Fernando Alcoforado*
No Dia do Engenheiro no Brasil comemorado em 11 de dezembro, é
importante fazer Uma reflexão sobre a contribuição da Engenharia ao progresso da
humanidade e apontar seus desafios na era contemporânea no Brasil. Desde os
primórdios da humanidade, muita gente se ocupou de diversas tarefas que hoje
são atribuições do engenheiro, e estão aí para provar as incontáveis e
magníficas obras de Engenharia da Antiguidade, como o Farol de Alexandria, as
Pirâmides do Egito, os Jardins Suspensos da Babilônia, a Acrópole e o Partenon
de Atenas, os antigos aquedutos romanos, a Via Ápia, o Coliseu de Roma,
Teotihuacán no México, as Pirâmides dos Maias, Incas e Astecas e a Grande
Muralha da China, entre muitas outras obras. Desde a Antiguidade até o século XV,
as obras de engenharia foram muito mais fruto do empirismo e da intuição do que
do cálculo e de uma verdadeira engenharia. A investigação científica, inclusive
nas ciências físicas e matemáticas, era quase mera especulação, em geral sem
ter como alvo aplicações práticas. Havia, quando muito, alguma aplicação com
finalidades militares.
Leonardo da Vinci e Galileu Galileu, nos séculos XV e XVII, por
exemplo, podem ser considerados os precursores da Engenharia de base científica
porque o que eles fizeram era regido por leis físicas e matemáticas. A
Engenharia, compreendida como a arte de fazer, consiste em aplicar
conhecimentos científicos e empíricos à criação de estruturas, processos e
dispositivos, que são utilizados para converter recursos naturais em formas adequadas
ao atendimento das necessidades humanas. A Engenharia tem sido utilizada ao
longo da história da humanidade como um meio para a conquista de melhores condições
de vida para a sociedade em todos os países do mundo e também para fins militares.
A Engenharia é o meio através do qual as pessoas podem adquirir condições para
habitar melhor, se transportar com mais rapidez, adquirir conforto e segurança,
ter acesso a alimentos mais nutritivos e saudáveis, etc. O bom funcionamento da
Engenharia, portanto, não é de interesse apenas dos profissionais e empresários
do setor.
É de interesse de toda a sociedade, sendo também sinônimo de
desenvolvimento. A Engenharia é, em suma, sinônimo de progresso técnico.
É sabido que a Engenharia está presente em todo o setor produtivo,
a saber: nas fábricas, nos canteiros de obras habitacionais e de
infraestrutura, nas universidades, nos laboratórios científicos, nos centros de
pesquisas tecnológicas, nos transportes, na geração de energia, nas comunicações, na produção de alimentos,
entre outros empreendimentos. As grandes mudanças que vêm ocorrendo na vida das
pessoas, no mundo moderno, foram geradas pela tecnologia que é alimentada pelo
conhecimento acumulado e os grandes investimentos em pesquisa e inovação. A
humanidade precisa
da Engenharia porque é ela que transforma o conhecimento acumulado
em universidades e centros de pesquisa, públicas e privadas, em
produtos e serviços disponibilizados à sociedade.
A transformação do conhecimento produzido em laboratórios por
profissionais de várias áreas, inclusive engenheiros, cabe aos engenheiros
projetar e realizar. Não é à toa que em todas as definições da engenharia, e
são muitas, encontramos as palavras “aplicação prática de princípios
científicos visando à transformação da natureza com economia de recursos”. A
Engenharia deve ser entendida, portanto, como uma cultura, aberta para a sociedade,
ativa na promoção de seu desenvolvimento procurando como propósito a melhor
qualidade de vida. Como o desenvolvimento tecnológico depende fundamentalmente
da capacidade em Engenharia, pode-se afirmar que educação, ciência, engenharia
e tecnologia estão intimamente relacionadas. A Engenharia é estratégica para o
progresso da humanidade.
