quinta-feira, 6 de novembro de 2014

GRAVE OMISSÃO NA CAMPANHA

                                             Artigo de Raymundo Pinto
É desembargador aposentado do TRT, é escritor, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia e da Academia Feirense de Letras.



A notícia foi divulgada sexta-feira passada, cinco dias após a eleição, informando que as contas públicas tiveram, em setembro, o pior resultado desde 2008. Comparando-se a receita com a despesa – sem contar os juros, ressalte-se – e reunindo-se os resultados negativos da União, Estados, Municípios e empresas estatais, no indicado mês, o déficit total alcançou a estratosférica quantia de 25,5 bilhões de reais. Desse valor, segundo o Tesouro Nacional, somente o Governo Central gastou cerca de 20 bilhões a mais do que arrecadou, também sem incluir juros. Os estudiosos de contabilidade pública ficaram alarmados com a constatação de que, até agosto, verificaram-se pequenos superávits nas mesmas contas, porém, com o “rombo” do mês imediato, o saldo negativo correspondente aos primeiros nove meses do corrente ano, chegou a nada menos de 15 bilhões, importância somente superada na época do Plano Real (1994).

Há que se reconhecer que os desmandos e a incompetência na gestão das finanças públicas não é algo recente. O Governo Federal, de longas datas, dá o péssimo exemplo e os dirigentes estaduais e municipais não ficam atrás. Providências como a extinção dos bancos oficiais dos estados e a lei de responsabilidade fiscal amenizaram em parte o problema, mas foram incapazes de deter a “sanha” de exageradas despesas e total descontrole com o dinheiro do povo. A desenfreada corrupção que atinge quase todos os setores da sociedade é um fator que muito contribui para os desequilíbrios orçamentários. Apesar de os brasileiros mais esclarecidos possuírem plena consciência da importância de enfrentar a vexatória situação, causa perplexidade não se ter discutido a questão – ou, ao menos, tocado no assunto – durante a campanha política que antecedeu as últimas eleições. Sem dúvida, foi a mais grave omissão cometida por candidatos e políticos em geral.    
Se os números recentes espantam, o conhecimento profundo da chamada dívida pública provoca em nós verdadeira revolta. Pena é que, sob a desculpa de que seriam temas demasiadamente “técnicos”, subtrai-se da população a transparente e livre discussão do assunto. Até a imprensa e a oposição silenciam sobre isso. O PT fez severas críticas a Fernando Henrique porque iniciou o governo (1994) com uma dívida (interna e externa somadas) superior a 108 bilhões de reais e, quando findou o mandato oito anos depois, deixo-a em mais de 658 bilhões. Ele foi forçado a enfrentar algumas crises internacionais e a comprometer o orçamento para implantar o Plano Real, que reduziu drasticamente a inflação. Pois bem, o crítico Lula, no final de sua gestão (2010), deixou o país devendo mais de um trilhão e 500 bilhões, mesmo tendo alardeado que teria quitado o débito com o FMI. Sua sucessora Dilma, em apenas quatro anos, já elevou a dívida pública para além de dois trilhões e 400 bilhões.   
Os sucessivos governos federais sempre fizeram questão de não revelar ao povo a real parcela do orçamento da União que se destina ao pagamento de juros e amortizações da referida dívida, que beneficia, em especial, bancos, investidores (nacionais e estrangeiros) e seguradoras. Caro leitor, se você estiver em pé, sente-se e acalme-se para ler o seguinte: o montante de dinheiro para satisfazer essas despesas alcança cerca de 43% do total da receita do orçamento. Mais de 20% vai para cobrir o déficit da Previdência Social e mais de 10%, com as transferências legais para estados e municípios. O que sobra dirige-se aos necessários investimentos públicos (insuficientes, como se sabe) e às despesas com educação, saúde, defesa e segurança pública. Os gastos com esses quatro últimos setores, uma vez somados, ainda são bem inferiores ao que os banqueiros e investidores recebem só de juros... Gravíssimo é que os políticos – tanto da situação e como da oposição – não denunciaram tal absurdo na campanha e, em consequência, nada propuseram para resolver o problema.

Todos nós conhecemos um parente, um amigo ou um conhecido que se mostram bastante desequilibrados no trato das finanças domésticas. Muitos compram por impulso, sem ter nenhum cuidado de examinar se a aquisição de um certo bem estaria dentro de suas possibilidades. Contraem dívidas em excesso e, na hora de quitá-las, verificam que sua renda é insuficiente. Apelam, então, para empréstimos bancários, parcelam o cartão de crédito (cujos juros são extorsivos), usam o cheque especial (também altos juros) ou, no desespero, caem até em mãos de insensíveis agiotas. Como dizem que os governos refletem as qualidades e defeitos de seu povo, é possível que esse descontrole de elevado contingente dos cidadãos e cidadãs exerça influência nas atitudes dos nossos dirigentes. Urge, pois, uma forte reação a essa verdadeira “cultura” do desperdício e sua irmã gêmea: a corrupção.

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