Ensaio de JOSÉ BERZERRA LIMA IRMÃO (736 p.)
ISBN: 978-85-6º753-69-7
JM Gráfica e Editora
Ano 2014
José Bezerra Lima Irmão. Autor de "Lampião - a
Raposa das Caatingas". Sergipano de Frei Paulo – nascido no povoado Alagadiço,
perto do local onde mataram o cangaceiro Zé Baiano. Bacharel em Direito.
Pertence à Academia de Cultura da Bahia e à Academia Literária do Amplo Sertão
Sergipano. Estudioso dos assuntos do Cangaço, Antônio Conselheiro e Padre
Cícero, bem como dos beatos José Lourenço, Severino Tavares, Quinzeiro e José
Senhorinho, envolvendo os episódios fantásticos de Caldeirão e Pau-de-Colher, e
ainda os tristes fatos da Serra do Rodeador e da Pedra Bonita do Reino
Encantado.
A FIGURA DE LAMPIÃO EMOLDURADA NO CONTEXTO HISTÓRICO E NO AMBIENTE EM QUE
VIVEU
Bandido ou herói?
1.
... Eis o testemunho da cangaceira Cila,
mulher de Zé Sereno: “O lampião que a história oficial apresenta não é o mesmo
que conheci. Vi um homem preocupado com a moral dentro do seu bando, exigindo
sempre o cultivo e o respeito dos valores do sertanejo; o religioso que, duas
vezes ao dia, de manhã e à tarde, se a ocasião o permitisse, rezava o Ofício de
Nossa Senhora.”
À
sua maneira, Lampião era um homem religioso, como todo sertanejo. Mas o seu
Deus era vingativo e chegado a um acerto de contas.
Lampião
não perdoava delatores. Ele dizia que ninguém era obrigado a lhe avisar de
nada, mas quem soubesse de alguma coisa a lhe avisasse, ele agradecia muito. Se
o sujeito era pego pela polícia e posto em confissão para dizer se viu ou onde
estavam os cangaceiros, não devia sofrer, podia dizer. O que Lampião não
perdoava era alguém, espontaneamente, tomar a iniciativa de ir procurar a
polícia para contar isto ou aquilo. Ele prevenia: a regra do bom viver é ouvir
é ouvir, ver e calar, porque em boca fechada não entra mosca.
Lampião
viveu no mundo dos coronéis, jagunços, vaqueiros, tropeiros, curandeiros,
beatos milagreiros, fanáticos, cantadores, repentistas, secas e epidemias; no
mundo das questões políticas, das questões pela posse da terra e das “questões
de honra”, num ambiente sem lei e sem autoridade – o sertão do bacamarte. Podia
haver escassez de ferramentas para o cultivo da terra inóspita, mas em
compensação sobravam armas, pois os velhos arcabuzes, trabucos, mosquetões,
reiunas, bacamartes, clavinotes, carabinas e garruchas usados pelos
colonizadores e bandeirantes vinha passando de mão em mão, uma geração após
outra. No sertão, todo homem que pudesse tinha uma arma. Quem não podia comprar
uma arma de fogo, comprava uma faca “peixeira”. Era comum o sujeito ir para a
roça com a enxada num ombro e a espingarda no outro.
Nos
dias de feira, os homens da roça, ao entrar nas cidades ou vilas, costumavam
deixar as armas guardadas nas casas onde ficavam arranchados, mas muitos iam
com suas armas a tiracolo ou na cintura. Dia de feira era dia de facadas, tiros
e mortes. Eram comuns os duelos no meio das feiras, com homens se matando a
punhal, peixeira ou tiros. Billy Chandler observa que, como a vida nos sertões
estava sempre sob ameaça, o porte de armas constituía uma espécie de “direito
adquirido”. Desarmar um indivíduo representava uma ofensa à sua honra.
Agamenon
Magalhães, que foi Governador de Pernambuco, manifestou seu espanto ante tal
fenômeno ao coronel Né da Carnaúba, em cuja fazenda se hospedou certa vez
quando viajava em campanha eleitoral de Afagados da Ingazeira para Salgueiro:
-
“Coronel, por esse sertão todo, subindo ou descendo, só encontro gente que, se
não é, parece cangaceiro”.
Em
entrevista ao Diário de Pernambuco, um cidadão de Exu sintetizou assim o clima
de violência no sertão: “Aqui se mata por devoção, porque, no entender de
muitos, aquele que nunca assassinou, pelo menos, uma pessoa, se sente humilhado
e acha que não mostrou sua masculinidade”.
Hoje,
algum desavisado, que já nasceu na época das estradas asfaltadas, das
comunicações instantâneas, da internet, poderia perguntar, simploriamente: Por
que a polícia não prendia Lampião? Por que as pessoas não o processavam? E por
que Lampião não arranjava um emprego e não procurava viver decentemente.
Sem
dúvida, é impossível falar sobre Lampião e compreender as razões do cangaço sem
fazer uma breve retrospectiva, de modo a situá-lo nas circunstâncias de sua
época e no ambiente daquele sertão brabo dos santos e dos cangaceiros, homens
que, nas palavras de José Lins do Rego, matavam e rezavam com a mesma crueza e
a mesma humanidade...
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