Modernamente, são inúmeros os empreendimentos no Brasil e no mundo
que contaram e contam com o decisivo apoio da Engenharia tais como as
gigantescas usinas hidrelétricas de Três Gargantas na China e Itaipu no
Brasil/Paraguai, edifícios como o Empire State Building em New York, o Capital
Gate na cidade de Abu Dhabi nos Emirados Árabes Unidos e o Kingdom Tower, ainda em fase de
projeto, que será construído na cidade de Jeddah, Arábia Saudita, que deve possuir
275 andares quando estiver pronto, atingindo a incrível marca dos 1,6 mil metros de
altura, pontes como a mais longa do mundo sobre o mar de 36,48 quilômetros construída na
cidade litorânea de Qingdao na China e a Rio-Niterói no Brasil, grandes estádios de
futebol, shopping centers, aeroportos, ferrovias, rodovias e viadutos, navios
transatlânticos, navios superpetroleiros e supergraneleiros, aviões a jato, foguetes
espaciais, entre outros. Ao longo da história da Engenharia brasileira tem sido grande o
número de engenheiros e empresas, das mais diversas áreas de atividades, que se
têm se destacado pela criatividade e pioneirismo das soluções adotadas nos
projetos e nas obras que executaram. Da época da instalação das grandes
siderúrgicas a partir da industrialização na década de 1930 durante o governo
Getúlio Vargas, que alteraram o modelo e as possibilidades de crescimento do
País, da fase da abertura dos eixos rodoviários de penetração, da construção de
Brasília, na ação desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek e da construção
das grandes hidrelétricas a partir da década de 1950, até o completo domínio da
tecnologia de exploração de petróleo “off shore” na década de 1990, muitas
empresas nacionais e muitos engenheiros ajudaram a modernizar e a desenvolver o
Brasil.
O Brasil é plenamente desenvolvido em diferentes setores de
Engenharia. Da construção de estradas ao setor energético tudo é possível de
ser projetado e construído no Brasil.
Em alguns setores, inclusive, o Brasil é referência mundial, como
é o caso dos programas ligados ao Proálcool e biodiesel, à exploração de
petróleo em águas profundas, construções de grandes hidroelétricas, como Itaipu, a
maior em operação até bem pouco tempo, projetada, construída e montada por
empresas brasileiras. Os engenheiros e empresas de engenharia colaboraram decisivamente
para desencadear o processo de modernização do País. É importante destacar
também os administradores públicos engenheiros que tiveram larga visão e
contribuíram para materializar ousados projetos de infraestrutura de energia,
transportes e comunicações implantados no Brasil nos últimos 60 anos. Cabe
lugar de relevo, também, os pioneiros na fabricação de máquinas e equipamentos,
além de bens de capital e fornecedores de insumos que ajudaram a proporcionar
extraordinário impulso à Engenharia e à Construção brasileiras. A Engenharia
foi, portanto, responsável pela construção do Brasil moderno.
Apesar da enorme contribuição da engenharia brasileira à
modernização do Brasil, ela precisa se fortalecer ainda mais para superar os desafios da era
contemporânea visando contribuir para o progresso do País, destacando-se, entre
eles, os seguintes: 1) a participação do Brasil na corrida à inovação
tecnológica ao nível global; 2) a melhoria da qualidade da educação em geral no País e, em particular, dos
atuais cursos de engenharia no Brasil; 3) a eliminação do déficit de engenheiros no
Brasil; 4) o desmantelamento da engenharia consultiva do País; e, 5) o
fortalecimento do Sistema
CONFEA/CREA cujas fragilidades precisam ser superadas. Estas são
as condições exigidas para o fortalecimento da engenharia brasileira. Não
existem dúvidas de que, para se desenvolver, o Brasil tem que contar necessariamente com
sua Engenharia e, com o melhor uso desta, alavancar seu progresso econômico e social
e evitar a eterna dependência tecnológica em relação ao exterior.
Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao
progresso do Brasil, é preciso enfrentar o desafio de aumentar a participação do País na
corrida à inovação ao nível global. A situação brasileira é desvantajosa quanto
à inovação tecnológica porque, enquanto
os Estados Unidos, por exemplo, têm 800 mil cientistas trabalhando em pesquisa
e desenvolvimento, o Brasil possui apenas 137 mil cientistas. Outro aspecto a considerar
é a de que é ridículo falar em inovação tecnológica no Brasil com a indústria desnacionalizada
e com os seus centros das decisões sobre produção e mercados, situados no
exterior, como é o caso da indústria brasileira. Tudo isto explica porque o Brasil
continua sendo um dos países menos inovadores do mundo. A indústria desnacionalizada
é fator determinante para o Brasil ser um país que investe pouco em pesquisa,
menos de 1 % do seu PIB, enquanto a maioria dos países industrializados está no
patamar médio de 3%. O Brasil investe pouco em educação, algo como 4,5% do PIB,
enquanto nos países desenvolvidos esse índice chega a 7% ou mais.
Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao
progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio da melhoria da qualidade da
educação dos atuais cursos de engenharia no Brasil que têm um número excessivo de
especializações na graduação. Para superar este problema, os cursos de engenharia
deveriam ser reestruturados visando formar o engenheiro básico, tal como o
médico e o advogado, com a especialização contemplada na pós-graduação cujas
atribuições seriam
redefinidas pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia
(CONFEA) e pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CREA). Para contribuir
para o progresso do Brasil, seria desejável que a formação do engenheiro
do futuro fosse orientada no sentido de que o mesmo adquira uma visão totalizante
das engenharias estabelecendo as relações entre as partes e o todo em seu conjunto
ao contrário do que ocorre na atualidade que impõe o conhecimento fragmentado
de acordo com as
especialidades.
Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao
progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio da insuficiência de engenheiros
no Brasil que, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), seria
necessário formar 60 mil engenheiros por ano no Brasil para dar conta da demanda por
engenheiros. Mas o que acontece no Brasil é que apenas 48 mil obtêm este diploma a
cada ano. Uma das causas da insuficiência de engenheiros no Brasil resulta, entre
outros fatores, da desistência ou evasão dos alunos durante o curso que é muito
grande chegando a 60%. A evasão acontece no primeiro e no segundo ano principalmente pela
formação
deficiente em matemática e física do estudante no ensino médio
que, em muitos casos, tem dificuldade para acompanhar o curso. A luta pela
melhoria do ensino médio no Brasil é essencial para enfrentar o problema da
evasão nos cursos de engenharia. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) do governo federal
estima que, em 2022, haverá a necessidade de 1,565 milhões de engenheiros em
ocupações típicas o que significa dobrar a população de engenheiros em relação à
situação atual.
Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao
progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio de evitar o desmantelamento da
engenharia consultiva do País que ocorre devido ao baixo nível dos
investimentos no aumento da capacidade produtiva do País, a desindustrialização e os problemas
financeiros que afetam a Petrobras, principal contratante de serviços de
consultoria. Tudo isto está levando ao sucateamento da engenharia brasileira e sua consequente
incapacidade de colaborar com a execução das obras necessárias ao desenvolvimento
do Brasil, sobretudo no campo da infraestrutura. É fundamental considerar que
a engenharia consultiva é a base para o crescimento do país porque sem projetos
bem feitos o Brasil não tem como crescer. Bons projetos e serviços de engenharia
consultiva dependem fundamentalmente de equipes formadas por profissionais experientes
no desenvolvimento de trabalhos nas mais diversas áreas abrangidas
pelos setores de transportes, energia, telecomunicações, edificações, saneamento,
entre várias outras as quais estão sendo desestruturadas. A situação atual
contribui para a falta de projetos básicos e executivos competentemente
elaborados e para o superfaturamento de obras atuando como um obstáculo para a
infraestrutura do país. A superação desses problemas que afetam a engenharia
brasileira precisa ser levada avante sem a qual comprometerá o futuro do
Brasil.
Para a Engenharia brasileira elevar seu nível de contribuição ao
progresso do Brasil, é preciso também enfrentar o desafio do fortalecimento do Sistema
CONFEA/CREA cujas fragilidades precisam ser superadas. Estas fragilidades são
as seguintes: 1) o Sistema CONFEA/CREA é uma autarquia do governo federal e,
portanto, não é independente; 2) o Sistema CONFEA/CREA cumpre uma função meramente burocrática de fiscalização do exercício profissional; e, 3) o
Sistema CONFEA/CREA é omisso na busca de solução para os grandes problemas nacionais,
sobretudo no campo da educação, da infraestrutura e da ciência, tecnologia e
inovação.
Por que não fazer com que o Sistema CONFEA/CREA passe a operar
como a OAB que é, em verdade, entidade autônoma, porquanto autonomia e independência
são características próprias dela? Para atuar com firmeza na defesa da
engenharia nacional, o Sistema CONFEA/ CREA deveria se empenhar na luta pela
melhoria da estrutura de ensino da engenharia e da educação em geral que
contribuem para a insuficiência de engenheiros no País, bem como exercer
rigorosa fiscalização na execução de obras públicas no Brasil para elevar seu
nível de qualidade e combater a corrupção. Para contribuir na solução dos
grandes problemas nacionais, sobretudo no campo da infraestrutura e da ciência,
tecnologia e inovação, o sistema CONFEA/ CREA deveria ser independente do
governo federal nos moldes da OAB e ser fortalecido para cumprir esta missão.
Estas são as condições para o soerguimento da engenharia no
Brasil.
* Fernando Alcoforado, 74, membro da
Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e
Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário
e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial,
planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos
livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil
e a Nova (Des) ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para
o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento
do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944,
2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia-
Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea
(EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case
of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken,
Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e
Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo,
São Paulo, 2011) e Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e
Social (Editora CRV, Curitiba, 2012), entre outros.
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