segunda-feira, 29 de setembro de 2014

ENGENHO DE CANA-DE-AÇÚCAR

 O rudimentar motor da alimentação dos nordestinos

 Parelha de bois movendo o moedor

Engenho de açúcar, muitas vezes abreviado para engenho, é o nome dado a uma unidade industrial especializada na transformação da cana-sacarina em açúcar ou outros derivados, como o melaço ou a aguardente de cana.
Já uma usina processa a cana-de-açúcar de apenas um plantador, que poderá aceitar ou não processar a cana-de-açúcar de terceiros.
Os modelos de engenho central e usina passaram a ser utilizados no final do século XIX quando houve necessidade de desativar os antigos engenhos das fazendas e produzir açúcar em uma planta industrial moderna com economia de escala e controle de qualidade rigoroso.


Um engenho de cana-de-açúcar em Pernambuco colonial, pelo pintor neerlandês Frans Post (século XVII).

O primeiro engenho de açúcar registrado em território português pertenceu a Diogo Vaz de Teiveescudeiro do Infante D. Henrique, com contrato de construção datado de 5 de Dezembro de1452. Localizava-se na Ilha da Madeira, no então lugar da Ribeira BravaCapitania do Funchal. A força motriz deste engenho era a água da ribeira.
Os primeiros engenhos da ilha eram todos movidos a água ou pela força de parelha de bois, sendo os cilindros construídos algumas vezes com madeira de til, nessa época muito frequente. Além dos engenhos, existiam também as alçapremas ou prensas manuais.

Tachos de fervura da garapa para reduzi-la a rapadura

O engenho de meu avo, Racine Facó, em Beberibe, pequeno distrito do Município de Cascavel, Estado do Ceará, era movido por adestradas parelhas de bois. Moía a cana-de-açúcar transformando-a em aguardente (alambique), em garapa, que em seguida ia para os tachos onde se transformava em melaço, puxa (ambos para o uso da propriedade) e finalmente em rapadura, Alimento que, em raspas, misturado à farinha de mesa, servia de sucedâneo para matar a fome das pessoas, nas longas estiagens (secas) da região. Consideravam-na, o ouro amarelo alimentar do nordestino.  
Não consta da documentação qual o processo de que se serviram os proprietários de engenhos e alçapremas para fabricar o açúcar, mas supõe-se que esse processo consistisse em fazer cozer as garapas em caldeiras até obter a consistência de um xarope espesso, sendo neste ponto transferidas para vasos furados no fundo, onde se depositariam os cristais, saindo o liquido pelos orifícios. Supõe-se também que na purificação dos açucares fossem empregados a água de cal e o carvão animal, produtos que a indústria moderna de produção açucareira igualmente utiliza.
A indústria da refinação dos açucares floresceu na Madeira no século XV, passando dali para Lisboa e colónias do Reino. Acerca disto comentou o Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, nas Saudades da Terra, que na metrópole “criou tantas fortunas particulares, com detrimento das colónias e da indústria sacarina mesma“.

Canavial próximo ao engenho

Os primeiros engenhos foram criados no Brasil para atender a demanda europeia. Eram os locais destinados à fabricação de açúcar, propriamente a moenda, a casa das caldeiras e a casa de purgar. Todo o conjunto, chamado engenho-banguê, passou com o tempo a ser assim denominado, incluindo as plantações, casa-de-engenho ou moita (a fábrica), casa-grande (casa do proprietário), a senzala (lugar onde ficavam os escravos) e tudo quanto pertencia à propriedade.
Foi em 1518 que ocorreu a primeira instalação de um engenho no Brasil, época onde havia sido registrada a entrada de açúcar brasileiro na alfândega de Lisboa. Contudo, muitos consideram que a verdadeira indústria do açúcar foi implantada no Brasil a partir de 1530, com a vinda de Martim Afonso de Souza. Em 1570 já havia 60 engenhos no Brasil.

