Por
Consuelo Pondé de Sena
Tendo estudado nas Mercês apenas durante três anos, fiquei muito
vinculada à instituição, dela guardando muitas lembranças e nela tendo feito
sólidas amizades.
Ali vivi dias prazerosos, de muita alegria e aprendizado. Conheci e
convivi com Madre Santo Inácio, mestra rigorosa, direi mesmo severa, mas dotada
de grandes recursos intelectuais e didáticos.
Tive o privilégio também de ser aluna de geografia de Madre Maria Pia,
alva e bela que, povoava de mistérios a cabeça de todas as alunas. Como era
jovem e bonita, inventou-se que ingressara no convento em virtude de desilusão
amorosa. Não me esqueço de Mére Emilie, professora de francês, sobre quem se
dizia pertencer à nobreza belga. Sussurrando, as meninas cochichavam que ela
era uma “princesa”. Lembro-me muito de Madre São Luiz Gonzaga, doce, serena,
maternal que, pouco tempo depois, foi substituída por uma espanhola, Madre
Xavier. Disciplinadora e forte, não era nada apreciada pelas estudantes, que a
temiam, pois era muito enérgica e intolerante.
Madre Beatriz, que viveu muitos anos no Colégio, sempre foi muito
estimada, mas não foi minha professora. Madre Maria Luiza, da secretaria, tinha
atenções especiais para comigo, pois fora colega de minha mãe no Educandário
dos Perdões. Irmã Francisca, que cuidava da capela, era um encanto de pessoa
humilde, delicada e risonha.
Dos professores leigos tenho muitas lembranças, tantos foram os que
conheci nas Mercês: Virgílio Oliveira, competente, discreto, personalíssimo;
Percy Cardoso, excelente didata, fechadão, de pouca conversa, Afonso
Pitangueira, objetivo, capaz e astuto, Armando Costa quase sempre alegre, bom
expositor e comunicativo, Cassilandro Barbuda, delicado, simpático e
competente, Padre Lemos, de riso bondoso mas, exigente e copioso, João Mata
Barros, comum no trato com as alunas, mas igualmente conceituado.
Nas Mercês comecei a escrever no jornalzinho Serviam, que circulava com
sucesso entre as estudantes. Falo no feminino porque naquele tempo somente
meninas ali estudavam, a fim de que não tivesse contato com meninos. Existiam
muitos desses colégios segregadores, tanto para meninos quanto para meninas.
Meu pai, por exemplo, tinha muitos cuidados com as filhas, protegendo-as do
convívio com os meninos.
Fui destinada ao Colégio das Mercês por ser muito “pintona”, como se
dizia naquele tempo.
Quanto à Lúcia, minha irmã, bem mais sossegada do que eu, pôde estudar
no Colégio Central e conviver com os moços de sua classe. Não me importei com a
atitude de meu pai, pois num colégio só de mulheres eu tinha mais liberdade
para fazer minhas peraltices. Meu lado lúdico, se é que assim posso denominar
minhas maluquices, expandiu-se nas Mercês como nunca. Minha cabeça astuciosa
era uma usina inesgotável de ideias e minhas colegas traquinas como eu entravam
direitinho na “dança”.
Da nossa turma uma apenas tinha carro, Nadja Andrade, veículo disputado
pelas mais levadas, que adoravam ir nele, completamente abarrotado, dar voltas
na Rua Chile.
Outro fato que não me esqueço eram as festas do colégio, especialmente
quando a elas comparecia o Arcebispo Dom Álvaro Augusto da Silva, cuja
“presença” na Casa alvoroçava as freiras, mobilizando-as para que tudo ficasse
nos “conformes”. Não era simpático, apesar da fama de que desfrutava no meio
religioso. Particularmente, não ia com a cara dele, pois sabia do incidente com
Irmã Maria, dos Perdões. Como feminista em potencial, abominava a conduta
daquele pastor, considerado duro e inflexível, felizmente sucedido pelo carismático
e amorável D. Avelar Brandão Vilela este, a meu ver, o mais amado e
compreensivo dos nossos pastores. Fora talhado para pastorear na Bahia, terra
complicada, onde convivem várias crenças. Soube se conduzir e dos seus lábios
serenos jamais se escutou uma reprimenda mais forte e incisiva. Seu enterro foi
consagrador, como tudo que fez na vida.
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