Uma lenda cearense
Esperidião de Queiroz Lima auxiliado e acrescentado por Luiz Carlos Facó
Conta-nos
Esperidião de Queiroz Lima, no livro de sua autoria “Antiga Família do Sertão”,
ed. 1946, genealogia romanceada da família Queiroz/Facó, uma lenda cearense
quase bicentenária, que, de tão intrigante, resolvi, nas palavras do autor,
repassá-las a todos os leitores deste Blog.
(No
Ceará) a época era de violências inauditas. E numa de suas bandas, lá
pelos cafundós, movimentava-se um grupo
de pessoas. Algumas em montarias, outras tantas arrastando areia. Desavieram-se,
dois deles. Coisa boba. Contudo, sob
qualquer pretexto, prenderam e algemaram o que iniciou a pendenga, o violento
Tartaruga, que vociferara contra seu companheiro Carnaúba, e conduziram-no
escoltado para Fortaleza.
Tendo
marchado apenas três léguas, chegando à margem da lagoa da Ponciana, na Fazenda
Flora, arrancharam-se à sombra de um grande Juazeiro, que ainda hoje existe,
velho e mutilado.
Compunha-se
a escolta de oito homens; dois chefes, Antonio Tomas de Lima, Tartaruga, o
cabra Carnaúba e três agregados ou escravos.
Durante
essa parada, tornaram-se mais ofensivas as invectivas do preso. Carnaúba então
pediu aos chefes que o soltassem, para que os dois se medissem em luta
singular. Mas a uma injúria mais pesada, um dos chefes, Marcolino, deu uma
ordem a Antonio Tomaz, que desfechou um tiro de bacamarte no ouvido de
Tartaruga, que caiu fulminado. E enterraram-no ali mesmo, em cova rasa, pois
que logo deu na água.
Esse
crime, como sempre acontecia, ficou impune. Mas o povo daquelas ribeiras
guardou a história, espalhada através tradição oral, da morte de Tartaruga, a
quem tributa, em geral, sentimentos de simpatia e compaixão.
Essa
tragédia, apesar de ocorrida a tanto tempo e de ser fato corriqueiro naquele
vão de tempo, mantém-se particularmente viva na memória do povo por uma razão
muito especial: no local do crime, todos os anos, no começo do inverno aparece
o fogo do Tartaruga.
Alguns
moradores da vizinhança, que o viram mais de perto, descrevem o fogo do
Tartaruga como uma tocha, que se ergue do chão até certa altura, baixa depois
um tanto, sobe novamente a uma altura menor, torna a baixar e desaparece.
Muita
gente nos carnaubais, nas fazendas vizinhas, na época própria, tem visto quando
a noite aperta, um clarão na lagoa da Ponciana. Quem primeiro o avista grita
para os companheiros:
-
Olha o fogo do Tartaruga!
E
todos correm a vê-lo, e percebem a direção apontada o clarão conhecido.
Quando,
no princípio das chuvas, aparece o fogo do Tartaruga mais persistente e mais
nítido, é considerado por toda gente como prenúncio de bom inverno.
Naqueles
sertões na existência real desse fogo misterioso; variam, porém, as explicações
do fenômeno. Dizem os beatos que tendo o Tartaruga morrido em estado de pecado
mortal, sua alma ainda hoje pena no fogo do purgatório. Afirmam que é um fogo
sagrado, que assinala o local do crime perverso, que, ficou impune. Os mais
sabidos explicam que é fogo fátuo, produzida por matéria em decomposição. Falam
outros, em fosforescência da lama da lagoa, molhada com as primeiras chuvas.
Os
mais céticos, não obstante as respeitáveis testemunhas de vista, admitem que
tudo é crendice, criação ou mentira.
Mas
no consenso do povo da região o fogo do Tartaruga é uma perfeita realidade,
pois que é visto, periodicamente, há mais de um século e meio.
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