Na época da escravatura

A necessidade de mão de obra levou os donos dos engenhos a tentar, sem sucesso, escravizar os indígenas. Então optaram por trazer escravos da África. Décadas depois, a cachaça, um destilado dos subprodutos da produção do açúcar, melaço e espumas fermentados, serviu de troca no comércio de escravos. Os senhores de engenho dominaram a economia e a política brasileira por séculos, desde a época colonial, passando pelo império e chegando à república, embora ao longo dessas épocas tenham tido fases de declínios e reerguimentos. Os primitivos engenhos implantados no início do século XVI geraram no século vinte o setor sucroalcooleiro, que no início do século XXI se posicionou em segundo lugar na matriz energética brasileira...
Até meados do século XX os engenhos eram a principal indústria sucro-alcooleira, esteio da economia do Brasil e, em especial, de Pernambuco, PiauíParaíbaRio de JaneiroAlagoasSergipeCeará e São Paulo.
Com a evolução da agroindústria e o aparecimento das usinas de açúcar e de álcool, os engenhos, obsoletos, foram sendo desativados gradativamente.

Engenho-banguê em funcionamento, década de 1950. Engenho Espadas, PernambucoBrasil.

A primeira etapa presente em todos os engenhos é a moagem da cana, quando é extraído o suco conhecido como caldo de cana ou garapa. Esse caldo é conduzido até um tanque, o parol, onde é armazenado.
Na produção de cachaça ou álcool, o caldo-de-cana fica armazenado para fermentação. Depois é destilado em alambique.
No Brasil, a cachaça foi inicialmente obtida pela fermentação e posterior destilação dos subprodutos da produção de açúcar como o melaço e as espumas. Assim, o engenho de açúcar era também produtor de cachaça. Posteriormente, em alguns engenhos, os subprodutos começaram a ser vendidos para fabricantes de cachaça que os utilizavam na produção da bebida. Já no século XX, com o emprego destes subprodutos em outras áreas industriais, os donos de alambiques tiveram que plantar a cana de açúcar e a partir do caldo de cana fermentado e depois destilado produziam (e ainda produzem) a cachaça. Assim, a fabricação da bebida desvinculou-se dos antigos engenhos. 

A rapadura nordestina

Já na produção de açúcar, o caldo de cana é levado a grandes tachos de cobre, e submetido a fogo brando até atingir o "ponto", ou seja, se transformar em mel. Esse mel-de-engenho é transferido para um tanque onde será submetido a agitação, para acelerar a cristalização do açúcar.
O mel, então, é distribuído em formas cônicas, dispostas em uma bancada, onde fica até esfriar. Após a cristalização, o mel excedente (não cristalizado), é extraído (por decantação), através de um orifício na parte inferior da forma. Esse mel, chamado mel-de-furo ou melaço, tem outras utilizações, entre elas, também, a fabricação de cachaça, após fermentação por alguns dias.

Formas de pão-de-açúcar em casa de purgar desativada. Engenho Santa Fé, PernambucoBrasil.

O açúcar cristalizado, em forma de pão, que recebe o nome inicial de pão-de-açúcar, é desenformado, chamando-se, então, açúcar bruto, ou mascavo, que é comercializado para utilização nessa forma, em pedaços, ou submetido a clareamento, na produção do açúcar. A transformação de mascavo em demerara era feita nos engenhos pelo processo de purgação. O local onde se estocava esse açúcar era chamado casa de purgar. A purgação era feita com água colocada sobre uma camada de massapê aplicada sobre o pão de açúcar, e escoada pelo orifício inferior, levando as impurezas.

A aguardente - cachaça

Nas grandes usinas de açúcar, atualmente, o processo de separação do açúcar e do melaço é por centrifugação. Antes, ao caldo da cana moída, são adicionados alguns produtos químicos para auxílio na decantação de sólidos insolúveis e retirar colóides, para clarear. Assim é produzido o açúcar cristal e, com mais uma etapa de diluição,

O doce de rapadura de engenho (quase em ponto de puxa)

tratamento da calda e centrifugação, o açúcar refinado. Todo tratamento químico feito para industrialização do açúcar é retirado durante o próprio processo.
O processo de fabricação de rapadura é semelhante ao ocorrido na produção de açúcar, nas etapas iniciais, porém a etapa para no tanque de agitação, bem mais raso nesse caso, e ali é cristalizada a rapadura.

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