terça-feira, 9 de dezembro de 2014

OS DESAFIOS DA ENGENHARIA BRASILEIRA NA ERA CONTEMPORÂNEA

Fernando Alcoforado*


No Dia do Engenheiro no Brasil comemorado em 11 de dezembro, é importante fazer Uma reflexão sobre a contribuição da Engenharia ao progresso da humanidade e apontar seus desafios na era contemporânea no Brasil. Desde os primórdios da humanidade, muita gente se ocupou de diversas tarefas que hoje são atribuições do engenheiro, e estão aí para provar as incontáveis e magníficas obras de Engenharia da Antiguidade, como o Farol de Alexandria, as Pirâmides do Egito, os Jardins Suspensos da Babilônia, a Acrópole e o Partenon de Atenas, os antigos aquedutos romanos, a Via Ápia, o Coliseu de Roma, Teotihuacán no México, as Pirâmides dos Maias, Incas e Astecas e a Grande Muralha da China, entre muitas outras obras. Desde a Antiguidade até o século XV, as obras de engenharia foram muito mais fruto do empirismo e da intuição do que do cálculo e de uma verdadeira engenharia. A investigação científica, inclusive nas ciências físicas e matemáticas, era quase mera especulação, em geral sem ter como alvo aplicações práticas. Havia, quando muito, alguma aplicação com finalidades militares.


Leonardo da Vinci e Galileu Galileu, nos séculos XV e XVII, por exemplo, podem ser considerados os precursores da Engenharia de base científica porque o que eles fizeram era regido por leis físicas e matemáticas. A Engenharia, compreendida como a arte de fazer, consiste em aplicar conhecimentos científicos e empíricos à criação de estruturas, processos e dispositivos, que são utilizados para converter recursos naturais em formas adequadas ao atendimento das necessidades humanas. A Engenharia tem sido utilizada ao longo da história da humanidade como um meio para a conquista de melhores condições de vida para a sociedade em todos os países do mundo e também para fins militares. A Engenharia é o meio através do qual as pessoas podem adquirir condições para habitar melhor, se transportar com mais rapidez, adquirir conforto e segurança, ter acesso a alimentos mais nutritivos e saudáveis, etc. O bom funcionamento da Engenharia, portanto, não é de interesse apenas dos profissionais e empresários do setor.

É de interesse de toda a sociedade, sendo também sinônimo de desenvolvimento. A Engenharia é, em suma, sinônimo de progresso técnico.

É sabido que a Engenharia está presente em todo o setor produtivo, a saber: nas fábricas, nos canteiros de obras habitacionais e de infraestrutura, nas universidades, nos laboratórios científicos, nos centros de pesquisas tecnológicas, nos transportes, na geração de energia, nas comunicações, na produção de alimentos, entre outros empreendimentos. As grandes mudanças que vêm ocorrendo na vida das pessoas, no mundo moderno, foram geradas pela tecnologia que é alimentada pelo conhecimento acumulado e os grandes investimentos em pesquisa e inovação. A humanidade precisa
da Engenharia porque é ela que transforma o conhecimento acumulado em universidades e centros de pesquisa, públicas e privadas, em produtos e serviços disponibilizados à sociedade.

A transformação do conhecimento produzido em laboratórios por profissionais de várias áreas, inclusive engenheiros, cabe aos engenheiros projetar e realizar. Não é à toa que em todas as definições da engenharia, e são muitas, encontramos as palavras “aplicação prática de princípios científicos visando à transformação da natureza com economia de recursos”. A Engenharia deve ser entendida, portanto, como uma cultura, aberta para a sociedade, ativa na promoção de seu desenvolvimento procurando como propósito a melhor qualidade de vida. Como o desenvolvimento tecnológico depende fundamentalmente da capacidade em Engenharia, pode-se afirmar que educação, ciência, engenharia e tecnologia estão intimamente relacionadas. A Engenharia é estratégica para o progresso da humanidade.

