sexta-feira, 5 de setembro de 2014

SOBRE O iPhone E A ARTE DE FABRICAR VIDROS INQUEBRÁVEIS (OU QUASE)

Leiam tudo sobre o vidro e outras histórias

Por
Marcio Luis Ferreira Nascimento

 


Não existe vidro inquebrável. Aliás, não existe nenhum material que ainda possa ser considerado inquebrável. Tecnicamente, vidros são considerados materiais frágeis. Fragilidade significa simplesmente uma pequena resistência ao impacto, a uma pancada, por exemplo, realizada por um martelo. Na verdade, este é o nome de um teste muito utilizado em engenharia, chamado Teste Charpy, em homenagem ao engenheiro francês Georges Augustin Albert Charpy (1865-1945), criador do famoso teste de impacto.

Importante ressaltar que fragilidade não é o contrário de dureza. Esta é a medida da capacidade de um material riscar o outro – i.e., retirar partículas de uma superfície. O



 diamante risca o vidro, mas o vidro não risca o diamante. Logo, diz-se que o diamante é duro em relação ao vidro. Só que o vidro pode riscar, por exemplo, a madeira, enquanto o contrário nem sempre ocorre (claro que depende do tipo de madeira...).
Por definição, vidro é um sólido não-cristalino, ou ainda uma espécie de líquido congelado rapidamente. A maioria dos vidros é produzida a partir do resfriamento rápido de certos materiais, como a areia da praia (somente é necessário um forno a altíssima temperatura). No entanto, é possível fazer um tipo de vidro em casa. Com o auxílio de um adulto experiente na cozinha, basta seguir uma velha receita de vidro – é necessário apenas açúcar (e água, se quiser). Sob fogo baixo (sem deixar caramelizar, numa temperatura de aproximadamente 70oC) procure mexer com uma colher o açúcar . Assim que o material estiver líquido, jogue o conteúdo da panela numa forma de metal de maneira a resfriá-lo rapidamente. Assim você irá obter um vidro não muito diferente da composição que usam em cinema para cenas que envolvem estes materiais (principalmente garrafas, copos e pedaços de vidros) – quebram mais facilmente e não machucam (muito). De quebra, você tem também uma bala de açúcar...
Voltando ao teste de resistência à quebra, existe um vidro que pode resistir a impactos – comercialmente são vendidos materiais com a terminologia de vidro temperado, que é cerca de três a cinco vezes mais resistente que os comuns e usados em pratos, cabines telefônicas ou mesmo boxes para banheiros. Há também o chamado vidro blindado, que além de vidro, é composto de um sanduíche onde existe no meio um polímero, chamado policarbonato, tão transparente como o vidro, junto com outros dois tipos de plástico. Muito aplicado em janelas de carros que requerem segurança, não quebra se for atingido por um tiro de arma comum, mas não resiste a um tiro de fuzil, por exemplo.


Mas o vidro mais resistente já produzido pela indústria tem o singelo nome de ‘vidro gorila’ (‘gorilla glass’ em inglês: www.corninggorillaglass.com). A empresa americana Corning Inc. (www.corning.com), grande fabricante de vidros com sede em Nova York, o produzia desde a década de 1960, mas com outro nome: Chemcor. Na verdade consiste num vidro relativamente comum (tecnicamente é um vidro álcali-aluminossilicato) que passa por um processo de troca química (iônica) para fabricar um tipo de vidro altamente resistente a impactos. Submerso em uma solução de sais de potássio a temperaturas de 400 °C, isso permite com que os íons de sódio presentes no vidro sejam substituídos por íons potássio da solução a partir da superfície; estes, por serem maiores, deixam menos espaço entre cada átomo, criando uma camada muito mais densa e resistente. Portanto, a troca de íons produz uma camada de compressão na superfície do vidro, tornando-o um material de melhor qualidade. De fato, em comparação a outros materiais, ele seria praticamente tão duro quanto o titânio, quase equivalente à safira, e perdendo apenas para o diamante. Porém, o mercado para este tipo de vidro era bastante restrito a alguns setores como aviação, automotivo e farmacêutico, e a Corning decidiu parar de fabricá-lo depois de quase 30 anos.
Nestes dias que antecedem o lançamento de uma nova versão do iPhone, é importante destacar que este vidro especial é o carro chefe quando o assunto é proteger dispositivos portáteis, sejam smartphones, tablets, notebooks... sendo considerado praticamente indestrutível – importante frisar: pelo markenting (mas não pela ciência e engenharia).

Tudo mudou quando, certo dia, Steve Paul Jobs (1955-2011) estava pesquisando sobre a qualidade e resistência a impacto de vidros na tela do primeiro iPhone, e um amigo lhe sugeriu procurar o presidente da Corning, Wendell Weeks, para ver se eles fabricariam o vidro que ele precisava. As características básicas eram de algo como um supervidro: duro, leve e bastante delgado, como uma folha de papel, relativamente maleável, com brilho ainda por cima reciclável – como são os vidros. Depois de saber que a empresa tinha esta invenção engavetada desde a década de 1990, Jobs insistiu que fosse retomada a produção para equipar o novo celular da Apple. Detalhe: isso tudo no prazo de seis meses.
Weeks ficou perplexo ao ouvir isso, achando impossível o pedido. Além das dificuldades técnicas, a Apple nunca tinha feito um celular antes e o investimento todo poderia ser uma grande perda de tempo. Weeks então afirmou que não havia capacidade, pois nenhuma das fábricas produzia tal vidro.


Óbvio que Jobs não aceitou um não como resposta e respondeu com um singelo “- Não tenha medo. Você consegue”.
A incrível capacidade de Jobs em convencer as pessoas a fazer algo que parece impossível funcionou mais uma vez e, seis meses depois, o iPhone era lançado em meados de 2007, como sendo o primeiro celular a trazer o vidro gorila na sua tela.
Desta forma, Weeks passou a produzir um vidro que de fato nunca tinha sido feito em grande escala. A fábrica da Corning em Harrodsburg, Kentucky, que fazia telas de cristal líquido, foi convertida quase da noite para o dia para a produção do vidro gorila em tempo integral. Para tanto foi necessário integrar equipes com os melhores cientistas e engenheiros trabalhando nisso. Com tecnologia e composição novas, o vidro gorila foi então relançado já em fins de 2006, e em 2010 já era aplicado em aproximadamente 20% dos dispositivos móveis no mundo (como em alguns modelos da LG, Motorola, Asus, Nokia e Samsung, entre outros – além, é claro, do iPhone), com cerca de 200 milhões de unidades produzidas. Atualmente, a Corning é capaz de fabricar o vidro gorila com espessuras que vão de 0,5 mm até 2 mm. Ou seja, quase tão fino quanto um fio de cabelo ou mesmo uma folha de papel. Com isso, também existe também a vantagem de que ele é muito mais leve e maleável que os vidros comuns. O material está agora na sua terceira geração, mas é importante lembrar: ele ainda pode quebrar!


Em seu escritório, Wendell Weeks possui na parede uma mensagem de Steve Jobs emoldurada, enviada no dia do lançamento do primeiro iPhone: “- Não teríamos conseguido sem você” (“We couldn’t have done it without you”). Esta e outras interessantes histórias podem ser lidas no curioso livro “Steve Jobs - A Biografia”, de Walter Isaacson, Companhia das Letras (2011).

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