quarta-feira, 5 de novembro de 2014

LAURA E MARTHA

Crônica

As irmãs Rocha


Se acaso alguém cotejasse o mais belo azul com o azul dos olhos delas observaria que aquele se ofuscaria com o matiz que este exibia. Entretanto, o que mais me enternecia, era o sorriso que elas possuíam.

Crônica de Luiz Carlos Facó

Quase ao final dos anos quarenta, meus pais costumavam levar-nos, eu e meu irmão Jorge Alberto, para almoçarmos no Iate Clube da Bahia. Para nós, aquela reunião familiar constituía-se num divertimento onde nossos sentidos e a nossa imaginação ficavam aguçados. Minha mãe. Alice, plena de orgulho, exibia suas crias bem fornidas. Meu pai, José Carlos, como um leão que demarca o território onde vive, cuidava da segurança do grupo zelando pelo seu bem estar. Éramos felizes e vivíamos, aqueles instantes, momentos por demais preciosos.


Em nosso derredor, outras famílias se congraçavam trocando palavras gentis, amistosos beijos e apertos de mãos. Respirava-se confraternização. Afinal, naquele tempo, todos se conheciam na Bahia.
Num daqueles domingos, descobri, casualmente, ao longe, duas lindíssimas jovens. Eram diáfanas, muito bem proporcionadas. Usavam maiôs que detalhavam seus corpos, moldados, porventura, pela perícia de cinzéis habilmente manipulados por divinos artesãos. Nada lhes sobrava. Suas pernas torneadas com esmero, pelo deus do bom gosto, carregavam com graça corpinhos de sílfides. Eram suaves de traços e gestos. Seus cabelos doirados resplandeciam intensamente à luz do sol. A pele de ambas, de textura e alvura ímpares, pareciam refletir o brilho suave e etéreo da mais luminosa das galáxias. Se acaso alguém cotejasse o mais belo azul com o azul dos olhos delas observaria que aquele se ofuscaria com o matiz que este exibia. Entretanto, o que mais me enternecia, era o sorriso que elas possuíam. Acima de tudo, franco, aberto, emoldurado pelo alvo acetinado de suas perfeitas dentaduras. Dos seus lábios carnudos, voluptuosos, expostos à minha cobiça, só poderiam sair palavras doces e suaves, presumia eu. Seus nomes, Laura e Marta, descobertos por acaso, soavam aos meus ouvidos como uma sinfonia composta pelos mestres Mozart, Chopin ou Vivaldi.


Enamorei-me, apaixonei-me, não por uma, mas pelas duas ao mesmo tempo, por aquelas ninfas no instante em que as vi. Tanto assim que me aproximei delas, com o coração acelerado, para melhor apreciá-las e senti-las. Tal vizinhança deu-me certeza de que ali se encontravam mulheres tão excepcionalmente ideais, que pela primeira vez me tornara, mesmo em sendo criança, pelo pensamento e pelo desejo do corpo, ali descobertos, refém da concupiscência.
Durante alguns anos acompanhei-as de longe. A diferença de idade nos separava, impedindo maior intimidade. Mas, quando perto delas, estive sempre, com o coração desassossegado, inquieto, súplice a mendigar-lhes atenção, ao mesmo tempo em que os meus olhos as apreciavam possuídos de cupidez. Vi Marta ser eleita Miss Bahia, Miss Brasil, Consagrar-se como a segunda mulher mais bonita do mundo; perdeu o primeiro


lugar por duas malditas polegadas a mais, conta a lenda, justamente na região anatômica mais apreciada pelos homens brasileiros.
Foi o desejo mais profundo e lascivo que acalentei da meninice à puberdade.


Hoje, decorridos mais de meio século daqueles sedutores encontros, analiso terem sido aquelas figuras luxuriantes, responsáveis pela adoração que dedico a tudo quanto transmite perfeição e formas harmoniosas. Como a música, bem composta e executada; poesias que consagram a grandeza da vida; a boa pintura, assinada pelo artista que exprime com mestria e o vigor do claro-escuro; os textos bem escritos, todos com os perfis psicológicos dos seus personagens bem delineados, soberbamente bem traçados; a escultura, que apresenta formas sutis,  denunciadoras da sensibilidade do artífice; enfim, a mulher, que com seus jeitos e trejeitos, sensualidade e disfarçada indiferença, nos faz retomar a sexualidade adormecida.
Laura e Marta, irmãs, são odes à beleza. Vale recordá-las. Pois delas há um pouco em cada mulher que conheci, que vejo e com as quais convivo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário