Serviço de utilidade pública (saúde)
POR JULIANA SECK
Aumento do consumo de alimentos altamente calóricos e ricos em gordura,
sal e açúcar, mas pobres em nutrientes ocorre juntamente com o crescimento do
sedentarismo, mudanças nos meios de transporte e aumento da urbanização
“A falta de tempo e informação adequada levam as pessoas a
trocarem pratos saudáveis por salgadinhos, refrigerantes e
sanduíches, e a exagerarem na ingestão calórica e no
consumo de açúcar”, diz o senador Cristovam
trocarem pratos saudáveis por salgadinhos, refrigerantes e
sanduíches, e a exagerarem na ingestão calórica e no
consumo de açúcar”, diz o senador Cristovam
Antes
considerados problemas de países ricos, o sobrepeso e a obesidade estão em alta
nas nações de baixa e média rendas, em especial nas áreas urbanas, conforme
estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No
mundo todo, já são responsáveis por mais mortes do que a desnutrição.
No
Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou, em
agosto de 2010, os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2008–09),
indicando que o peso dos brasileiros vem aumentando nos últimos anos. O excesso
de peso em homens adultos saltou de 18,5% para 50,1% — ou seja, metade dos
homens adultos já estava acima do peso — e ultrapassou, em 2008–09, o excesso
em mulheres, que foi de 28,7% para 48%.
O
excesso de peso e a obesidade são encontrados com grande frequência, a partir
de 5 anos de idade, em todos os grupos de renda e em todas as regiões
brasileiras. O IBGE e o Ministério da Saúde entrevistaram e tomaram medidas de
188 mil pessoas de todas as idades em 55.970 domicílios em todos os estados e
no Distrito Federal.
No
início de fevereiro, foram divulgados os resultados de um levantamento
realizado pelo Programa Meu Prato Saudável, coordenado pelo Instituto do
Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, no
município de São Paulo, apontando que 66,3% dos entrevistados estão acima do
peso: 28,9% estão obesos — sendo 19% com obesidade grau 1 (forma mais leve),
7,2% com grau 2, e 2,7% com o grau 3, conhecido como obesidade mórbida — e
37,4% com sobrepeso.
Para
o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de
Nutrologia (Abran), a retirada do mercado de algumas drogas para emagrecer e a
restrição do uso dos remédios que restaram podem ser fatores a mais para
explicar tantos casos de obesidade na cidade de São Paulo (veja Especial
Cidadania sobre o tema no Saiba Mais).
E a
tendência é que o problema piore. Muito Além do Peso, um documentário sobre
obesidade infantil lançado em novembro do ano passado e dirigido por Estela
Renner, revela que já há no Brasil uma geração de crianças condenadas a morrer
cedo ou ter problemas de saúde em função de maus hábitos alimentares. O filme
afirma que 56% dos bebês brasileiros com menos de um ano de idade tomam
refrigerantes. Um terço das crianças brasileiras está acima do peso ou obesa:
33% têm obesidade, sendo que quatro de cada cinco delas deverão manter-se nessa
condição até o fim da vida.
Doença
crônica é epidemia em vários países
A
obesidade é considerada uma doença crônica caracterizada pelo excesso de
gordura no organismo com desproporção na distribuição da gordura pelo corpo.
Cerca de 250 milhões de pessoas no mundo apresentam sobrepeso ou obesidade,
sendo que quase todos os países sofrem dessa epidemia, inclusive o Brasil.
O
sobrepeso é estabelecido quando o índice de massa corporal (IMC), relação entre
peso e altura, é de 25 até 29,9. A partir de 30 de IMC a pessoa é considerada
obesa. O IMC é calculado dividindo o peso pela altura elevada ao quadrado.
O
excesso de gordura visceral (intra-abdominal) é considerado um fator de risco
maior que o excesso de peso total, pois envolve os órgãos do abdômen é está
correlacionado com diabetes, pressão alta, colesterol alto, doenças
cardiovasculares e síndromes metabólicas. A obesidade também aumenta o risco de
incidência de alguns tipos de câncer, como mama, intestino, estômago e
próstata. Nas meninas, predispõe ao desenvolvimento da puberdade precoce.
Já a
gordura localizada (subcutânea, logo abaixo da pele, que forma os “pneuzinhos”
e os culotes) não oferece riscos graves para a saúde, é um problema mais
estético, mas que precisa de atenção porque pode ocorrer simultaneamente ao
excesso de gordura visceral. A forma mais segura de identificar o tipo de
gordura corporal é
Acúmulo de
gordura ao redor dos órgãos é a forma mais grave de obesidade |
por
meio de exames clínicos. Buscar ajuda médica é essencial principalmente nos
casos de gordura visceral, quando é necessário tratar as doenças que estão
causando o acúmulo de gordura ao redor dos órgãos.
