Crônica
As irmãs Rocha
Se acaso alguém cotejasse o mais belo azul com o azul dos olhos delas
observaria que aquele se ofuscaria com o matiz que este exibia. Entretanto, o
que mais me enternecia, era o sorriso que elas possuíam.
Crônica de Luiz Carlos Facó
Quase
ao final dos anos quarenta, meus pais costumavam levar-nos, eu e meu irmão
Jorge Alberto, para almoçarmos no Iate Clube da Bahia. Para nós, aquela reunião
familiar constituía-se num divertimento onde nossos sentidos e a nossa imaginação
ficavam aguçados. Minha mãe. Alice, plena de orgulho, exibia suas crias bem
fornidas. Meu pai, José Carlos, como um leão que demarca o território onde
vive, cuidava da segurança do grupo zelando pelo seu bem estar. Éramos felizes
e vivíamos, aqueles instantes, momentos por demais preciosos.
Em
nosso derredor, outras famílias se congraçavam trocando palavras gentis,
amistosos beijos e apertos de mãos. Respirava-se confraternização. Afinal,
naquele tempo, todos se conheciam na Bahia.
Num
daqueles domingos, descobri, casualmente, ao longe, duas lindíssimas jovens.
Eram diáfanas, muito bem proporcionadas. Usavam maiôs que detalhavam seus
corpos, moldados, porventura, pela perícia de cinzéis habilmente manipulados
por divinos artesãos. Nada lhes sobrava. Suas pernas torneadas com esmero, pelo
deus do bom gosto, carregavam com graça corpinhos de sílfides. Eram suaves de
traços e gestos. Seus cabelos doirados resplandeciam intensamente à luz do sol.
A pele de ambas, de textura e alvura ímpares, pareciam refletir o brilho suave
e etéreo da mais luminosa das galáxias. Se acaso alguém cotejasse o mais belo
azul com o azul dos olhos delas observaria que aquele se ofuscaria com o matiz
que este exibia. Entretanto, o que mais me enternecia, era o sorriso que elas
possuíam. Acima de tudo, franco, aberto, emoldurado pelo alvo acetinado de suas
perfeitas dentaduras. Dos seus lábios carnudos, voluptuosos, expostos à minha
cobiça, só poderiam sair palavras doces e suaves, presumia eu. Seus nomes,
Laura e Marta, descobertos por acaso, soavam aos meus ouvidos como uma sinfonia
composta pelos mestres Mozart, Chopin ou Vivaldi.
Enamorei-me,
apaixonei-me, não por uma, mas pelas duas ao mesmo tempo, por aquelas ninfas no
instante em que as vi. Tanto assim que me aproximei delas, com o coração
acelerado, para melhor apreciá-las e senti-las. Tal vizinhança deu-me certeza
de que ali se encontravam mulheres tão excepcionalmente ideais, que pela
primeira vez me tornara, mesmo em sendo criança, pelo pensamento e pelo desejo
do corpo, ali descobertos, refém da concupiscência.
Durante
alguns anos acompanhei-as de longe. A diferença de idade nos separava,
impedindo maior intimidade. Mas, quando perto delas, estive sempre, com o
coração desassossegado, inquieto, súplice a mendigar-lhes atenção, ao mesmo
tempo em que os meus olhos as apreciavam possuídos de cupidez. Vi Marta ser
eleita Miss Bahia, Miss Brasil, Consagrar-se como a segunda mulher mais bonita
do mundo; perdeu o primeiro
lugar
por duas malditas polegadas a mais, conta a lenda, justamente na região
anatômica mais apreciada pelos homens brasileiros.
Foi
o desejo mais profundo e lascivo que acalentei da meninice à puberdade.
Hoje,
decorridos mais de meio século daqueles sedutores encontros, analiso terem sido
aquelas figuras luxuriantes, responsáveis pela adoração que dedico a tudo
quanto transmite perfeição e formas harmoniosas. Como a música, bem composta e
executada; poesias que consagram a grandeza da vida; a boa pintura, assinada
pelo artista que exprime com mestria e o vigor do claro-escuro; os textos bem
escritos, todos com os perfis psicológicos dos seus personagens bem delineados,
soberbamente bem traçados; a escultura, que apresenta formas sutis, denunciadoras da sensibilidade do artífice;
enfim, a mulher, que com seus jeitos e trejeitos, sensualidade e disfarçada
indiferença, nos faz retomar a sexualidade adormecida.
Laura
e Marta, irmãs, são odes à beleza. Vale recordá-las. Pois delas há um pouco em
cada mulher que conheci, que vejo e com as quais convivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário