sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

UMA PACIENTE CHAMADA SALVADOR – (BAHIA)

Por José G. Trindade*


O livro “A Fortaleza do Salvador na Baia de Todos os Santos”, do pesquisador Luiz Walter Coelho Filho revela que o traçado original da fundação da nossa cidade foi concebido segundo as ideias do arquiteto romano Vitruvio (I a.C.), cujos conceitos representaram a base do pensamento urbanístico clássico. Segundo o modelo vitruviano, uma cidade fortaleza deveria ter medidas e proporções similares ao corpo humano, estando a praça principal na mediana do corpo, a catedral no peito e os baluartes da fortificação, nas extremidades dos pés e mãos elevadas. Segundo o autor, é possível ainda hoje, perceber as proporções originais da Salvador edificada.


Concebida em proporção à semelhança humana, a nossa capital vê-se hoje arqueada e enfermiça, sofrendo intervenções paliativas do poder público municipal. Mais, tais intervenções parecem proceder-se, primordialmente, na área da cosmiatria, vez que as principais atuações se dão no embelezamento de áreas públicas. A que se assemelham as intervenções realizadas pelo poder municipal, senão com a realização de procedimentos estéticos? A gestão atual vem ocupando-se do belo, sem preocupar-se com o substrato, ou melhor, com a saúde da paciente, em si.

Tomando a Barra como exemplo, percebe-se que a revitalização do bairro proporcionou uma plasticidade maior no local, entretanto, a saúde financeira do comércio estabelecido jamais foi levada em consideração. Face ao apregoado choque de ordem, quase todas as vagas de carro foram suprimidas, desqualificando-se o conceito empresarial: no parking, no business. Numa rápida visita à rua Afonso Celso percebe-se que pelo menos três grandes lojas do segmento de decoração deixaram o local. Certamente, combalidas em suas finanças. O comércio que ainda resiste, reclama da impossibilidade de estacionamento de ambos os lados da via. Como comércio é captação, se o cliente vê e não pode, ou não tem onde parar, ele não compra. Quem perde? Todos: o comerciante perde o negócio, o funcionário o emprego e o poder público os impostos que captaria. Também, em relação às agências bancárias da região, esse cenário tem sido colhido: o movimento tá caindo. O local ficou de difícil acesso ao cliente, que não tem onde estacionar.



Curiosamente, a manifestação da prefeitura sobre o tema, só deu-se depois de concluída a obra da Barra. Certamente, fruto da grita geral. Não teria sido menos custoso inserir áreas de parqueamento no projeto original? Não basta, agora, subvencionar empresas de modo a incentivá-las a criar estacionamentos. A iniciativa privada vai aonde tem geração de caixa. Com o comércio cada vez mais em baixa, a expectativa de receita vai progressivamente minguando. Ou seja: não se implanta estacionamento porque não se tem perspectiva de fluxo e não se tem fluxo de clientes, porque não se tem onde estacionar. Neste caso, há de perguntar-se: “quem nasceu primeiro: o ovo, ou a galinha?” O afluxo de público elevado aos finais de semana, não tem capacidade de manter a atividade empresarial, vide o caso do Aeroclube Plaza Show. É preciso a sinergia contínua de residências, bancos, comércios e serviços, para permanentemente gerarem riqueza e fazerem pulsar de forma contínua o local. Não dá pra ser intermitente.

Salvador não precisa somente de um cosmiatra, mas, também, de um clínico geral, com foco em longevidade. A cidade existe para servir ao cidadão e não ao contrário. Ela deve ser fraterna, generosa e justa, além de ser bela. A administração deve criar instrumentos para que o cidadão tenha prazer em habitar e tenha condições de através dela, extrair o seu sustento. Imagine se o famoso choque de ordem tivesse suprimido o estacionamento ao longo de toda a av. Vasco da Gama, extirpando o comércio e o serviço na via. Que impacto isso traria na vida dos comerciantes e prestadores de serviços locais, há tanto tempo lá instalados? A análise tem de ser muito mais profunda. Enfim, a cidade tem de ser pensada e planejada como um todo, com a cabeça e o coração.




Apropriando-me da condição humana da cidade, com a finalidade de ilustrar este diagnóstico, diria que num surto de animação, certamente a Barra indagaria ao seu próprio espelho: espelho, espelho meu, existe algum bairro mais bonito do que eu? Ao que, a seu lado, o outrora belo Pelourinho e hoje, sofredor das agruras de um mau planejamento urbano, prontamente ponderaria: calma Barra, beleza não põe mesa. É preciso muito mais que isso, senão, provavelmente, eu sou você amanhã.


*José G. Trindade é vereador da cidade do Salvador, engenheiro civil,
administrador de empresas e pós-graduado em administração pública (FGV/DF).

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