Conto de ARTUR DE AZEVEDO
(foi observada ortografia
original)
O Souto era o mais acreditado e o mais popular dos banqueiros havidos e por haver no Brasil; a sua casa inspirava uma confiança absoluta, e não havia homem do trabalho que, avisado e previdente, não houvesse lá depositado as suas economias.
Quando começaram a aparecer os primeiros rumores sobre o mau estado das finanças do Souto, ninguém se importou com isso: toda a gente encolheu os ombros. Supor naquele tempo que o Souto quebrasse era o mesmo que acreditar na quebra do Pão de Açúcar. O banqueiro na sua casa da Rua Direita não estava menos seguro que o famoso rochedo.
Mas os rumores sinistros foram num crescendo inquietador, até que os mais incrédulos começaram a acreditar no que se dizia: o Souto estava falido! Houve então a inevitável corrida.
A invasão dos franceses, a chegada do príncipe regente, as águas do monte, a declaração da guerra do Paraguai, a proclamação da República, a revolta de 6 de setembro, talvez não alvorotassem tanto o espírito dos cariocas. Não se falava noutra coisa, a consternação era geral, todos se lamentavam, choravam todos o seu dinheiro perdido, e a ninguém aproveitava o ditado de que o mal de muitos consolo é.
Havia então nesta cidade um moço entre vinte e cinco e trinta anos, que, sem pai nem mãe, sem ter tido a proteção de ninguém, levado apenas por uma grande força de vontade e por um talento ainda maior, conseguira formar-se em medicina, e sair da escola com um nome feito.
Pouco depois de formado casou-se, e a sua união foi logo abençoada, como se dizia naquele tempo: nasceram-lhe dois filhos de seguida.
Veio então ao médico o desejo natural de possuir uma casa, e, para isso, começou a economizar quanto podia, conseguindo, em 1864, ter reunidos vinte contos de réis na casa do Souto. Absorvido pela sua clínica e pelos seus estudos, ele ignorava os boatos que corriam acerca da insolvabilidade do banqueiro, de sorte que só veio ao conhecimento do fato quando a bomba estava prestes a estourar.
O seu desgosto foi profundo. Aqueles vinte contos representavam um sacrifício tremendo, porque, para ajuntá-los, ele se privara de tudo, a si e a sua família.
Desesperado, correu ao Souto, que o mandou entrar para um escritório onde trabalhava sozinho. Quando o banqueiro declarou que não lhe era possível restituir os vinte contos, ele correu à porta, fechou-a, guardou a chave na algibeira e, puxando um revólver, apontou-o contra o outro, dizendo:
- Se não me dá imediatamente o meu dinheiro, faço-lhe saltar os miolos! Paga ou morre!.
E aí está porque o Doutor... (com certeza muitos leitores lhe sabem o nome) foi o único credor do Souto que em 1864 recebeu integralmente a importância da sua dívida. Perdeu apenas os juros.
Ele nunca mais fez uso do seu revólver; mas o seu bisturi tornou-se ilustre.
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