sábado, 6 de dezembro de 2014

BASTA DE DEPREDAR

Por Luiz Carlos Facó


Não encontramos aqui, na quantidade desejada, mecenas como há nos Estados Unidos. Capazes de doar parte de suas fortunas para sustentar uma pinacoteca, uma biblioteca, um museu, uma universidade, para reformar monumentos históricos, promover estudos e pesquisas científicas.

No ocaso da década de cinquenta, teve início na Bahia, com danosa consequência para Salvador, à demolição de inúmeras edificações que constituíam parte integrante de sua vida. Tudo em nome do progresso e da modernidade. Nada escapava. As picaretas e as marretas incumbiam-se da tarefa com agilidade surpreendente. Em poucas horas, deitavam ao chão preciosidades arquitetônicas que levaram anos para serem erguidas. Assim como hoje procedem as motosserras, dizimando nossas florestas que a natureza, por séculos, se incumbiu de fazê-las florescer e agigantar-se.
A insanidade era tanta que jogaram abaixo os exuberantes palacetes que enfeitavam a ladeira de São Bento, substituindo-os por arranha-céus onde predominam o granito, o vidro e alumínio. Da mesma forma procederam com os belíssimos prédios (arte decô) que abrigavam a imprensa Oficial do Estado e a Biblioteca Pública, em frente ao Palácio Rio Branco, na Praça Municipal, dando lugar a um enorme estacionamento, logo apelidado pelo povo de “cemitério de Sucupira”. No Rio Vermelho, sobre as estruturas de um antigo reduto ou fortim, onde eu e amigos mirins brincávamos, construído pelos portugueses, para salvaguarda do litoral norte da cidade, o único baluarte defensivo da área, se não considerarmos a Casa da Torre como fortaleza, erigiram uma igreja. Além de permitirem a degradação de centros históricos, museus, fortificações, orgulho da engenharia militar colonial, que embelezavam a cidade e contavam grande parte da sua história.
Essas depredações continuadas, algumas com a intervenção e leniência do poder constituído, dos próprios públicos e tantos outros particulares, só minorou, faça-se justiça, com a assunção de Antônio Carlos Magalhães, como Prefeito de Salvador, nos idos de 1967. Lúcido como administrador, amando a Bahia, particularmente Salvador de maneira apaixonada, e as artes, quiçá compulsivamente, pôs cobro a tais espoliações, saques ao patrimônio coletivo baiano, partindo para recuperar o quanto dizia respeito à memoria da sua terra natal e da nacional. Ação que teve continuidade nas suas subsequentes administrações como governador do Estado, cujo exemplo maior é a recuperação e revitalização do Pelourinho.
Mesmo assim, até hoje, ainda persistem as mesmas condições desfavoráveis à proteção do nosso patrimônio cultural e artístico. E um dos principais agentes desse mal, no particular, é o IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, conhecido em todas as latitudes do vasto Brasil como INFAME, por sua leniência na preservação de tais valores.
Criaram-se as leis de incentivo à cultura, Rouanet, de âmbito nacional, Faz Cultura, de caráter regional, que se mostram mais receptivas aos problemas. Entretanto, pouco mudou na mentalidade da nossa gente. Como o Estado, obrigado a atender às demandas da população, passando pela saúde, educação, saneamento, segurança pública, mobilidade urbana (transporte de qualidade), cultura, não pode arcar, sem ajuda, com as despesas para a solução de tantos desafios, era de se esperar não só o apoio do poder central através do Ministério da Cultura e outros órgãos periféricos, mas atrelados a esses problemas, que sempre se fizeram tíbios, como também a ajuda substantiva dos contribuintes aos projetos culturais. Entretanto, ele se faz a conta-gotas, frouxo. Não encontramos aqui, na quantidade desejada, mecenas como há nos Estados Unidos. Capazes de doar parte de suas fortunas para sustentar uma pinacoteca, uma biblioteca, um museu, uma universidade, para reformar monumentos históricos, promover pesquisas científicas. Os nossos são parcimoniosos em suas doações, quase avaros.
Felizmente, porque somos guardados por todos os santos e guiados pelos orixás das águas e da terra, talvez sejamos um oásis, neste aspecto, comparando-nos com os demais estados da federação. No passado Carlos Costa Pinto doou à Bahia todas as obras de arte que colecionou em vida. Hoje, Norberto Odebrecht, através da fundação que leva o nome do seu pai, Emílio, investe pesadamente em projetos que resgatam a memória da Bahia e de Salvador.
Mas ainda é muito pouco. Urge dar consciência àqueles que dispõem de recursos para que contribuam efetivamente, unindo-se aos que não podem fazê-lo, mas que cooperam graciosamente com trabalho, ideias, movidos pela obsessão em legar aos pósteros dados sobre as especificidades da nossa formação e grandeza históricas dos nossos avoengos.
Não tornemos nossos ouvidos moucos quando solicitados a colaborar com a cultura. Unamo-nos no alcançar tais objetivos. Basta de depredar. A hora é de preservar, reconstruir e construir. Os nossos filhos e netos agradecerão.

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