
São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os
condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado.
Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003),
Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era
Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development-
The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária
(P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o
progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica,
Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do
Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba,
2012), entre outros.
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