Carta
Salvador, 15 de setembro de 2005
Foi médica ginecologista, professora emérita de medicina da UFBA, média
de D. Flor por obra e graça de Jorge Amado no livro “D. Flor e seus dois
maridos”.
Por Luiz Calos Facó
Este
domingo escolheu roupa nova para vestir. Engalanado, desfila garboso, sem
hesitações, numa passarela iluminada pelo sol. Dá-nos mostra da sua leveza,
graciosidade e incomum deslumbre. Num espetáculo que transcende a imaginação do
mais talentoso e sensível artista. Por isso mesmo, incapaz de concebê-lo ou
retratá-lo. Sinto-me feliz por presenciar este raro espetáculo, de pássaros
adejando e pipilando confronte minha janela, criando cirandas para coroá-lo
único. Árvores balouçando como se o reverenciassem. Nas encostas, as flores
silvestres, homenageando-o, vicejam em cores vibrantes. Ouro, prata, azul,
púrpura. Tantas quantas as que enfeitam a vida. A terra, úbera da criação, em
aís de aprazimento, deixa exalar seu gostoso e inconfundível olor. Um festival
primaveril que se antecipa, prematuramente, à partida do inverno que agoniza. É
criança chegando. Prenúncio de tempos felizes, que tonifica jovens e aquece
idosos. Profetizam haver lugar, no mundo, para a parcimônia, o desarmamento dos
espíritos, a compreensão, a paz. Para a consubstanciação da crença em Deus nos
nossos corações. A comunhão das religiões. Abrigo seguro para guardar valores
éticos e morais. Ser tempo de arrefecimento de disputas e de ódios. Ser período
de acasalamento. Ser o momento do amor.
É
neste dia, retrato por inteiro da magnificência do Criador, que faço questão de
escrever-lhe, aproveitando o meu espírito movendo-se do ócio execrável à
alegria produtiva, com disposição para cavalgar o alazão das ideias.
Oportunidade única, impossível de se descartar sob pena de ser tomado pelo
remorso.
Sua
delicada carta, translúcida como sua alma contendo poesias de Neruda e
Quintana, teve o condão de tornar-me mais feliz. Ela é uma síntese do seu
caráter firme, correto, pródigo em atenções para com os amigos, sobremodo, da
lealdade. A constatação de que você é uma escritora madura. Consagrada. Pronta
para voos mais largos. Seu estilo,
simples e enxuto, porém envolvente, revela a grandeza do seu coração. Confesso
que fiquei tentado em apropriar-me dele. No entanto, verifiquei, de imediato,
ser impossível. Seus predicados escasseiam em minha pessoa. Como, então,
pretender imitá-la?
Terminei
o livro “Turbilhão de Lembranças”, cujo lançamento se dará até o fim do ano, e
já preparo um novo, ao qual dei o título de “Contos em Cantos Saudosos”. Já
tenho muito material para ele. Inclusive, um relato sobre um médico que
clinicava em Gandu, município da Bahia. Não um médico do seu jaezou com as
qualificações do seu marido Jair. Era um médico mais preocupado com o próprio
enriquecimento do que com o bem-estar e a saúde dos seus pacientes. Essa
história que, de há muito, percorrer as sinuosidades do me cérebro,
escondendo-se desse presumível escritor, foi afinal aprisionada, colocada no
papel e dela lhe dou notícia. Veja-a, em anexo. Lembro-lhe, contudo, que este é
o seu primeiro rascunho. Diante disso, não se faça rigorosa no seu julgamento.
Não
vou mais furtar seu precioso tempo com as minhas arengas, embora tivesse
vontade de fazê-lo. Você bem sabe como é difícil encontrar um ombro amigo que
me aconchegue, com carinho, como acontece com o seu! Gostaria de aproveitá-lo
mais. Porém, desta vez, vou poupá-la.
Com
beijos respeitosos e a minha mais profunda admiração, desejo-lhe
Paz
e Bem!
Facó (LC)
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