quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

ESCREVER É O QUANTO ME BASTA

 

Crônica de Luiz Carlos Facó


Nada mais envolvente que o exercício de escrever. Quando o pratico, dia sim e outro também, abstraio-me de tudo e passo a viver instantes de extrema devoção. Como se estivesse recitando as minhas poesias prediletas ou sendo tomado por orgasmos sucessivos.
Creio que, entre os meus confrades, interpõem-se esses mesmos sentimentos. Crédulos na magia e encanto daquele precioso momento.
Divirjo de alguns somente quando dizem que o escritor, por realizar sozinho o seu trabalho, é um solitário.
Não me sinto assim. Ao escrever, estou sempre arrodeado de temas, tramas, dramas, comédias, opiniões, fisionomias, nomes, diálogos, evocações, caminhos e personagens. Elas, as personagens, sinto-as presentes, juntinhas de mim; creio-as verdadeiras. Tanto que até converso e discuto com elas. Acalento a esperança que jamais me abandonem. Se o fizessem, aí sim, ficaria completamente só.
Gosto de escrever, e digo sempre, e de aprender a escrever, embora seja um caminho árduo, um labor constante. Não importa se só remexo e me debruço na memorialística, no teatro e na seara romanesca tendo por pano de fundo a cultura regional nordestina. Sigo André Gide, ao asseverar a imensa possibilidade de a literatura revestida de regionalismo se universalizar.
Os exemplos do quanto preconizou aí estão: Faulkner, ganhador do Nobel, era um escritor provinciano. Da mesma forma o são Jorge Amado, o contador de histórias da Bahia, Machado de Assis, o grande cronista do Rio de Janeiro, de sua gente. Portadores de láureas que os credenciam como sucesso no mundo literário.

Por meu turno, adoro mesmo é contar histórias, a maioria criada na hora. Da minha cidade, dos amigos, do meu povo, dos seus usos e costumes. Determinantes do meu dia a dia. Tópicos que procuro dominar. E, quando conto histórias, não me aborrece vê-las impregnadas de lirismo, romantismo. Despreocupo-me, também, em adequá-las a qualquer escola literária. Pois acompanho sem desvios, cegamente, as certezas de Menotti del Picchia: “Como é belo criar! Como é bom ser poeta! Desfazer o imediato, a certeza concreta, toda a limitação, o trivial, o bisonho, dilatando ao infinito as fronteiras do sonho.”
Sendo contra todas as escolas, enxoto os “ismos” do meu derredor. Fico com os adjetivos, tão desgraçados pelos escritores. O importante é sentir que os meus trabalhos transpirem a minha essência, possuam o meu caráter, espelhem o meu estilo e o meu estado de humor.
Por isso, trato com desprezo os que cobram originalidade nos assuntos que abraço. Como podem fazê-lo, se todos já foram abordados? É notório que os escritores copiam uns aos outros. Alguns, felizmente, só o tema.
Na literatura que procuro exercitar, só atento em contar a história com princípio, meio e fim, introduzindo nela a minha visão, o meu modo de sentir, algumas personagens, diálogos. Quem sabe – hipotéticos. Sem me curvar em narrá-la de forma cartorial. Os escritores cartoriais – esta definição eu concebi para definir os autores pouco imaginativos, cujos textos mais parecem certidões de nascimento ou óbito – esparramam-se bem ao largo da minha vida. Com eles não me preocupo. Enterro-os do limbo da indiferença.
Por considerar-me um esteta, um romântico, não posso coexistir com aqueles que desprezam esses valores, para mim, inestimáveis. Sobrepostos a quaisquer outros.
Acho também que a obra de um autor há de ser medida, pesada, pela clareza do seu texto, pela inteireza das ideias nele contidas, pela emoção com que incita os leitores, pela forma como a trama é delineada, pelo tratamento dispensado às personagens, pela elegância das sentenças produzidas.
Tampouco não julgo importante o número de páginas que o autor produziu para apresentar sua obra. Um opúsculo, muitas vezes, contém tanto ou tem mais densidade quanto os livros avolumados. A “Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas, cabe nesse conceito. É pequeno, mas diz muito.
Irrita-me, ainda, a atitude de alguns, ao considerar ser um bom escritor aquele de inúmeras obras, esquecendo as meticulosamente trabalhadas, talvez obras mestras, escritas antes ou posteriormente daquela criticada e sobre as quais até silenciam.
Eis o que tinha a dizer. Um mero desabafo. Será quem estou louco ou sempre fui um deles sem ter consciência disso?

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