Leiam tudo sobre o vidro e outras histórias
Por
Marcio Luis Ferreira Nascimento
Não existe vidro inquebrável. Aliás, não
existe nenhum material que ainda possa ser considerado inquebrável.
Tecnicamente, vidros são considerados materiais frágeis. Fragilidade
significa simplesmente uma pequena resistência ao impacto, a uma pancada, por
exemplo, realizada por um martelo. Na verdade, este é o nome de um teste muito
utilizado em engenharia, chamado Teste Charpy, em homenagem ao
engenheiro francês Georges Augustin Albert Charpy (1865-1945), criador do
famoso teste de impacto.
Importante ressaltar que fragilidade não é o
contrário de dureza. Esta é a medida da capacidade de um material riscar o
outro – i.e., retirar partículas de uma superfície. O
diamante risca o vidro, mas o vidro não risca o
diamante. Logo, diz-se que o diamante é duro em relação ao vidro. Só
que o vidro pode riscar, por exemplo, a madeira, enquanto o contrário nem
sempre ocorre (claro que depende do tipo de madeira...).
Por definição, vidro é um sólido não-cristalino, ou
ainda uma espécie de líquido congelado rapidamente. A maioria
dos vidros é produzida a partir do resfriamento rápido de certos materiais,
como a areia da praia (somente é necessário um forno a altíssima temperatura).
No entanto, é possível fazer um tipo de vidro em casa. Com o auxílio de um adulto
experiente na cozinha, basta seguir uma velha receita de vidro – é necessário
apenas açúcar (e água, se quiser). Sob fogo baixo (sem deixar caramelizar, numa
temperatura de aproximadamente 70oC) procure mexer com uma colher o açúcar .
Assim que o material estiver líquido, jogue o conteúdo da panela numa forma de
metal de maneira a resfriá-lo rapidamente. Assim você irá obter um vidro não
muito diferente da composição que usam em cinema para cenas que envolvem estes
materiais (principalmente garrafas, copos e pedaços de vidros) – quebram mais
facilmente e não machucam (muito). De quebra, você tem também uma bala de
açúcar...
Voltando ao
teste de resistência à quebra, existe um vidro que pode resistir a impactos –
comercialmente são vendidos materiais com a terminologia de
vidro temperado, que é cerca de três a cinco vezes mais resistente que os
comuns e usados em pratos, cabines telefônicas ou mesmo boxes para
banheiros. Há também o chamado vidro blindado, que além de vidro, é
composto de um sanduíche onde existe no meio um polímero, chamado
policarbonato, tão transparente como o vidro, junto com outros dois tipos de
plástico. Muito aplicado em janelas de carros que requerem segurança, não
quebra se for atingido por um tiro de arma comum, mas não resiste a um tiro de
fuzil, por exemplo.
Mas o vidro
mais resistente já produzido pela indústria tem o singelo nome de
‘vidro gorila’ (‘gorilla glass’ em
inglês: www.corninggorillaglass.com). A empresa americana Corning
Inc. (www.corning.com), grande fabricante de vidros com sede em Nova York,
o produzia desde a década de 1960, mas com outro nome: Chemcor. Na verdade consiste
num vidro relativamente comum (tecnicamente é um vidro álcali-aluminossilicato)
que passa por um processo de troca química (iônica) para fabricar um tipo de
vidro altamente resistente a impactos. Submerso em uma solução de sais de
potássio a temperaturas de 400 °C, isso permite com que os íons de sódio
presentes no vidro sejam substituídos por íons potássio da solução a partir da
superfície; estes, por serem maiores, deixam menos espaço entre cada átomo,
criando uma camada muito mais densa e resistente. Portanto, a troca de íons
produz uma camada de compressão na superfície do vidro, tornando-o um material
de melhor qualidade. De fato, em comparação a outros materiais, ele seria
praticamente tão duro quanto o titânio, quase equivalente à safira, e perdendo
apenas para o diamante. Porém, o mercado para este tipo de vidro era bastante
restrito a alguns setores como aviação, automotivo e farmacêutico, e a Corning
decidiu parar de fabricá-lo depois de quase 30 anos.
Nestes dias
que antecedem o lançamento de uma nova versão do iPhone, é importante destacar
que este vidro especial é o carro chefe quando o assunto é proteger
dispositivos portáteis, sejam smartphones, tablets, notebooks...
sendo considerado praticamente indestrutível – importante frisar:
pelo markenting (mas não pela ciência e engenharia).
Tudo mudou quando, certo dia, Steve Paul Jobs
(1955-2011) estava pesquisando sobre a qualidade e resistência a impacto de
vidros na tela do
primeiro iPhone, e um amigo lhe sugeriu procurar o presidente da Corning,
Wendell Weeks, para ver se eles fabricariam o vidro que ele precisava. As
características básicas eram de algo como um supervidro: duro, leve e bastante
delgado, como uma folha de papel, relativamente maleável, com brilho ainda por
cima reciclável – como são os vidros. Depois de saber que a empresa tinha esta
invenção engavetada desde a década de 1990, Jobs insistiu que fosse retomada a
produção para equipar o novo celular da Apple. Detalhe: isso tudo no prazo de
seis meses.
Weeks ficou
perplexo ao ouvir isso, achando impossível o pedido. Além das dificuldades
técnicas, a Apple nunca tinha feito um celular antes e o investimento todo
poderia ser uma grande perda de tempo. Weeks então afirmou que não havia
capacidade, pois nenhuma das fábricas produzia tal vidro.
Óbvio que
Jobs não aceitou um não como resposta e respondeu com um singelo “- Não
tenha medo. Você consegue”.
A incrível
capacidade de Jobs em convencer as pessoas a fazer algo que parece impossível
funcionou mais uma vez e, seis meses depois, o iPhone era lançado em meados de
2007, como sendo o primeiro celular a trazer o vidro gorila na sua tela.
Desta
forma, Weeks passou a produzir um vidro que de fato nunca tinha sido feito em
grande escala. A fábrica da Corning em Harrodsburg, Kentucky, que fazia telas
de cristal líquido, foi convertida quase da noite para o dia para a produção do
vidro gorila em tempo integral. Para tanto foi necessário integrar equipes com
os melhores cientistas e engenheiros trabalhando nisso. Com tecnologia e
composição novas, o vidro gorila foi então relançado já em fins de 2006, e em
2010 já era aplicado em aproximadamente 20% dos dispositivos móveis no mundo
(como em alguns modelos da LG, Motorola, Asus, Nokia e Samsung, entre outros –
além, é claro, do iPhone), com cerca de 200 milhões de unidades produzidas.
Atualmente, a Corning é capaz de fabricar o vidro gorila com espessuras que vão
de 0,5 mm até 2 mm. Ou seja, quase tão fino quanto um fio de cabelo ou mesmo
uma folha de papel. Com isso, também existe também a vantagem de que ele é
muito mais leve e maleável que os vidros comuns. O material está agora na sua
terceira geração, mas é importante lembrar: ele ainda pode quebrar!
Em seu
escritório, Wendell Weeks possui na parede uma mensagem de Steve Jobs
emoldurada, enviada no dia do lançamento do primeiro iPhone: “- Não
teríamos conseguido sem você” (“We couldn’t have done it without you”). Esta e
outras interessantes histórias podem ser lidas no curioso livro “Steve
Jobs - A Biografia”, de Walter Isaacson, Companhia das Letras (2011).
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