é escritor,
membro da
Academia de Letras Jurídicas da Bahia e Academia Feirense de Letras.
A denominada Reforma Protestante eclodiu no início do século XVI,
tendo Martim Lutero como seu principal líder. Na época, a Igreja Católica vivia
uma séria crise e o movimento teve como um de seus objetivos denunciar certos
desmandos, inclusive a condenável prática da venda de “indulgências”, uma forma
de arrecadar altas somas em dinheiro, prometendo, em troca, o perdão dos
pecados e, após a morte, a ida ao céu dos doadores. É claro que não ficou só
nisso, uma vez que representou um profundo rompimento com dogmas e costumes
religiosos então vigentes. A mais poderosa organização cristã não demorou a
reagir, logo surgindo a Contrarreforma, destacando-se a Companhia de Jesus,
fundada por Inácio de Loiola, em 1540. Vale observar que o desenrolar de tais
acontecimentos coincide com o tempo em que o Brasil dava seus primeiros passos
na condição de colônia de Portugal.
Muitos dos membros da indicada Companhia, chamados de jesuítas, foram deslocados para o território do
nosso país com a missão de exercer a catequese, ou seja, difundir a doutrina de
Cristo, principalmente entre os indígenas. Sua atuação, que se estendeu a
atividades leigas, teve enorme influência em toda a população. Recordamos esses
fatos históricos para demonstrar que as pessoas que habitavam a colônia, bem
assim seus descendentes por inúmeras gerações, viveram e foram formados dentro
de uma cultura de fortes raízes religiosas, que atravessou séculos e tem
presença marcante nos dias atuais. Até o final do Império, com D. Pedro II, a
Católica era a religião oficial. Deve-se a Rui Barbosa a insistência em incluir
na Constituição de 1891, a primeira da República, a separação do Estado de
qualquer culto. Em face das tradições bem antigas, é admirável e até
surpreendente a coragem dos constituintes em consagrar um princípio tão
avançado para aquela época.
Somente no decurso do século anterior, apareceram neste país, com mais
intensidade, adeptos de outras religiões, sendo, na maioria, seguidores das
idéias protestantes, conhecidos como “evangélicos”. No passado, as
autoridades não toleravam e perseguiam os cultos de origem africana, forçando
os negros, mesmo depois de libertados da escravidão, a praticarem na
clandestinidade os atos de suas crenças. Para disfarçar, eles procuraram, de
modo inteligente, identificar os orixás com santos católicos. Pouco a pouco, os
obstáculos foram vencidos e hoje já prevalece um consenso de aceitação dos usos
e costumes das minorias. Em suma, urge reconhecer que o nosso Brasil é
atualmente um exemplo para o mundo em termos de tolerância religiosa. Casos
esparsos e pontuais – como a campanha de certa igreja neopentecostal contra os
terreiros de candomblé e seus fiéis aqui na Bahia – são exceções e receberam
imediata repulsa.
Enquanto no nosso país convivemos num ambiente de considerável paz
entre os que professam seitas diferentes, é muito triste constatar que, em
pleno século XXI, chegam às manchetes dos veículos de imprensa do todo o mundo
inacreditáveis notícias de intolerância religiosa. Fica parecendo que a
História entrou em retrocesso. Mais grave ainda é verificar-se que essas
condenáveis atitudes negativas estão intimamente associadas ao terrorismo. Os
fanáticos que ocuparam partes dos territórios do Iraque e da Síria, implantando
um suposto “Estado Islâmico”, não se contentem em impor sua doutrina, mas vão
além, assassinando pessoas que não se convertem e também cidadãos de outros
países que foram por eles sequestrados. Palestinos e israelenses igualmente não
se entendem, entre outras causas, por se deixarem influenciar pelos
intransigentes e intolerantes extremistas de ambos os lados.
As
Nações mais poderosas já deram mostras de que é imperioso reagir à gravíssima
ameaça que representa para a civilização o avanço dessas ideias radicais.
Estrategistas de guerra provam que os bombardeios atuais em áreas dominadas por
terroristas islâmicos não têm funcionado como desejável. As populações mais
vitimadas pelas atrocidades esperam que as lideranças mundiais tomem a
iniciativa de medidas mais enérgicas para conter o retorno a uma barbárie que
parecia ter ficado no passado. Respeitando opiniões contrárias, não tenho
dúvidas de que muito concorre para a disseminação de ideias radicais a adoção –
pregada pela maioria dos mulçumanos – do princípio de que o Estado deve estar
atrelado a uma religião oficial. É evidente que isso constitui um indiscutível
óbice ao livre trânsito de pensamentos divergentes. A Turquia conseguiu a
separação e a boa notícia é que Tunísia, após as últimas revoltas populares,
marcha célere nesse sentido. Vamos torcer para que todos os povos deste planeta
voltem a vista para o Brasil e, mirando seus exemplos de tolerância religiosa,
convençam-se de que, ao insistirem na intolerância – inclusive no campo
político-ideológico, acrescentamos –, jamais será alcançada a paz mundial.
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