Crônica de Luiz Carlos
Facó
Nada mais
envolvente que o exercício de escrever. Quando o pratico, dia sim e outro
também, abstraio-me de tudo e passo a viver instantes de extrema devoção. Como
se estivesse recitando as minhas poesias prediletas ou sendo tomado por
orgasmos sucessivos.
Creio que,
entre os meus confrades, interpõem-se esses mesmos sentimentos. Crédulos na
magia e encanto daquele precioso momento.
Divirjo de
alguns somente quando dizem que o escritor, por realizar sozinho o seu
trabalho, é um solitário.
Não me sinto
assim. Ao escrever, estou sempre arrodeado de temas, tramas, dramas, comédias,
opiniões, fisionomias, nomes, diálogos, evocações, caminhos e personagens.
Elas, as personagens, sinto-as presentes, juntinhas de mim; creio-as
verdadeiras. Tanto que até converso e discuto com elas. Acalento a esperança
que jamais me abandonem. Se o fizessem, aí sim, ficaria completamente só.
Gosto de
escrever, e digo sempre, e de aprender a escrever, embora seja um caminho
árduo, um labor constante. Não importa se só remexo e me debruço na
memorialística, no teatro e na seara romanesca tendo por pano de fundo a
cultura regional nordestina. Sigo André Gide, ao asseverar a imensa
possibilidade de a literatura revestida de regionalismo se universalizar.
Os exemplos
do quanto preconizou aí estão: Faulkner, ganhador do Nobel, era um escritor
provinciano. Da mesma forma o são Jorge Amado, o contador de histórias da
Bahia, Machado de Assis, o grande cronista do Rio de Janeiro, de sua gente.
Portadores de láureas que os credenciam como sucesso no mundo literário.
Por meu
turno, adoro mesmo é contar histórias, a maioria criada na hora. Da minha
cidade, dos amigos, do meu povo, dos seus usos e costumes. Determinantes do meu
dia a dia. Tópicos que procuro dominar. E, quando conto histórias, não me
aborrece vê-las impregnadas de lirismo, romantismo. Despreocupo-me, também, em
adequá-las a qualquer escola literária. Pois acompanho sem desvios, cegamente,
as certezas de Menotti del Picchia: “Como é belo criar! Como é bom ser poeta!
Desfazer o imediato, a certeza concreta, toda a limitação, o trivial, o
bisonho, dilatando ao infinito as fronteiras do sonho.”
Sendo contra
todas as escolas, enxoto os “ismos” do meu derredor. Fico com os adjetivos, tão
desgraçados pelos escritores. O importante é sentir que os meus trabalhos
transpirem a minha essência, possuam o meu caráter, espelhem o meu estilo e o
meu estado de humor.
Por isso,
trato com desprezo os que cobram originalidade nos assuntos que abraço. Como
podem fazê-lo, se todos já foram abordados? É notório que os escritores copiam
uns aos outros. Alguns, felizmente, só o tema.
Na
literatura que procuro exercitar, só atento em contar a história com princípio,
meio e fim, introduzindo nela a minha visão, o meu modo de sentir, algumas
personagens, diálogos. Quem sabe – hipotéticos. Sem me curvar em narrá-la de
forma cartorial. Os escritores cartoriais – esta definição eu concebi para
definir os autores pouco imaginativos, cujos textos mais parecem certidões de
nascimento ou óbito – esparramam-se bem ao largo da minha vida. Com eles não me
preocupo. Enterro-os do limbo da indiferença.
Por
considerar-me um esteta, um romântico, não posso coexistir com aqueles que
desprezam esses valores, para mim, inestimáveis. Sobrepostos a quaisquer
outros.
Acho também
que a obra de um autor há de ser medida, pesada, pela clareza do seu texto,
pela inteireza das ideias nele contidas, pela emoção com que incita os
leitores, pela forma como a trama é delineada, pelo tratamento dispensado às
personagens, pela elegância das sentenças produzidas.
Tampouco não
julgo importante o número de páginas que o autor produziu para apresentar sua
obra. Um opúsculo, muitas vezes, contém tanto ou tem mais densidade quanto os
livros avolumados. A “Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas, cabe nesse conceito.
É pequeno, mas diz muito.
Irrita-me,
ainda, a atitude de alguns, ao considerar ser um bom escritor aquele de
inúmeras obras, esquecendo as meticulosamente trabalhadas, talvez obras
mestras, escritas antes ou posteriormente daquela criticada e sobre as quais
até silenciam.
Eis o que
tinha a dizer. Um mero desabafo. Será quem estou louco ou sempre fui um deles
sem ter consciência disso?
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