Por Luiz Carlos Facó
... Por tudo isso, tenho afirmado, com constância, aos meus amigos que os
baianos não têm descendentes. Possuem seguidores. Não fora assim, como explicar
a baianidade de Hectór Júlio Páride Bernabó, o imortal Caribé. De Hansen Bahia,
Pierre Verger, Odorico Tavares, Estácio de Lima. De Zélia Gattai, a excepcional
escritora que nos envolve de prazer com seus preciosos livros.
Consta
do livro santo da fé cristã, a Bíblia, no primeiro capítulo do Gênesis, que
Deus na Sua onisciência criou o universo em seis dias. Desde o céu, a terra, os
mares e os homens à sua “imagem e semelhança”. No sétimo, descansou. Numa
afirmação temerária, contraditada por incrédulos, estudiosos, cientistas. Eu,
embora conhecendo a Origem das Espécies do evolucionista Darwin, deixo-me
seduzir pela explicação bíblica. Não só a fá me encaminha à aceitação de tal
assertiva, mas também o fato de que ela é superlativamente mais poética e
fascinante do que as que se lhe opõem. E. ainda, só um poder divinal seria
capaz de produzir uma obra tão maravilhosa e grandiosa como esta.
Só não
concordo que a Bahia tenha sido originada da mesma forma. De tão perfeita ao
ser criada extrapolou em muito aquele prazo. Minha impressão é que tenha sido
preservada pelo Senhor daquela azáfama criativa inicial, e só depois, com
vagar, foi aos poucos sendo erigida, burilada, adornada. Resultando na obra
mestra em que se constituiu. Teoria que encontra respaldo na inconteste
sabedoria popular quando afirma que “Deus é brasileiro”, e eu arremato,
primacialmente, baiano.
O
nosso povo advém de três etnias. A índia, a negra e a branca. Em nossas
artérias fluem numa mistura harmônica o sangue de todas elas. Se eu desejasse
ser só um tiquinho condescendente, diria que pelo menos de duas delas o sangue
coexiste em cada um de nós. De sangue azul, todos escapam. Felizmente. Porque
ele é fraco, não é nutrido pela água de coco e o azeite de dendê, alimentos do
dia a dia que substanciam a nossa gente.
Do
índio herdamos o amor à natureza, a docilidade, o gosto pelas cores primitivas,
vivas, o prazer de dar, a sonoridade do idioma tupi, cujos vocábulos foram
incorporados em grande proporção à língua portuguesa. Do negro, a resistência à submissão, a fidelidade, a
beleza do corpo, a força muscular, o largo sorriso que deixa entrever o alvo
brilhante dos seus dentes, o gingado, o dom da musicalidade, o prazer lúdico, o
misticismo, a capacidade de cativar, a sensualidade. Tanto assim, que as suas
mulheres diferem de todas as demais.. têm corpos voluptuosos, onde a
sinuosidade das formas lhe confere um ar afrodisíaco. Apontando seus seios
volumosos e hirtos em direção ao horizonte. Com as pernas roliças, bem
esculpidas, suportando com elegância toda aquela magnífica estrutura. E uma
bunda saliente lembrando nossas suaves colinas, que sempre apelam para que as
escalemos. Complementados por rostos esfuziantes, fala dengosa, olhar matreiro
e sorriso enigmático. Do branco, a religiosidade, o aventureirismo, a saudade,
a capacidade de construir, lutar, conquistar. Além das muitas mazelas que até
hoje tentamos decantar.
Foi
deste soma perfeita de genes que resultou o povo baiano. Inteiro na arte de
obsequiar, servir. Cuja alegria de viver se expressa na música vibrante que
compõe. Principalmente no carinho que a todos dispensa, chamando através do seu
linguajar próprio, a mãe e a esposa de “mainha”, o pai e o marido de “painho”,
o amigo de “meu rei”, o camarada de “porreta”, a namorada de “minha deusa”.
Tornando-se, por tudo isso, om protótipo único. Que pela sua tipicidade deve
servir de modelo à constituição de uma espécie brasileira única.