A obesidade
tem causa multifatorial, envolvendo questões biológicas, econômicas, sociais,
políticas e culturais. Mas a principal causa costuma ser o desequilíbrio entre
o consumo de alimentos e o gasto de calorias.
A
genética contribui com menos de 10% dos casos e outros fatores, como
comportamento alimentar, sedentarismo e prática da atividade física possuem
maior influência sobre o excesso de gordura corporal.
Algumas
doenças endócrinas, como hipotireoidismo e problemas no hipotálamo, representam
menos de 1% dos casos de excesso de peso.
Segundo
a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos anos houve um aumento global
do consumo de alimentos altamente calóricos e ricos em gordura, sal e açúcar,
mas pobres em vitaminas, minerais e outros micronutrientes. Ao mesmo tempo,
ocorreu uma queda na atividade física por causa do aumento de atividades
laborais de natureza sedentária, mudança nos meios de transporte e aumento da
urbanização.
Rotina
agrava problema nas crianças
Enquanto
os alimentos ricos em açúcar e gordura, mas pobres em nutrientes, que só eram
oferecidos às crianças em ocasiões especiais, passaram a fazer parte da rotina
alimentar de muitos meninos e meninas, andar a pé ou brincar na rua deixaram de
ser hábitos tão frequentes, substituídos por televisão, videogame, computador e
andar de carro. A ansiedade e estresse, para os quais a forma de escape muitas
vezes é comer em excesso, tornaram-se mais frequentes entre crianças.
O
resultado dessas mudanças é verificado em estatísticas que apontam uma verdadeira
epidemia de obesidade infantil. Segundo a POF 2008–09, em 2009, uma em cada
três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso recomendado pela OMS.
O
reflexo aparece no diagnóstico cada vez mais frequente de crianças com doenças
antes típicas de adultos, como colesterol alto, hipertensão e diabetes tipo 2,
que resultam principalmente do estilo de vida inadequado. Tem crescido também o
risco de infarto e acidente vascular cerebral (AVC) em idades precoces.
Segundo
a endocrinologista Patrícia Medici Dualib, da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a principal causa dessa epidemia é
o fácil acesso a alimentos como biscoitos recheados, salgadinhos de pacote,
refrigerante e fast-food. O sedentarismo, estimulado pelo medo da violência
urbana, é outra causa.
—
Também falta estímulo à alimentação saudável nas escolas — critica.
No
caso das cantinas e lanchonetes das escolas, ainda não há uma lei nacional sobre
o tema, mas estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul já têm leis para regulamentar a venda de alimentos nesses
locais.
Patrícia
acrescenta que o excesso de peso pode ainda interferir na qualidade de vida das
crianças por meio de doenças articulares, que provocam dores e apneia do sono.
Também podem ocorrer transtornos alimentares como bulimia e anorexia,
ressalta.
Alguns
produtos industrializados como sobremesas lácteas gordurosas, biscoitos
“integrais” com muito sódio e gordura, sucos à base de soja e néctares de fruta
de caixinha com excesso de açúcar podem parecer nutritivos pela embalagem,
enganando o consumidor. Por isso, ela defende, ainda, que a sociedade se
organize para cobrar mudanças no rótulo dos alimentos, com alerta sobre os
ingredientes não saudáveis presentes na composição de cada produto. No Senado,
há projeto sobre o tema (veja ao lado).
A
quantidade de alimentos oferecida às crianças também é um problema. Os filhos
de famílias com menos condições financeiras, por exemplo, muitas vezes almoçam
três vezes por dia: em casa, em projetos sociais que frequentam e na merenda da
escola — já que muitas instituições públicas oferecem uma refeição completa e
não apenas um lanche (mesmo a obesidade sendo hoje um problema bem mais
frequente que a desnutrição no país, segundo o IBGE).
Senadores
têm projetos para combater o excesso de peso
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou o PLS 489/08 determinando que, para orientar a escolha de uma alimentação saudável, os rótulos das embalagens dos alimentos deverão trazer selo de identificação com cores, em função de sua composição nutricional “Julgamos que a identificação por meio de um selo de cores diferenciadas irá auxiliar a população a escolher os alimentos e melhorar suas condições de saúde”, argumenta Cristovam.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou o PLS 489/08 determinando que, para orientar a escolha de uma alimentação saudável, os rótulos das embalagens dos alimentos deverão trazer selo de identificação com cores, em função de sua composição nutricional “Julgamos que a identificação por meio de um selo de cores diferenciadas irá auxiliar a população a escolher os alimentos e melhorar suas condições de saúde”, argumenta Cristovam.
