quarta-feira, 22 de outubro de 2014

OBESIDADE NO BRASIL

Serviço de utilidade pública (saúde)

POR JULIANA SECK

 Aumento do consumo de alimentos altamente calóricos e ricos em gordura, sal e açúcar, mas pobres em nutrientes ocorre juntamente com o crescimento do sedentarismo, mudanças nos meios de transporte e aumento da urbanização

“A falta de tempo e informação adequada levam as pessoas a
trocarem pratos saudáveis por salgadinhos, refrigerantes e
sanduíches, e a exagerarem na ingestão calórica e no 
consumo de açúcar”, diz o senador Cristovam

Antes considerados problemas de países ricos, o sobrepeso e a obesidade estão em alta nas nações de baixa e média rendas, em especial nas áreas urbanas, conforme estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No mundo todo, já são responsáveis por mais mortes do que a desnutrição.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou, em agosto de 2010, os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008–09), indicando que o peso dos brasileiros vem aumentando nos últimos anos. O excesso de peso em homens adultos saltou de 18,5% para 50,1% — ou seja, metade dos homens adultos já estava acima do peso — e ultrapassou, em 2008–09, o excesso em mulheres, que foi de 28,7% para 48%.
O excesso de peso e a obesidade são encontrados com grande frequência, a partir de 5 anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões brasileiras. O IBGE e o Ministério da Saúde entrevistaram e tomaram medidas de 188 mil pessoas de todas as idades em 55.970 ­domicílios em todos os estados e no Distrito Federal.
No início de fevereiro, foram divulgados os resultados de um levantamento realizado pelo Programa Meu Prato Saudável, coordenado pelo Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, no município de São Paulo, apontando que 66,3% dos entrevistados estão acima do peso: 28,9% estão obesos — sendo 19% com obesidade grau 1 (forma mais leve), 7,2% com grau 2, e 2,7% com o grau 3, conhecido como obesidade mórbida — e 37,4% com sobrepeso.


