sexta-feira, 14 de novembro de 2014

BANQUETE CONGOLÊS

(História que só acontece na Bahia)

Crônica de Luiz Carlos Facó

Jânio Quadros, Presidente da República, nos vagidos do seu mandato, nomeia como Subchefe da Casa Civil o baianíssimo e queridíssimo Milton Santos.
Feliz escolha, diziam uns. Opção de justiça, afirmavam outros. Na verdade concluíam todos, um ato de reconhecimento do preparo e da cultura de um filho da terra do Senhor do Bonfim. Em síntese, unanimidade abrangente. Impossível de se desqualificá-la.
Na verdade o negro, pérola negra sem opacidade, Milton Santos, neto e filho de professores, com os quais aprendeu a falar diversos idiomas, nasceu em Brotas de Macaúbas, andarilho – o foi à vida inteira – por diversas cidades da região cacaueira, formado em Direito e Professor Catedrático de Geografia, já era merecedor de maior visibilidade. E ela veio em boa hora, num parto sem dor, sem necessidade de bisturis para uma possível cesariana.

Mesmo assim sem ter escrito seu clássico considerado universal, O Espaço Dividido, o jovem de 34 anos já era havido como um grande reformulador da Geografia moderna e um dos mais respeitados cientistas brasileiros. Em consonância com esses diplomas que engrandecem qualquer personalidade, Milton era portador de uma exemplar educação e sobeja simpatia – eu o chamava de mestre, por ser portado de inteligência aguda e apurada cultura, como também por ter sido meu professor – seus olhos miúdos pareciam sorrir e brilhar quando dialogava. Nu de azedumes ou asperezas – eu creio que ele jamais tenha feito  um só inimigo, embora, como esquerdista, defendesse, com vigor ímpar, suas ideias políticas – fez dessas qualidades passaporte que lhe permitiam transitar livremente pelos espaços ocupados pelos seus antagonistas. Adversos que não o molestavam, ao contrário, admiravam-no e respeitavam-no.
Com essas credenciais, acompanhou Jânio em visita oficial a Cuba e, por ele, foi designado para representar o Brasil nos festejos da independência da República do Congo ex Congo Belga. Missões cumpridas com zelo e brilho, dando azo para que a Bahia, através das suas figuras mais representativas se dispusessem homenageá-lo com um banquete.
O Hotel da Bahia se fez pequeno pra receber tanta gente. Políticos, professores, advogados, empresários, médicos, artistas, intelectuais, estudantes, convergidos numa reunião, sem precedentes, da nata local, para saudar um conterrâneo. E, como de praxe, antes dos acepipes, foram servidos os encômios ao homenageado, em discursos longos, arrastados, insossos, num fieira interminável. Tantos e tão esmaecidos, que proporcionavam o bocejar dos participantes.
Como sempre acontece nesta terra mandingueira, em tais ocasiões se apresenta, sem cerimônia, a licenciosa irreverência baiana, por vezes sarcástica ou arrogante. E ela partiu do poeta Lafayette Spínola. Membro da Academia de Letras da Bahia, Professor de Direito Internacional Público, que, pegando de um guardanapo de papel, nele escreveu:
Banquete a discurso longo
Teve Milton Santos, singular
Só porque voltou do Congo
Onde deveria ficar.
Não fora esse epigrama, passado de mão em mão, e de cujo teor teve conhecimento o próprio Milton, acho que o repasto teria se prolongado até hoje. Como se prolongaram as notícias do evento e os irreverenciosos versos do capitular acadêmico.
Fevereiro de 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário