Texto extraído do Livro (textos e desenhos) As Sete Portas da Bahia,
de Caribé, e Prefácio de Jorge
Amado
O
mar ritmando. Azul. Se inchando e desinchando por amor de Lua, o mar, morada de
Yemanjá, mão dos peixes, noiva dos afogados e dona das águas, bate espumas na
areia branca.
Para
ser exato é o fim do mar. O fim do mar é em todas as prais do mundo. O começo
ninguém sabe.
Pois
nessas praias de nome antigo é que os pescadores negros da Bahia pecam o Xaréu.
Chega
Negro, Carimbamba, Armação formigam de gente de abril a outubro, é nesse ciclo
que os grandes cardumes de Xaréu navegam para a desova numa rota imutável, de
séculos de rota interdita pelas imensas redes.
Sob
o sol luminoso, a pesca do Xaréu é um espetáculo de poesia, de canto e de ritmo
ligado ao mar, às ondas, ao ímpeto das águas. Para uma rede são necessários
sessenta e três homens: vinte homens do mar, vinte da terra, vinte atacadores.
Um mestre de terra, um mestre do mar e um chefe.
A
rede é tecida durante cinco meses em que o Xaréu deixa de passar, e são
necessários mil metros de corda tonelada e meia de fio, um mundão de chumbo e
grandes quantidades de paciência. É um trabalho sem fim pago por braça, a malha
enorme recebe banhos de casca de cajueiro, recebe as boias de pau de jangada,
as chumbadas e vai ao mar.
É
uma jangada enorme a que carrega esse sem fim de rede. Tripulada por gente que
conhece todos os segredos do mar, atravessa a arrebentação como a tartaruga,
desovando uma longa fieira de boias em semicírculos onde o peixe ficará
cercado.
No
dia seguinte não há vivalma nos barrancos de palha de coqueiro; todo mundo na
praia. Em pequenas jangadas os mergulhadores sondam, calculam quantos peixes
caíram no cerco e o mestre do mat transmite ao da terra, agitando o chapéu e
por apitos, a quantidade de peixe e a ordem de iniciar a puxada.
A
areia é alva; eles, escuros. À luz intensa da manhã sobe um cântico:
Quando venho de Aruanda
eu venho só...
centenas
de vozes respondem:
só, só,
eu venho só
eu deixei lá pai,
eu deixei lá vó...
os
pés se fincam na areia, ritmando. Quando a sucção aumenta o peso da rede, cedem
um passo e curvam mais os lombos musculosos:
A baleia me pediu
Anderecô Aninha
Pra fazê uma devoção
Anderecô Aninha
Vou pegar na jangadinha
Anderecô Aninha
Vou me embora velejá
Anderecô Aninha
O vento pegou de proa
Anderecô Aninha
Até da volta do má
Anderecô Aninha
Vou me embora que é noite
Anderecô Aninha
Eu não quero navega
Anderecô Aninha
Fazê dos óio candeia
Anderecô Aninha
Numa
retezada só os músculos parecem querer sair da pele, parecem peixes reluzindo e
pouco a pouco a rede vem a seco, com a cara prateada e vivente que Yemanjá
oferece aos pescadores negros, netos dos que vivem de Abeokutá, que ainda
cantam seus cantos antigos, que têm o privilégio de vê-la nas noites de lua
cheia, que zelam seu culto nos singelos pejis de suas casas de palha de
coqueiro.
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