O
projeto encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e o relator é Cyro
Miranda (PSDB-GO).
Depois
segue para a Comissão de Meio Ambiente e Defesa do Consumidor (CMA), para a
Comissão de Agricultura (CRA) e receberá decisão terminativa na Comissão de
Assuntos Sociais (CAS).
Já
projeto de Jayme Campos (DEM-MT) determina que os rótulos das bebidas que
menciona especifiquem o teor calórico nelas contido e apresentem frase de
advertência quanto aos riscos da obesidade infantil.
O PLS
196/07 altera a Lei 8.918/94. Encontra-se na Comissão de Constituição, Justiça
e Cidadania (CCJ), aguardando designação do relator.
Na
CMA, foi aprovado voto em separado de Romero Jucá (PMDB-RR), determinando que
“as embalagens das bebidas açucaradas deverão informar o teor calórico e conter
advertência sobre os malefícios decorrentes do consumo abusivo dessas bebidas,
segundo frases estabelecidas pelo Ministério da Saúde, usadas sequencialmente,
de forma simultânea ou rotativa, acompanhadas de imagens ou figuras que
ilustrem o sentido da mensagem”. Depois o texto segue para a CAE e, em decisão
terminativa, para a CAS.
O PLS
144/12, de Eduardo Amorim (PSC-SE), veda a promoção e a comercialização de
refeição rápida acompanhada de brinde, brinquedo, objeto de apelo infantil ou
bonificação. Já foi aprovado na CMA e encontra-se na CAE, onde o parecer do
relator, Ciro Nogueira (PP-PI), é contrário ao projeto. Depois receberá decisão
terminativa na CAS.
É
preciso mudar hábitos para não encurtar a vida
Se
até meados do século passado 50% das mortes eram provocadas por doenças
infecciosas, hoje elas causam apenas 5% dos óbitos. Já as doenças crônicas —
causadas principalmente pelo estilo de vida inadequado — foram responsáveis por
49% dos 35 milhões de falecimentos de 2005, segundo a OMS. A previsão é de que,
em 2030, as doenças crônicas respondam por 70% do total de mortes.
Para
evitar o excesso de gordura visceral e ser mais saudável não é preciso uma
dieta muito restritiva nem abusar de exercícios físicos. Pequenas mudanças na
rotina podem melhorar muito não só a saúde como a qualidade de vida.
A nutricionista Valéria Mortara sugere simples mudanças
na rotina
A
nutricionista Valéria Mortara, de Londrina (PR), explica que nem sempre é
fácil substituir o prazer imediato, como o de comer chocolate, por exemplo,
pela satisfação de ser mais saudável, mas que é obtida em longo prazo. Tem que
ser uma decisão interior, explica. Valéria acredita que a conquista de hábitos
saudáveis depende de uma perspectiva realista.
—
Devemos aderir a mudanças que seremos capazes de manter — diz.
Ela
cita como regras a serem seguidas diariamente: comer cinco porções diárias de
vegetais (entre verduras, legumes e frutas), beber oito copos de água por dia,
ter horários mais ou menos fixos para as refeições, mastigar bem e nunca
repetir o prato.
— É
mais importante comer vegetais todos os dias do que rejeitar doces ou frituras.
Se a gente come salada, não sobra tanto espaço para bife à milanesa e batata
frita — afirma.
Para
uma reeducação alimentar, segundo a nutricionista, as escolhas saudáveis têm de
ser diárias. Só com a repetição os bons hábitos se transformam em rotina. Fazer
trocas também é um bom caminho.
— Ao
trocar refrigerante por água ou um alimento por outro melhor, você ocupa com
coisas saudáveis o que antes era ocupado por inadequadas.
A
mudança depende ainda de planejamento, afirma Valéria. Uma dica é ter sempre na
geladeira verduras e legumes lavados, bem secos (para aumentar a conservação),
guardados em recipientes plásticos, para garantir as porções diárias de
vegetais. E fazer porções maiores de pratos que podem ser congelados e guardar
o restante para os dias de mais correria.
— Com
as informações certas, dá para preparar uma refeição saudável no mesmo tempo em
que se esperaria um pedido de pizza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário