Orlando Spínola
Crônica de Luiz Carlos
Facó
Fez-se o
tempo, mas ele não apagou da minha memória uma figura exponencial da nossa
terra, de quem guardo belas recordações e imensas saudades.
Conheci-o,
eu ainda menino, quando ele e meu pai se elegeram Deputados Estaduais. Ambos
jovens, temperados pelas lutas políticas contra o regime getulista. Daquela
comunhão de ideais vivificou, entre ambos, uma fraterna amizade. Tal vínculo se
estendeu às nossas famílias. Éramos como argolas, elos de uma mesma corrente.
Seu nome? Orlando Ferreira Spínola.
Magro de
estatura mediana, tez morena, olhos verdes, queixo saliente, dono,
prematuramente, de uma vasta cabeleira branca, particularizava-se pelo modo elegante
de vestir e pela maneira carinhosa como tratava amigos e eleitores. Aos do sexo
masculino alcunhando-os, sem exceções, de “amigo
velho”, e ao feminino de princesa, ou no diminutivo, se dirigisse o
tratamento a alguma jovem.
Acompanhei a
sua brilhante trajetória política por longos 36 anos. Naquele período
tornou-se Presidente de todas as
comissões da casa legislativa, seu presidente em diversas ocasiões, líder do
governo, líder da oposição, governador do Estado, interinamente, graças,
sobremodo, a grande capacidade que possuía em tecer, aglutinar, congregar,
conduzir.
Na medicina,
sua primeira atividade profissional, aprendeu o necessário para não matar
nenhum paciente, quem sabe, até curá-lo. Na política, entretanto exercitava
como hábil cirurgião as mais delicadas operações. Costurava acordos quase
impossíveis, e receitava os remédios adequados à obtenção dos objetivos que
buscava. Todos, visando o bem comum. Era o que classifico um político
romântico, muito distante dos atuais, com as ralas exceções, pois conduzia suas
atividades sem visar vantagens pessoais, mas prover sua terra de progresso e a
sua gente, de melhores condições de educação, saúde, alimentação e moradia. Não
dispunha de uma cultura sofisticada. Suas leituras se resumiam aos romances
policiais, onde despontavam os nomes dos autores Maurice Leblanc, Agatha
Cristie e outros menos conhecidos. Entretanto, possuía uma inteligência
aguçadíssima, fulgurante, revelada pelo infatigável cuidado de fazer discursos
bem elaborados, substantivos, festejados e aplaudidos pela acessibilidade, por
sinalizarem a sua sagacidade como parlamentar e uma aguda capacidade de
comunicação.
Ao assomar
qualquer tribuna transformava-se num leão. Todos os seus sentidos vibravam a um
só tempo. Vê-lo usar da palavra era um prazer. Os adversários temiam-no, seus
correligionários respeitavam-no. Poucos se dispunham aparteá-lo, pois recusam
tornar-se alvos de suas chacotas e verrinas, feitas de modo geral na hora,
através de epigramas.
Mesmo assim,
jamais fez um só inimigo, embora suas cutiladas pudessem produzir mal estar e
propiciar um entrevero de grandes proporções.
Alguns
episódios que poderiam resultar em desentendimentos, masque foram digeridos
diplomaticamente pelos atingidos, lhes relato, amigos leitores, sem maiores
pinturas, sequer frescuras.
Ao chegar
pela primeira vez à Assembleia Legislativa, como deputado Constituinte em 1946,
Orlando Spínola viu, entre seus pares, temido e apontado como grande orador,
fato que na Bahia não se constitui em exceção, mas é atributo que, mesmo assim,
desperta em todos curiosidade e profunda reverência. Vivia Orlando, por isso
mesmo, prelibando, ansiando o instante de ver aquele papa do jornalismo local
assomar a tribuna. E não demorou muito para que a tão aguardada estreia se fizesse.
Lamentável
início. Ela se constituiu num enorme fiasco. O famoso jornalista como tribuno
decepcionara. Tal decepção caiu sobre Orlando como um raio fulminante, que não
podendo conter sua veia satírica, reagiu àquele desgosto com a divulgação do
seguinte quarteto:
“Permite que eu ouse
um bom conselho lhe dar:
fique sentado na pose
e jamais ouse falar.”
Doutra
feita, um jovem deputado estadual numa sessão de Comissão da Assembleia
Legislativa, chamou Orlando Spínola, enquanto discursava, num aparte, de “velho
superado”. A réplica do ferino orador foi incontinente e arrasadora:
“Chamou-me de superado
numa agressão incivil
antes um velho acabado
do que um moço imbecil.”
A propósito
do lançamento do livro O Reduto, de autoria do excepcional jornalista, escritor,
político, seu colega e amigo, Wilson Lins, abordando um período da vida baiana,
em que jagunços e coronéis dominavam o interior do estado, a vocação satírica
de Orlando se fez presente:
“Duas coisas esmiúço
nesta terra de terror,
a bravura do jagunço
e a coragem do leitor”
Sem a
grandeza que merecia, acho que pude definir um pouco do meu saudoso amigo Orlando,
a quem incluo entre as expressivas personalidades políticas da nação nos
últimos 60 anos. Como João Mangabeira, Gustavo Capanema, Afonso Arinos de Mello
Franco, Raul Pila e tantos outros que passaram por nossas vidas nos seduzindo
com suas qualidades, dentre as quais imperavam a ética, a moral e a absoluta
compreensão de que ser político é antes de tudo ser um servidor público
honesto.
Resta-me,
após tantas digressões, o gosto bom, o sabor de ter falado acerca de um amigo
tão próximo, cuja figura serve-me para contestar àqueles que se arvoram o
direito de dizer que não houve bons e brilhantes políticos no período
republicano após o Estado Novo. Assertiva fluida, sem nenhum respaldo
histórico, que me leva a assegurar que o bom político não demanda uma formação
culturalmente refinada e abrangente para exercitar com firmeza o mandato
outorgado pelo povo. Bastam-lhe seriedade, bons propósitos, inteligência,
conhecimento dos problemas sociais, honestidade, ideal e dedicação. Atributos
que a Orlando sobravam.
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