sexta-feira, 28 de novembro de 2014

CREDO BAIANO

 Por Luiz Carlos Facó


... Por tudo isso, tenho afirmado, com constância, aos meus amigos que os baianos não têm descendentes. Possuem seguidores. Não fora assim, como explicar a baianidade de Hectór Júlio Páride Bernabó, o imortal Caribé. De Hansen Bahia, Pierre Verger, Odorico Tavares, Estácio de Lima. De Zélia Gattai, a excepcional escritora que nos envolve de prazer com seus preciosos livros.

Consta do livro santo da fé cristã, a Bíblia, no primeiro capítulo do Gênesis, que Deus na Sua onisciência criou o universo em seis dias. Desde o céu, a terra, os mares e os homens à sua “imagem e semelhança”. No sétimo, descansou. Numa afirmação temerária, contraditada por incrédulos, estudiosos, cientistas. Eu, embora conhecendo a Origem das Espécies do evolucionista Darwin, deixo-me seduzir pela explicação bíblica. Não só a fá me encaminha à aceitação de tal assertiva, mas também o fato de que ela é superlativamente mais poética e fascinante do que as que se lhe opõem. E. ainda, só um poder divinal seria capaz de produzir uma obra tão maravilhosa e grandiosa como esta.
Só não concordo que a Bahia tenha sido originada da mesma forma. De tão perfeita ao ser criada extrapolou em muito aquele prazo. Minha impressão é que tenha sido preservada pelo Senhor daquela azáfama criativa inicial, e só depois, com vagar, foi aos poucos sendo erigida, burilada, adornada. Resultando na obra mestra em que se constituiu. Teoria que encontra respaldo na inconteste sabedoria popular quando afirma que “Deus é brasileiro”, e eu arremato, primacialmente, baiano.
O nosso povo advém de três etnias. A índia, a negra e a branca. Em nossas artérias fluem numa mistura harmônica o sangue de todas elas. Se eu desejasse ser só um tiquinho condescendente, diria que pelo menos de duas delas o sangue coexiste em cada um de nós. De sangue azul, todos escapam. Felizmente. Porque ele é fraco, não é nutrido pela água de coco e o azeite de dendê, alimentos do dia a dia que substanciam a nossa gente.
Do índio herdamos o amor à natureza, a docilidade, o gosto pelas cores primitivas, vivas, o prazer de dar, a sonoridade do idioma tupi, cujos vocábulos foram incorporados em grande proporção à língua portuguesa. Do negro,  a resistência à submissão, a fidelidade, a beleza do corpo, a força muscular, o largo sorriso que deixa entrever o alvo brilhante dos seus dentes, o gingado, o dom da musicalidade, o prazer lúdico, o misticismo, a capacidade de cativar, a sensualidade. Tanto assim, que as suas mulheres diferem de todas as demais.. têm corpos voluptuosos, onde a sinuosidade das formas lhe confere um ar afrodisíaco. Apontando seus seios volumosos e hirtos em direção ao horizonte. Com as pernas roliças, bem esculpidas, suportando com elegância toda aquela magnífica estrutura. E uma bunda saliente lembrando nossas suaves colinas, que sempre apelam para que as escalemos. Complementados por rostos esfuziantes, fala dengosa, olhar matreiro e sorriso enigmático. Do branco, a religiosidade, o aventureirismo, a saudade, a capacidade de construir, lutar, conquistar. Além das muitas mazelas que até hoje tentamos decantar.
Foi deste soma perfeita de genes que resultou o povo baiano. Inteiro na arte de obsequiar, servir. Cuja alegria de viver se expressa na música vibrante que compõe. Principalmente no carinho que a todos dispensa, chamando através do seu linguajar próprio, a mãe e a esposa de “mainha”, o pai e o marido de “painho”, o amigo de “meu rei”, o camarada de “porreta”, a namorada de “minha deusa”. Tornando-se, por tudo isso, om protótipo único. Que pela sua tipicidade deve servir de modelo à constituição de uma espécie brasileira única.
Fazer parte dessa tribo, contudo, não é ter sido parido em terras baianas. É possuir todas as características dessa gente. Gostar de carnaval, correr atrás do trio elétrico (“só não vai quem já morreu”). Apreciar suas comidas exóticas: o “acarajé”, o “abará”, o “vatapá”, o “xinxim” de galinha, o “efó de folha”, o “caruru”, o “bobó” de camarão. Ter respeito e saudar Omolu gritando “Atotô!”. Nanã, “Saluba!”. Xangô, “Kavo kabiesili!”. Iansã, “Epa! Hei!”. Ogum, “Ogunyê!”. Oxóssi, “Okê!”. Iemanjá, “Odóia!”. Oxum, “Ora Yeyêo!”. Oxalá, “Exe Hê!”. Ossaim, “Euê Ô!”. Da mesma forma como fazemos com os santos da fé católica, em especial aqueles que nos são caros, repetindo sempre: Aleluia! Relevantemente quando invocamos Nossa Senhora da Conceição da Praia, Nosso Senhor do Bonfim, Santa Bárbara, Santo Antônio, Nossa Senhora das Candeias, Sant’Ana, São Bartolomeu, São Gerônimo, São Jorge, São Roque, Santo Expedito e Santa Luzia, considerados nossos principais devotos e guias. É se benzer quando se põe em frente a um símbolo qualquer da cristandade.
Por tudo isso, tenho afirmado, com persistência, aos meus amigos que os baianos não têm descendentes. Possuem seguidores. Não fora assim, como explicar a baianidade de Hectór Júlio Páride Bernabó, o imortal Caribé. De Hansen Bahia, Pierre Verger, Odorico Tavares, Estácio de Lima. De Zélia Gattai, a excepcional escritora que nos envolve de prazer com seus preciosos livros.  De Rivaldo Silva Bôto, cônsul sergipano nesta terra de Exú, erroneamente sincretizado como o diabo, mas antes de tudo o mensageiro dos demais Orixás. Intratável, é verdade, em muitas ocasiões, embora seja um irremediável moleque, um traquinas.  De Maria de Lourdes dos Santos Burgos, personagem de Jorge Amado no livro ”Dona Flor E Seus Dois Maridos”. De José Calazans, o maior pesquisador e conhecedor da história de Canudos. De Lícia Fábio, que se inclina em sinal de respeito diante de um Peji. E de já ter passado pela Camarinha, “lugar onde se recolhem as Iaôs durante a iniciação”. Da professora emérita da Universidade Federal da Bahia, Arlete Cerqueira Lima. Do cardiologista Gilson Feitosa, uma sumidade científica internacional. Do médico inventor, cognominado carinhosamente de “Professor Pardal”, José Américo Silva Fontes. Do pintor Jenner Augusto. Do único e insubstituível menestrel brasileiro Juca Chaves e sua mulher, a quem chama carinhosamente de Yarinha, que num largo gesto de amor adotaram como filhas duas autenticas baianinhas. De Sidney Magal, que trocou o burburinho das metrópoles para viver no oásis provinciano (o gueto baiano). De Franz Karajcberg, o escultor que denuncia crimes ecológicos através da sua magistral obra. E de tantos outros que contribuíram e contribuem com seus esforços e talento para a grandeza intelectual, artística, econômica e  social desta generosa terra.
Tudo porque aprenderam a rezar nosso particularíssimo credo:

Creio em Deus Pai. Único, abrangente e misericordioso. Nas forças imanentes da natureza e dos nossos Orixás. Na necessidade das orações e na eficácia dos ebós. No esplendor da Bahia, onde se incrusta a sua mais bela joia, Salvador, senhora de todos os fetiches. Na jovialidade e criatividade do seu povo. Em todos os Santos, que são acolhidos neste Vaticano Negro com trezentos e sessenta e cinco igrejas. Na grandeza da vida, que nos torna jubilosos por dela participar. Creio que a inteligência não tem méritos se desacompanhada da humildade e temperança. Enfim, que a tolerância e a discriminação de qualquer espécie são passado. Porque nos movem a solidariedade e o espírito de fraternidade, pois perante Ele todos são iguais. Para todo o sempre. Amém

Nenhum comentário:

Postar um comentário