Literatura
Crônica de Jayme
Barbosa
(Extraída do livro
Crônicas Recolhidas)
Ocorreu-me
ler, emprestado de um amigo, O presente precioso, do Dr. Spencer Johnson. O
livro é uma parábola boa de digerir: texto curto, letras desmedidas. Só
embirrei com o doutor anteposto ao autor. Sou capaz de jurar ter sido ideia dos
editores, para valorizar a obra e vender mais. Na realidade, li depois na
orelha, o homem é médico e, consuetudinariamente, tem direito ao título, mesmo
sem ter sofrido as agruras do doutoramento.
Contudo,
tratando-se de livro de autoajuda e não de medicina, o doutor soa supérfluo,
acrescenta pedantismo ao indiciado sem despertar a confiança pretendida no
leitor. Por isso, acredito também que o leitor foi colocado no Brasil, onde o
capital intelectual é bem de reduzida importância. Aqui, ainda não se descobriu
que o reconhecimento de uma autoridade não está no título que ele carrega, e
cultivam-se até os apelativos, mesmo quando findos os mandatos. Governador,
senador, deputado, ficam atarraxados aos cristãos o resto da vida. Os advogados
distinguiam os juízes – antes da ajuda moradia – com um senhor doutor. Depois,
surgiu o meritíssimo, o mérito supremo: prova que a justiça é cega.
Mas, lá vou
eu, por culpa do doutor, que na nossa terra serve para alcunhar chefe de
repartição ou frequentador de botequim. Pagou fatura ou conta, ganha o título.
Lá vou eu, repito, me desviando do mote da crônica: O presente precioso.
A ideia do
autor é engenhosa, o título do livro predispõe o potencial leitor a imaginar
uma dádiva preciosa que lhe será apresentada no curso da leitura. O texto é elaborado
de modo a esconder a surpresa referido – o precioso – é o cronológico, o aqui
agora do hic et nunc latino, que exclui o passado e não inclui ainda o futuro.
O momento ambíguo sem espessura, como define Macedonio Fernández. É o efêmero
das rosas e dos grandes momentos da vida.
A dona do
livro disse-me ter observado que cada leitor interpreta-o de um jeito; o que me
permitiu revelar, sem nenhuma vergonha, as asneiras que me bateram à cuca.
Não posso
negar que a leitura de “O Presente Precioso” lembrou-me quase imediatamente o
conselho lapidar de Omar Kháyyám (1047-1122): Retém o momento precioso com
carinho/ Ele é o único fruto da nossa vida, atrelado a outro verso: Toma tua
urna de vinho/ Senta-te ao clarão do luar e monologa/ Amanhã, talvez, esta mesma
lua me procure em vão.
Para não ser
repetitivo e óbvio, não vou falar no carpe diem de Horácio, mas a questão
colocada por John Donne (1572-1631) é maior do que o pequeno espaço que ocupa:
What if this presente were the world’s last night? (NR E
se este presente foi o mundo do ontem à noite?)
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