Homenagem
pelo seu bicentenário
Antônio Francisco Lisboa, mais
conhecido como Aleijadinho, (Ouro Preto, ca. 29 de agosto de 1730 ou,
mais provavelmente, 1738 —
Ouro Preto, 18 de novembro de 1814) foi um
importante escultor, entalhador e arquiteto do Brasil colonial.
Pouco se sabe com certeza sobre sua biografia, que permanece até hoje
envolta em cerrado véu de lenda e controvérsia, tornando muito árduo o trabalho
de pesquisa sobre ele e ao mesmo tempo transformando-o em uma espécie de herói
nacional. A principal fonte documental sobre o Aleijadinho é uma nota
biográfica escrita somente cerca de quarenta anos depois de sua morte. Sua
trajetória é reconstituída principalmente através das obras que deixou, embora
mesmo neste âmbito sua contribuição seja controversa, já que a atribuição da
autoria da maior parte das mais de quatrocentas criações que hoje existem
associadas ao seu nome foi feita sem qualquer comprovação documental,
baseando-se apenas em critérios de semelhança estilística com peças
documentadas.
Toda sua obra, entre talha, projetos arquitetônicos, relevos e
estatuária, foi realizada em Minas Gerais,
especialmente nas cidades de Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei e Congonhas. Os
principais monumentos que contém suas obras são a Igreja de São Francisco de Assis de
Ouro Preto e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Com um
estilo relacionado ao Barroco e ao Rococó, é
considerado pela crítica brasileira quase em consenso como o maior expoente da arte colonial no Brasil e,
ultrapassando as fronteiras brasileiras, para alguns estudiosos estrangeiros é
o maior nome do Barroco americano, merecendo um lugar destacado na história da arte do ocidente.
Muitas dúvidas cercam a vida de Antônio Francisco Lisboa. Praticamente
todos os dados hoje disponíveis são derivados de uma biografia escrita em 1858
por Rodrigo José Ferreira Bretas, 44 anos após a morte do Aleijadinho,
baseando-se alegadamente em documentos e depoimentos de indivíduos que haviam
conhecido pessoalmente o artista. Contudo, a crítica recente tende a
considerar essa biografia em boa medida fantasiosa, parte de um processo de
magnificação e dramatização de sua personalidade e obra, numa manipulação
romantizada de sua figura cujo intuito era elevá-lo à condição ícone da
brasilidade, um misto de herói e artista, um "gênio singular,
sagrado e consagrado", como descreveu Roger Chartier. O relato de
Bretas, contudo, não pode ser completamente descartado, pois sendo a mais
antiga nota biográfica substancial sobre Aleijadinho, sobre ela se construiu a
maioria das biografias posteriores, mas as informações que traz precisam ser
encaradas com algum ceticismo, sendo difícil distinguir o que é fato do que foi
distorcido pela tradição popular e pelas interpretações do escritor. Biografias
e estudos críticos realizados pelos modernistas brasileiros
na primeira metade do século XX também fizeram interpretações tendenciosas de
sua vida e obra, aumentando a quantidade de estereótipos em seu redor, que
ainda hoje se perpetuam na imaginação popular e em parte da crítica, e são
explorados tanto por instâncias culturais oficias como pelas agências de turismo das
cidades onde ele deixou sua produção.
A primeira notícia oficial sobre
Aleijadinho apareceu em 1790 em um memorando escrito pelo capitão Joaquim José
da Silva, cumprindo ordem régia de 20 de julho de 1782 que determinava se
registrassem em livro oficial os acontecimentos notáveis, de que houvesse notícia
certa, ocorridos desde a fundação da Capitania de Minas Gerais. O memorando,
escrito ainda em vida de Aleijadinho, continha uma descrição das obras mais
notáveis do artista e algumas indicações biográficas, e em parte nele se baseou
Bretas para escrever os Traços biográficos relativos ao finado Antônio
Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de
Aleijadinho, onde reproduziu trechos do documento original, que mais tarde
se perdeu.
Detalhe de Ouro Preto, com a Igreja do Carmo,
projeto em parte de Aleijadinho
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, era filho natural de um
respeitado mestre de obras e arquiteto português, Manuel Francisco Lisboa, e sua escrava africana, Isabel. Na certidão de batismo invocada
por Bretas consta que Antônio, nascido escravo, fora batizado em 29 de agosto
de 1730 na então chamada Vila Rica, atual Ouro Preto, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de
Antônio Dias, tendo como padrinho Antônio dos Reis e sendo alforriado na
ocasião por seu pai e senhor. Na certidão não consta a data de nascimento da
criança, que pode ter ocorrido alguns dias antes. Entretanto, há
argumentos fortes que levam atualmente a se considerar mais provável que tenha
nascido em 1738, pois em
sua certidão de óbito consta como data de seu falecimento 18 de novembro de
1814, acrescentando que o artista tinha então 76 anos de idade. A data de
1738 é aceita pelo Museu Aleijadinho localizado
em Ouro Preto, e segundo Vasconcelos o manuscrito original de Bretas,
encontrado no arquivo da Arquidiocese de Mariana, remete o
nascimento a 1738, advertindo corresponder a data ao registrado na certidão de
óbito do artista; o motivo da discrepância entre as datas no manuscrito e no
opúsculo que foi impresso não é clara. Em 1738 seu pai casou com Maria
Antônia de São Pedro, uma açoriana, e com ela deu quatro meios-irmãos a
Aleijadinho, e foi nesta família que o artista cresceu.
Segundo Bretas o conhecimento que Aleijadinho tinha de desenho, de arquitetura e escultura fora
obtido de seu pai e talvez do desenhista e pintor João Gomes
Batista. Terá frequentado o internato do Seminário dos Franciscanos
Donatos do Hospício da Terra Santa de 1750 até 1759, em Ouro Preto, onde
aprenderia Gramática, Latim, Matemática e Religião.
Entrementes, assistia seu pai nos trabalhos que ele realizava na Matriz de
Antônio Dias e na Casa dos Contos, trabalhando também com seu tio Antônio
Francisco Pombal, entalhador, e Francisco Xavier de Brito. Colaborou com
José Coelho Noronha na obra da talha dos altares da Matriz de Caeté, projeto
de seu pai. Data de 1752 o seu primeiro projeto individual, um desenho para o
chafariz do pátio do Palácio dos Governadores em Ouro
Preto.
Em 1756 pode ter ido ao Rio de Janeiro acompanhando Frei Lucas de Santa Clara,
transportador do ouro e diamantes que deveriam ser embarcados para Lisboa, onde pode
ter recebido influência dos artistas locais. Dois anos depois teria criado um
chafariz de pedra-sabão para o Hospício da Terra Santa e logo em seguida
lançou-se como profissional autônomo.11Contudo,
sendo mulato, muitas vezes foi obrigado a aceitar contratos como artesão
diarista e não como mestre. Da década de 1760 até próximo da morte realizou uma
grande quantidade de obras, mas na ausência de documentação comprobatória,
diversas têm uma autoria controversa e são a rigor consideradas apenas
atribuições, baseadas em critérios de semelhança estilística com sua produção
autenticada. Em 1767 morreu-lhe o pai, mas Aleijadinho, como filho
bastardo, não foi contemplado no testamento. No ano seguinte alistou-se no
Regimento da Infantaria dos Homens Pardos de Ouro Preto, onde permaneceu três
anos, sem descontinuar sua atividade artística. Neste período recebeu
encomendas importantes: o risco da fachada da Igreja de Nossa Senhora do Carmo,
em Sabará, e os púlpitos da Igreja São Francisco de Assis, de Ouro
Preto.
