(História que só acontece na Bahia)
Crônica de Luiz Carlos Facó
Jânio
Quadros, Presidente da República, nos vagidos do seu mandato, nomeia como
Subchefe da Casa Civil o baianíssimo e queridíssimo Milton Santos.
Feliz
escolha, diziam uns. Opção de justiça, afirmavam outros. Na verdade concluíam
todos, um ato de reconhecimento do preparo e da cultura de um filho da terra do
Senhor do Bonfim. Em síntese, unanimidade abrangente. Impossível de se desqualificá-la.
Na
verdade o negro, pérola negra sem opacidade, Milton Santos, neto e filho de
professores, com os quais aprendeu a falar diversos idiomas, nasceu em Brotas
de Macaúbas, andarilho – o foi à vida inteira – por diversas cidades da região
cacaueira, formado em Direito e Professor Catedrático de Geografia, já era
merecedor de maior visibilidade. E ela veio em boa hora, num parto sem dor, sem
necessidade de bisturis para uma possível cesariana.
Mesmo
assim sem ter escrito seu clássico considerado universal, O Espaço Dividido, o
jovem de 34 anos já era havido como um grande reformulador da Geografia moderna
e um dos mais respeitados cientistas brasileiros. Em consonância com esses
diplomas que engrandecem qualquer personalidade, Milton era portador de uma
exemplar educação e sobeja simpatia – eu o chamava de mestre, por ser portado
de inteligência aguda e apurada cultura, como também por ter sido meu professor
– seus olhos miúdos pareciam sorrir e brilhar quando dialogava. Nu de azedumes
ou asperezas – eu creio que ele jamais tenha feito um só inimigo, embora, como esquerdista,
defendesse, com vigor ímpar, suas ideias políticas – fez dessas qualidades
passaporte que lhe permitiam transitar livremente pelos espaços ocupados pelos
seus antagonistas. Adversos que não o molestavam, ao contrário, admiravam-no e
respeitavam-no.
Com
essas credenciais, acompanhou Jânio em visita oficial a Cuba e, por ele, foi
designado para representar o Brasil nos festejos da independência da República
do Congo ex Congo Belga. Missões cumpridas com zelo e brilho, dando azo para
que a Bahia, através das suas figuras mais representativas se dispusessem
homenageá-lo com um banquete.
O
Hotel da Bahia se fez pequeno pra receber tanta gente. Políticos, professores,
advogados, empresários, médicos, artistas, intelectuais, estudantes,
convergidos numa reunião, sem precedentes, da nata local, para saudar um
conterrâneo. E, como de praxe, antes dos acepipes, foram servidos os encômios
ao homenageado, em discursos longos, arrastados, insossos, num fieira
interminável. Tantos e tão esmaecidos, que proporcionavam o bocejar dos
participantes.
Como
sempre acontece nesta terra mandingueira, em tais ocasiões se apresenta, sem
cerimônia, a licenciosa irreverência baiana, por vezes sarcástica ou arrogante.
E ela partiu do poeta Lafayette Spínola. Membro da Academia de Letras da Bahia,
Professor de Direito Internacional Público, que, pegando de um guardanapo de
papel, nele escreveu:
Banquete
a discurso longo
Teve
Milton Santos, singular
Só
porque voltou do Congo
Onde
deveria ficar.
Não
fora esse epigrama, passado de mão em mão, e de cujo teor teve conhecimento o
próprio Milton, acho que o repasto teria se prolongado até hoje. Como se
prolongaram as notícias do evento e os irreverenciosos versos do capitular
acadêmico.
Fevereiro
de 2010
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