       Os resultados chamam mais a atenção porque estão bem acima do Vigitel 2011 (pesquisa telefônica feita pelo Ministério da Saúde), que apontava 15,8% dos brasileiros como obesos e 48,5% com sobrepeso. Um crescimento muito grande em pouco tempo.
Para o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), a retirada do mercado de algumas drogas para emagrecer e a restrição do uso dos remédios que restaram podem ser fatores a mais para explicar tantos casos de obesidade na cidade de São Paulo (veja Especial Cidadania sobre o tema no Saiba Mais).
E a tendência é que o problema piore. Muito Além do Peso, um documentário sobre obesidade infantil lançado em novembro do ano passado e dirigido por Estela Renner, revela que já há no Brasil uma geração de crianças condenadas a morrer cedo ou ter problemas de saúde em função de maus hábitos alimentares. O filme afirma que 56% dos bebês brasileiros com menos de um ano de idade tomam refrigerantes. Um terço das crianças brasileiras está acima do peso ou obesa: 33% têm obesidade, sendo que quatro de cada cinco delas deverão manter-se nessa condição até o fim da vida.
Doença crônica é epidemia em vários países
A obesidade é considerada uma doença crônica caracterizada pelo excesso de gordura no organismo com desproporção na distribuição da gordura pelo corpo. Cerca de 250 milhões de pessoas no mundo apresentam sobrepeso ou obesidade, sendo que quase todos os países sofrem dessa epidemia, inclusive o Brasil.
O sobrepeso é estabelecido quando o índice de massa corporal (IMC), relação entre peso e altura, é de 25 até 29,9. A partir de 30 de IMC a pessoa é considerada obesa. O IMC é calculado dividindo o peso pela altura elevada ao quadrado.
O excesso de gordura visceral (intra-abdominal) é considerado um fator de risco maior que o excesso de peso total, pois envolve os órgãos do abdômen é está correlacionado com diabetes, pressão alta, colesterol alto, doenças cardiovasculares e síndromes metabólicas. A obesidade também aumenta o risco de incidência de alguns tipos de câncer, como mama, intestino, estômago e próstata. Nas meninas, predispõe ao desenvolvimento da puberdade precoce.
Já a gordura localizada (subcutânea, logo abaixo da pele, que forma os “pneuzinhos” e os culotes) não oferece riscos graves para a saúde, é um problema mais estético, mas que precisa de atenção porque pode ocorrer simultaneamente ao excesso de gordura ­visceral. A forma mais segura de identificar o tipo de gordura corporal é
Acúmulo de
gordura ao redor
dos órgãos é a
forma mais grave
de obesidade
por meio de exames clínicos. Buscar ajuda médica é essencial principalmente nos casos de gordura visceral, quando é necessário tratar as doenças que estão causando o acúmulo de gordura ao redor dos órgãos.
A obesidade tem causa multifatorial, envolvendo questões biológicas, econômicas, sociais, políticas e culturais. Mas a principal causa costuma ser o desequilíbrio entre o consumo de alimentos e o gasto de calorias.
A genética contribui com menos de 10% dos casos e outros fatores, como comportamento alimentar, sedentarismo e prática da atividade física possuem maior influência sobre o excesso de gordura corporal.
Algumas doenças endócrinas, como hipotireoidismo e problemas no hipotálamo, representam menos de 1% dos casos de excesso de peso.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos anos houve um aumento global do consumo de alimentos altamente calóricos e ricos em gordura, sal e açúcar, mas pobres em vitaminas, minerais e outros micronutrientes. Ao mesmo tempo, ocorreu uma queda na atividade física por causa do aumento de atividades laborais de natureza sedentária, mudança nos meios de transporte e aumento da urbanização.
Rotina agrava problema nas crianças
Enquanto os alimentos ricos em açúcar e gordura, mas pobres em nutrientes, que só eram oferecidos às crianças em ocasiões especiais, passaram a fazer parte da rotina alimentar de muitos meninos e meninas, andar a pé ou brincar na rua deixaram de ser hábitos tão frequentes, substituídos por televisão, videogame, computador e andar de carro. A ansiedade e estresse, para os quais a forma de escape muitas vezes é comer em excesso, tornaram-se mais ­frequentes entre crianças.
O resultado dessas mudanças é verificado em estatísticas que apontam uma verdadeira epidemia de obesidade infantil. Segundo a POF 2008–09, em 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso recomendado pela OMS.
O reflexo aparece no diagnóstico cada vez mais frequente de crianças com doenças antes típicas de adultos, como colesterol alto, hipertensão e diabetes tipo 2, que resultam principalmente do estilo de vida inadequado. Tem crescido também o risco de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) em idades precoces.
Segundo a endocrinologista Patrícia Medici Dualib, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a principal causa dessa epidemia é o fácil acesso a alimentos como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, refrigerante e fast-food. O sedentarismo, estimulado pelo medo da violência urbana, é outra causa.
— Também falta estímulo à alimentação saudável nas escolas — critica.
No caso das cantinas e lanchonetes das escolas, ainda não há uma lei nacional sobre o tema, mas estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul já têm leis para regulamentar a venda de alimentos nesses locais.
Patrícia acrescenta que o excesso de peso pode ainda interferir na qualidade de vida das crianças por meio de doenças articulares, que provocam dores e apneia do sono. Também podem ocorrer transtornos ­alimentares como bulimia e anorexia, ressalta.
Alguns produtos industrializados como sobremesas lácteas gordurosas, biscoitos “integrais” com muito sódio e gordura, sucos à base de soja e néctares de fruta de caixinha com excesso de açúcar podem parecer nutritivos pela embalagem, enganando o consumidor. Por isso, ela defende, ainda, que a sociedade se organize para cobrar mudanças no rótulo dos alimentos, com alerta sobre os ingredientes não saudáveis presentes na composição de cada produto. No Senado, há projeto sobre o tema (veja ao lado).
A quantidade de alimentos oferecida às crianças também é um problema. Os filhos de famílias com menos condições financeiras, por exemplo, muitas vezes almoçam três vezes por dia: em casa, em projetos sociais que frequentam e na merenda da escola — já que muitas instituições públicas oferecem uma refeição completa e não apenas um lanche (mesmo a obesidade sendo hoje um problema bem mais frequente que a desnutrição no país, segundo o IBGE).
Senadores têm projetos para combater o excesso de peso
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou o PLS 489/08 determinando que, para orientar a escolha de uma alimentação saudável, os rótulos das embalagens dos alimentos deverão trazer selo de identificação com cores, em função de sua composição nutricional “Julgamos que a identificação por meio de um selo de cores diferenciadas irá auxiliar a população a escolher os alimentos e melhorar suas condições de saúde”, argumenta Cristovam.
O projeto encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e o relator é Cyro Miranda (PSDB-GO).
Depois segue para a Comissão de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor (CMA), para a Comissão de Agricultura (CRA) e receberá decisão terminativa na Comissão de Assuntos Sociais (CAS).
Já projeto de Jayme Campos (DEM-MT) determina que os rótulos das bebidas que menciona especifiquem o teor calórico nelas contido e apresentem frase de advertência quanto aos riscos da obesidade infantil.
O PLS 196/07 altera a Lei 8.918/94. Encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), aguardando designação do relator.
Na CMA, foi aprovado voto em separado de Romero Jucá (PMDB-RR), determinando que “as embalagens das bebidas açucaradas deverão informar o teor calórico e conter advertência sobre os malefícios decorrentes do consumo abusivo dessas bebidas, segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas sequencialmente, de forma simultânea ou rotativa, acompanhadas de imagens ou figuras que ilustrem o sentido da mensagem”. Depois o texto segue para a CAE e, em decisão terminativa, para a CAS.
O PLS 144/12, de Eduardo Amorim (PSC-SE), veda a promoção e a comercialização de refeição rápida acompanhada de brinde, brinquedo, objeto de apelo infantil ou bonificação. Já foi aprovado na CMA e encontra-se na CAE, onde o parecer do relator, Ciro Nogueira (PP-PI), é contrário ao projeto. Depois receberá decisão terminativa na CAS.
É preciso mudar hábitos para não encurtar a vida
Se até meados do século passado 50% das mortes eram provocadas por doenças infecciosas, hoje elas causam apenas 5% dos óbitos. Já as doenças crônicas — causadas principalmente pelo estilo de vida inadequado — foram responsáveis por 49% dos 35 milhões de falecimentos de 2005, segundo a OMS. A previsão é de que, em 2030, as doenças crônicas respondam por 70% do total de mortes.
Para evitar o excesso de gordura visceral e ser mais saudável não é preciso uma dieta muito restritiva nem abusar de exercícios físicos. Pequenas mudanças na rotina podem melhorar muito não só a saúde como a qualidade de vida.