Fazer parte dessa tribo, contudo, não é ter sido parido em terras
baianas. É possuir todas as características dessa gente. Gostar de carnaval,
correr atrás do trio elétrico (“só não vai quem já morreu”). Apreciar suas
comidas exóticas: o “acarajé”, o “abará”, o “vatapá”, o “xinxim” de galinha, o
“efó de folha”, o “caruru”, o “bobó” de camarão. Ter respeito e saudar Omolu
gritando “Atotô!”. Nanã, “Saluba!”. Xangô, “Kavo kabiesili!”. Iansã, “Epa!
Hei!”. Ogum, “Ogunyê!”. Oxóssi, “Okê!”. Iemanjá, “Odóia!”. Oxum, “Ora Yeyêo!”.
Oxalá, “Exe Hê!”. Ossaim, “Euê Ô!”. Da mesma forma como fazemos com os santos
da fé católica, em especial aqueles que nos são caros, repetindo sempre:
Aleluia! Relevantemente quando invocamos Nossa Senhora da Conceição da Praia,
Nosso Senhor do Bonfim, Santa Bárbara, Santo Antônio, Nossa Senhora das
Candeias, Sant’Ana, São Bartolomeu, São Gerônimo, São Jorge, São Roque, Santo
Expedito e Santa Luzia, considerados nossos principais devotos e guias. É se
benzer quando se põe em frente a um símbolo qualquer da cristandade.
Por
tudo isso, tenho afirmado, com persistência, aos meus amigos que os baianos não
têm descendentes. Possuem seguidores. Não fora assim, como explicar a
baianidade de Hectór Júlio Páride Bernabó, o imortal Caribé. De Hansen Bahia,
Pierre Verger, Odorico Tavares, Estácio de Lima. De Zélia Gattai, a excepcional
escritora que nos envolve de prazer com seus preciosos livros. De Rivaldo Silva Bôto, cônsul sergipano nesta
terra de Exú, erroneamente sincretizado como o diabo, mas antes de tudo o
mensageiro dos demais Orixás. Intratável, é verdade, em muitas ocasiões, embora
seja um irremediável moleque, um traquinas.
De Maria de Lourdes dos Santos Burgos, personagem de Jorge Amado no
livro ”Dona Flor E Seus Dois Maridos”. De José Calazans, o maior pesquisador e
conhecedor da história de Canudos. De Lícia Fábio, que se inclina em sinal de
respeito diante de um Peji. E de já ter passado pela Camarinha, “lugar onde se
recolhem as Iaôs durante a iniciação”. Da professora emérita da Universidade
Federal da Bahia, Arlete Cerqueira Lima. Do cardiologista Gilson Feitosa, uma
sumidade científica internacional. Do médico inventor, cognominado carinhosamente
de “Professor Pardal”, José Américo Silva Fontes. Do pintor Jenner Augusto. Do
único e insubstituível menestrel brasileiro Juca Chaves e sua mulher, a quem
chama carinhosamente de Yarinha, que num largo gesto de amor adotaram como
filhas duas autenticas baianinhas. De Sidney Magal, que trocou o burburinho das
metrópoles para viver no oásis provinciano (o gueto baiano). De Franz
Karajcberg, o escultor que denuncia crimes ecológicos através da sua magistral
obra. E de tantos outros que contribuíram e contribuem com seus esforços e
talento para a grandeza intelectual, artística, econômica e social desta generosa terra.
Tudo
porque aprenderam a rezar nosso particularíssimo credo:
Creio em Deus Pai. Único, abrangente
e misericordioso. Nas forças imanentes da natureza e dos nossos Orixás. Na
necessidade das orações e na eficácia dos ebós. No esplendor da Bahia, onde se
incrusta a sua mais bela joia, Salvador, senhora de todos os fetiches. Na
jovialidade e criatividade do seu povo. Em todos os Santos, que são acolhidos
neste Vaticano Negro com trezentos e sessenta e cinco igrejas. Na grandeza da
vida, que nos torna jubilosos por dela participar. Creio que a inteligência não
tem méritos se desacompanhada da humildade e temperança. Enfim, que a
tolerância e a discriminação de qualquer espécie são passado. Porque nos movem
a solidariedade e o espírito de fraternidade, pois perante Ele todos são
iguais. Para todo o sempre. Amém.
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