segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

LAMPIÃO – A RAPOSA DAS CAATINGAS

Ensaio de JOSÉ BERZERRA LIMA IRMÃO (736 p.)
ISBN: 978-85-6º753-69-7
JM Gráfica e Editora
Ano 2014
José Bezerra Lima Irmão. Autor de "Lampião - a Raposa das Caatingas". Sergipano de Frei Paulo – nascido no povoado Alagadiço, perto do local onde mataram o cangaceiro Zé Baiano. Bacharel em Direito. Pertence à Academia de Cultura da Bahia e à Academia Literária do Amplo Sertão Sergipano. Estudioso dos assuntos do Cangaço, Antônio Conselheiro e Padre Cícero, bem como dos beatos José Lourenço, Severino Tavares, Quinzeiro e José Senhorinho, envolvendo os episódios fantásticos de Caldeirão e Pau-de-Colher, e ainda os tristes fatos da Serra do Rodeador e da Pedra Bonita do Reino Encantado.
A FIGURA DE LAMPIÃO EMOLDURADA NO CONTEXTO HISTÓRICO E NO AMBIENTE EM QUE VIVEU

Bandido ou herói?




1.
... Eis o testemunho da cangaceira Cila, mulher de Zé Sereno: “O lampião que a história oficial apresenta não é o mesmo que conheci. Vi um homem preocupado com a moral dentro do seu bando, exigindo sempre o cultivo e o respeito dos valores do sertanejo; o religioso que, duas vezes ao dia, de manhã e à tarde, se a ocasião o permitisse, rezava o Ofício de Nossa Senhora.”
À sua maneira, Lampião era um homem religioso, como todo sertanejo. Mas o seu Deus era vingativo e chegado a um acerto de contas.


Lampião não perdoava delatores. Ele dizia que ninguém era obrigado a lhe avisar de nada, mas quem soubesse de alguma coisa a lhe avisasse, ele agradecia muito. Se o sujeito era pego pela polícia e posto em confissão para dizer se viu ou onde estavam os cangaceiros, não devia sofrer, podia dizer. O que Lampião não perdoava era alguém, espontaneamente, tomar a iniciativa de ir procurar a polícia para contar isto ou aquilo. Ele prevenia: a regra do bom viver é ouvir é ouvir, ver e calar, porque em boca fechada não entra mosca.


Lampião viveu no mundo dos coronéis, jagunços, vaqueiros, tropeiros, curandeiros, beatos milagreiros, fanáticos, cantadores, repentistas, secas e epidemias; no mundo das questões políticas, das questões pela posse da terra e das “questões de honra”, num ambiente sem lei e sem autoridade – o sertão do bacamarte. Podia haver escassez de ferramentas para o cultivo da terra inóspita, mas em compensação sobravam armas, pois os velhos arcabuzes, trabucos, mosquetões, reiunas, bacamartes, clavinotes, carabinas e garruchas usados pelos colonizadores e bandeirantes vinha passando de mão em mão, uma geração após outra. No sertão, todo homem que pudesse tinha uma arma. Quem não podia comprar uma arma de fogo, comprava uma faca “peixeira”. Era comum o sujeito ir para a roça com a enxada num ombro e a espingarda no outro.


Nos dias de feira, os homens da roça, ao entrar nas cidades ou vilas, costumavam deixar as armas guardadas nas casas onde ficavam arranchados, mas muitos iam com suas armas a tiracolo ou na cintura. Dia de feira era dia de facadas, tiros e mortes. Eram comuns os duelos no meio das feiras, com homens se matando a punhal, peixeira ou tiros. Billy Chandler observa que, como a vida nos sertões estava sempre sob ameaça, o porte de armas constituía uma espécie de “direito adquirido”. Desarmar um indivíduo representava uma ofensa à sua honra.
Agamenon Magalhães, que foi Governador de Pernambuco, manifestou seu espanto ante tal fenômeno ao coronel Né da Carnaúba, em cuja fazenda se hospedou certa vez quando viajava em campanha eleitoral de Afagados da Ingazeira para Salgueiro:
- “Coronel, por esse sertão todo, subindo ou descendo, só encontro gente que, se não é, parece cangaceiro”.


Em entrevista ao Diário de Pernambuco, um cidadão de Exu sintetizou assim o clima de violência no sertão: “Aqui se mata por devoção, porque, no entender de muitos, aquele que nunca assassinou, pelo menos, uma pessoa, se sente humilhado e acha que não mostrou sua masculinidade”.
Hoje, algum desavisado, que já nasceu na época das estradas asfaltadas, das comunicações instantâneas, da internet, poderia perguntar, simploriamente: Por que a polícia não prendia Lampião? Por que as pessoas não o processavam? E por que Lampião não arranjava um emprego e não procurava viver decentemente.
Sem dúvida, é impossível falar sobre Lampião e compreender as razões do cangaço sem fazer uma breve retrospectiva, de modo a situá-lo nas circunstâncias de sua época e no ambiente daquele sertão brabo dos santos e dos cangaceiros, homens que, nas palavras de José Lins do Rego, matavam e rezavam com a mesma crueza e a mesma humanidade...

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