A nutricionista Valéria Mortara sugere simples mudanças 
na rotina

A nutricionista Valéria Mortara, de Londrina (PR),  explica que nem sempre é fácil substituir o prazer imediato, como o de comer chocolate, por exemplo, pela satisfação de ser mais saudável, mas que é obtida em longo prazo. Tem que ser uma decisão interior, explica. Valéria acredita que a conquista de hábitos saudáveis depende de uma perspectiva realista.
— Devemos aderir a mudanças que seremos capazes de manter — diz.
Ela cita como regras a serem seguidas diariamente: comer cinco porções diárias de vegetais (entre verduras, legumes e frutas), beber oito copos de água por dia, ter horários mais ou menos fixos para as refeições, mastigar bem e nunca repetir o prato.
— É mais importante comer vegetais todos os dias do que rejeitar doces ou frituras. Se a gente come salada, não sobra tanto espaço para bife à milanesa e batata frita — afirma.
Para uma reeducação alimentar, segundo a nutricionista, as escolhas saudáveis têm de ser diárias. Só com a repetição os bons hábitos se transformam em rotina. Fazer trocas também é um bom caminho.
— Ao trocar refrigerante por água ou um alimento por outro melhor, você ocupa com coisas saudáveis o que antes era ocupado por inadequadas.
A mudança depende ainda de planejamento, afirma Valéria. Uma dica é ter sempre na geladeira verduras e legumes lavados, bem secos (para aumentar a conservação), guardados  em recipientes plásticos, para garantir as porções diárias de vegetais. E fazer porções maiores de pratos que podem ser congelados e guardar o restante para os dias de mais correria.
— Com as informações certas, dá para preparar uma refeição saudável no mesmo tempo em que se esperaria um pedido de pizza.

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