Em torno de 1770 organizou sua oficina, que estava em franca expansão,
segundo o modelo das corporações de ofícios ou guildas medievais,
a qual em 1772 foi regulada e reconhecida pela Câmara de Ouro Preto. Ainda
em 1772, no dia 5 de agosto, foi recebido como irmão na Irmandade de São José
de Ouro Preto. Em 4 de março de 1776 o governador da Capitania de Minas, Dom
Antônio de Noronha, cumprindo instruções do vice-rei, convocou pedreiros,
carpinteiros, serralheiros e ferreiros para integrarem um batalhão militar que
trabalharia na reconstrução de um forte no Rio Grande do Sul.
Aleijadinho teria sido obrigado a atender ao chamado, chegando a se deslocar
até o Rio de Janeiro, mas então teria sido dispensado. No Rio providenciou o
averbamento judicial da paternidade de um filho que tivera com a mulata Narcisa
Rodrigues da Conceição, filho que se chamou, como o avô, Manuel Francisco
Lisboa. Mais tarde ela o abandonou e levou o filho para o Rio, onde ele se
tornou artesão.
Até então, de acordo com Bretas, Aleijadinho gozara de boa saúde e
apreciava os prazeres da mesa e as festas e danças populares, mas a partir de
1777 começaram a surgir os sinais de uma grave doença que, com o passar dos
anos, deformou-lhe o corpo e prejudicou seu trabalho, causando-lhe grandes
sofrimentos. Até hoje, como já Bretas reconhecera, é desconhecida a exata
natureza de seu mal, e várias propostas de diagnóstico foram oferecidas por
diversos historiadores e médicos. Mesmo com crescente dificuldade,
prosseguiu trabalhando intensivamente. Em 9 de dezembro de 1787 assumiu
formalmente como juiz da Irmandade de São José.16 Em
1790 o capitão Joaquim José da Silva escreveu o seu importante memorando para a
Câmara de Mariana, parcialmente transcrito por Bretas, onde deu diversos dados
sobre o artista, e, testemunhando a fama que então já o acompanhava, saudou-o
como....
Recibo assinado pelo Aleijadinho quando recebeu o
pagamento pela obra dos Profetas. Museu da Inconfidência
"O
novo Praxíteles... que
honra igualmente a arquitetura e escultura... Superior a tudo e singular nas
esculturas de pedra em todo o vulto ou meio relevado e no debuxo e ornatos
irregulares do melhor gosto francês é o sobredito Antônio Francisco. Em
qualquer peça sua que serve de realce aos edifícios mais elegantes, admira-se a
invenção, o equilíbrio natural, ou composto, a justeza das dimensões, a energia
dos usos e costumes e a escolha e disposição dos acessórios com os grupos
verossímeis que inspira a bela natureza. Tanta preciosidade se acha depositada
em um corpo enfermo que precisa ser conduzido a qualquer parte e atarem-se-lhe
os ferros para poder obrar".
Em 1796 recebeu outra encomenda de grande importância, para a realização
de esculturas da Via Sacra e os Profetas para
o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas,
consideradas a sua obra-prima. No censo de 1804 seu filho apareceu como um
de seus dependentes, junto com a nora Joana e um neto. Entre 1807 e 1809,
estando sua doença em estado avançado, a sua oficina encerrou as atividades,
mas ele ainda realizou alguns trabalhos. A partir de 1812 sua saúde piorou e
ele passou a depender muito das pessoas que o assistiam.
Presumível
imagem do Aleijadinho
Mudou-se para uma casa nas proximidades da Igreja do Carmo de Ouro
Preto, para supervisionar as obras que estavam a cargo de seu discípulo Justino
de Almeida. A esta altura estava quase cego e com as capacidades motoras
grandemente reduzidas. Por um breve período voltou para sua antiga
moradia, mas logo teve de acomodar-se na casa de sua nora, que de acordo com
Bretas se encarregou dos cuidados de que necessitava até que ele veio a
falecer, em 18 de novembro de 1814. Foi sepultado na Matriz de Antônio Dias, em
uma tumba junto ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte.
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