Modernamente, são inúmeros os empreendimentos no Brasil e no mundo que contaram e contam com o decisivo apoio da Engenharia tais como as gigantescas usinas hidrelétricas de Três Gargantas na China e Itaipu no Brasil/Paraguai, edifícios como o Empire State Building em New York, o Capital Gate na cidade de Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos e o Kingdom Tower, ainda em fase de projeto, que será construído na cidade de Jeddah, Arábia Saudita, que deve possuir 275 andares quando estiver pronto, atingindo a incrível marca dos 1,6 mil metros de altura, pontes como a mais longa do mundo sobre o mar de 36,48 quilômetros construída na cidade litorânea de Qingdao na China e a Rio-Niterói no Brasil, grandes estádios de futebol, shopping centers, aeroportos, ferrovias, rodovias e viadutos, navios transatlânticos, navios superpetroleiros e supergraneleiros, aviões a jato, foguetes espaciais, entre outros. Ao longo da história da Engenharia brasileira tem sido grande o número de engenheiros e empresas, das mais diversas áreas de atividades, que se têm se destacado pela criatividade e pioneirismo das soluções adotadas nos projetos e nas obras que executaram. Da época da instalação das grandes siderúrgicas a partir da industrialização na década de 1930 durante o governo Getúlio Vargas, que alteraram o modelo e as possibilidades de crescimento do País, da fase da abertura dos eixos rodoviários de penetração, da construção de Brasília, na ação  desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek e da construção das grandes hidrelétricas a partir da década de 1950, até o completo domínio da tecnologia de exploração de petróleo “off shore” na década de 1990, muitas empresas nacionais e muitos engenheiros ajudaram a modernizar e a desenvolver o Brasil.

O Brasil é plenamente desenvolvido em diferentes setores de Engenharia. Da construção de estradas ao setor energético tudo é possível de ser projetado e construído no Brasil.

Em alguns setores, inclusive, o Brasil é referência mundial, como é o caso dos programas ligados ao Proálcool e biodiesel, à exploração de petróleo em águas profundas, construções de grandes hidroelétricas, como Itaipu, a maior em operação até bem pouco tempo, projetada, construída e montada por empresas brasileiras. Os engenheiros e empresas de engenharia colaboraram decisivamente para desencadear o processo de modernização do País. É importante destacar também os administradores públicos engenheiros que tiveram larga visão e contribuíram para materializar ousados projetos de infraestrutura de energia, transportes e comunicações implantados no Brasil nos últimos 60 anos. Cabe lugar de relevo, também, os pioneiros na fabricação de máquinas e equipamentos, além de bens de capital e fornecedores de insumos que ajudaram a proporcionar extraordinário impulso à Engenharia e à Construção brasileiras. A Engenharia foi, portanto, responsável pela construção do Brasil moderno.

Apesar da enorme contribuição da engenharia brasileira à modernização do Brasil, ela precisa se fortalecer ainda mais para superar os desafios da era contemporânea visando contribuir para o progresso do País, destacando-se, entre eles, os seguintes: 1) a participação do Brasil na corrida à inovação tecnológica ao nível global; 2) a melhoria da qualidade da educação em geral no País e, em particular, dos atuais cursos de engenharia no Brasil; 3) a eliminação do déficit de engenheiros no Brasil; 4) o desmantelamento da engenharia consultiva do País; e, 5) o fortalecimento do Sistema
CONFEA/CREA cujas fragilidades precisam ser superadas. Estas são as condições exigidas para o fortalecimento da engenharia brasileira. Não existem dúvidas de que, para se desenvolver, o Brasil tem que contar necessariamente com sua Engenharia e, com o melhor uso desta, alavancar seu progresso econômico e social e evitar a eterna dependência tecnológica em relação ao exterior.

Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao progresso do Brasil, é preciso enfrentar o desafio de aumentar a participação do País na corrida à inovação ao nível global. A situação brasileira é desvantajosa quanto à inovação tecnológica porque,  enquanto os Estados Unidos, por exemplo, têm 800 mil cientistas trabalhando em pesquisa e desenvolvimento, o Brasil possui apenas 137 mil cientistas. Outro aspecto a considerar é a de que é ridículo falar em inovação tecnológica no Brasil com a indústria desnacionalizada e com os seus centros das decisões sobre produção e mercados, situados no exterior, como é o caso da indústria brasileira. Tudo isto explica porque o Brasil continua sendo um dos países menos inovadores do mundo. A indústria desnacionalizada é fator determinante para o Brasil ser um país que investe pouco em pesquisa, menos de 1 % do seu PIB, enquanto a maioria dos países industrializados está no patamar médio de 3%. O Brasil investe pouco em educação, algo como 4,5% do PIB, enquanto nos países desenvolvidos esse índice chega a 7% ou mais.

Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio da melhoria da qualidade da educação dos atuais cursos de engenharia no Brasil que têm um número excessivo de especializações na graduação. Para superar este problema, os cursos de engenharia deveriam ser reestruturados visando formar o engenheiro básico, tal como o médico e o advogado, com a especialização contemplada na pós-graduação cujas atribuições seriam
redefinidas pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CREA). Para contribuir para o progresso do Brasil, seria desejável que a formação do engenheiro do futuro fosse orientada no sentido de que o mesmo adquira uma visão totalizante das engenharias estabelecendo as relações entre as partes e o todo em seu conjunto ao contrário do que ocorre na atualidade que impõe o conhecimento fragmentado de acordo com as
especialidades.

Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio da insuficiência de engenheiros no Brasil que, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), seria necessário formar 60 mil engenheiros por ano no Brasil para dar conta da demanda por engenheiros. Mas o que acontece no Brasil é que apenas 48 mil obtêm este diploma a cada ano. Uma das causas da insuficiência de engenheiros no Brasil resulta, entre outros fatores, da desistência ou evasão dos alunos durante o curso que é muito grande chegando a 60%. A evasão acontece no primeiro e no segundo ano principalmente pela formação
deficiente em matemática e física do estudante no ensino médio que, em muitos casos, tem dificuldade para acompanhar o curso. A luta pela melhoria do ensino médio no Brasil é essencial para enfrentar o problema da evasão nos cursos de engenharia. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do governo federal estima que, em 2022, haverá a necessidade de 1,565 milhões de engenheiros em ocupações típicas o que significa dobrar a população de engenheiros em relação à situação atual.

Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio de evitar o desmantelamento da engenharia consultiva do País que ocorre devido ao baixo nível dos investimentos no aumento da capacidade produtiva do País, a desindustrialização e os problemas financeiros que afetam a Petrobras, principal contratante de serviços de consultoria. Tudo isto está levando ao sucateamento da engenharia brasileira e sua consequente incapacidade de colaborar com a execução das obras necessárias ao desenvolvimento do Brasil, sobretudo no campo da infraestrutura. É fundamental considerar que a engenharia consultiva é a base para o crescimento do país porque sem projetos bem feitos o Brasil não tem como crescer. Bons projetos e serviços de engenharia consultiva dependem fundamentalmente de equipes formadas por profissionais experientes no desenvolvimento de trabalhos nas mais diversas áreas abrangidas pelos setores de transportes, energia, telecomunicações, edificações, saneamento, entre várias outras as quais estão sendo desestruturadas. A situação atual contribui para a falta de projetos básicos e executivos competentemente elaborados e para o superfaturamento de obras atuando como um obstáculo para a infraestrutura do país. A superação desses problemas que afetam a engenharia brasileira precisa ser levada avante sem a qual comprometerá o futuro do Brasil.

Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio do fortalecimento do Sistema CONFEA/CREA cujas fragilidades precisam ser superadas. Estas fragilidades são as seguintes: 1) o Sistema CONFEA/CREA é uma autarquia do governo federal e, portanto, não é independente; 2) o Sistema CONFEA/CREA cumpre uma função meramente burocrática de fiscalização do exercício profissional; e, 3) o Sistema CONFEA/CREA é omisso na busca de solução para os grandes problemas nacionais, sobretudo no campo da educação, da infraestrutura e da ciência, tecnologia e inovação.

Por que não fazer com que o Sistema CONFEA/CREA passe a operar como a OAB que é, em verdade, entidade autônoma, porquanto autonomia e independência são características próprias dela? Para atuar com firmeza na defesa da engenharia nacional, o Sistema CONFEA/ CREA deveria se empenhar na luta pela melhoria da estrutura de ensino da engenharia e da educação em geral que contribuem para a insuficiência de engenheiros no País, bem como exercer rigorosa fiscalização na execução de obras públicas no Brasil para elevar seu nível de qualidade e combater a corrupção. Para contribuir na solução dos grandes problemas nacionais, sobretudo no campo da infraestrutura e da ciência, tecnologia e inovação, o sistema CONFEA/ CREA deveria ser independente do governo federal nos moldes da OAB e ser fortalecido para cumprir esta missão.

Estas são as condições para o soerguimento da engenharia no Brasil.

* Fernando Alcoforado, 74, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des) ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of  the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros. 

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