quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O PRESENTE PRECIOSO

Literatura

Crônica de Jayme Barbosa
(Extraída do livro Crônicas Recolhidas)

 Ocorreu-me ler, emprestado de um amigo, O presente precioso, do Dr. Spencer Johnson. O livro é uma parábola boa de digerir: texto curto, letras desmedidas. Só embirrei com o doutor anteposto ao autor. Sou capaz de jurar ter sido ideia dos editores, para valorizar a obra e vender mais. Na realidade, li depois na orelha, o homem é médico e, consuetudinariamente, tem direito ao título, mesmo sem ter sofrido as agruras do doutoramento.
Contudo, tratando-se de livro de autoajuda e não de medicina, o doutor soa supérfluo, acrescenta pedantismo ao indiciado sem despertar a confiança pretendida no leitor. Por isso, acredito também que o leitor foi colocado no Brasil, onde o capital intelectual é bem de reduzida importância. Aqui, ainda não se descobriu que o reconhecimento de uma autoridade não está no título que ele carrega, e cultivam-se até os apelativos, mesmo quando findos os mandatos. Governador, senador, deputado, ficam atarraxados aos cristãos o resto da vida. Os advogados distinguiam os juízes – antes da ajuda moradia – com um senhor doutor. Depois, surgiu o meritíssimo, o mérito supremo: prova que a justiça é cega.

Mas, lá vou eu, por culpa do doutor, que na nossa terra serve para alcunhar chefe de repartição ou frequentador de botequim. Pagou fatura ou conta, ganha o título. Lá vou eu, repito, me desviando do mote da crônica: O presente precioso.
A ideia do autor é engenhosa, o título do livro predispõe o potencial leitor a imaginar uma dádiva preciosa que lhe será apresentada no curso da leitura. O texto é elaborado de modo a esconder a surpresa referido – o precioso – é o cronológico, o aqui agora do hic et nunc latino, que exclui o passado e não inclui ainda o futuro. O momento ambíguo sem espessura, como define Macedonio Fernández. É o efêmero das rosas e dos grandes momentos da vida.
A dona do livro disse-me ter observado que cada leitor interpreta-o de um jeito; o que me permitiu revelar, sem nenhuma vergonha, as asneiras que me bateram à cuca.
Não posso negar que a leitura de “O Presente Precioso” lembrou-me quase imediatamente o conselho lapidar de Omar Kháyyám (1047-1122): Retém o momento precioso com carinho/ Ele é o único fruto da nossa vida, atrelado a outro verso: Toma tua urna de vinho/ Senta-te ao clarão do luar e monologa/ Amanhã, talvez, esta mesma lua me procure em vão.

Para não ser repetitivo e óbvio, não vou falar no carpe diem de Horácio, mas a questão colocada por John Donne (1572-1631) é maior do que o pequeno espaço que ocupa: What if this presente were the world’s last night?  (NR E se este presente foi o mundo do ontem à noite?)

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